Como se eleger sem dinheiro? Crítica aos Partidos Políticos de Esquerda em consideração à candidatura de mulheres negras no Nordeste

 

Maria Raiane. (FOTO/ Acervo Pessoal).

Por Maria Raiane, Colunista

O texto foi publicado originalmente no Letras Negras, uma iniciativa do projeto “Enegrecer a Política” com o objetivo de divulgar o pensamento e as ações de pessoas negras do Norte e Nordeste. Segundo Raiane, foram selecionados 8 textos do norte e do nordeste. Do nordeste, um do Ceará, o seu.

Maria Raiane Felix Bezerra[1]

 

Após o feminicídio político de Marielle Franco no ano de 2018, houve um salto positivo de candidaturas negras. Algo surpreendente foi a quantidade de candidaturas coletivas que se formaram em todo o Brasil, principalmente, de mulheres negras que se colocaram na disputa para pleitear uma vaga nas Assembleias Legislativas e nas Câmaras brasileiras, com destaque para a região Nordeste.

As mulheres negras, peças-chave para a mudança radical dessa sociedade em que vivemos, nas últimas eleições (2018, 2020 e 2022) ousaram se candidatar em um cenário em que estávamos quase perdendo os mínimos direitos sociais conquistados e que muitos foram totalmente extinguidos pelo governo Bolsonaro. O atual  governo representa/ou a forma mais antidemocrática, anti vida, punitivista, proibicionista, racista, feminicida, LGBTQIAPN+fóbico, entre outras violências, que o país já viveu desde o processo de redemocratização.

Acredito que o cenário caótico em que vivemos fez com que as pessoas negras se colocassem como ponta de lança, pois são elas que estão nas lutas árduas e cotidianas em prol das ações afirmativas e que finalmente conseguiu inserir, minimamente, essa população preta, periférica, das classes mais afetadas nos espaços que foram negados historicamente.

Refletir sobre a sociedade brasileira, me faz querer debruçar sobre os limites da falsa democracia e do sonho que ela se torne de fato realidade, pois com racismo não há democracia.

E é sobre isso que eu quero falar. Acredita-se que os partidos políticos considerados progressistas ou de “esquerda”, possuem programas partidários que mais se aproximam de um projeto para uma sociedade mais “igualitária”. Neste ponto, vale lembrar o mito da democracia racial, pois essa fantasia tem sido uma pedra no caminho da população negra no Brasil, visto que entrou com muita facilidade nas mentes daqueles/as que assim como a maioria no país, agem em negação quanto à existência do racismo estrutural.

Trago essa discussão para o debate, para conseguirmos vislumbrar o quanto esse conceito criado por um sociólogo nordestino[2] atravessou e fundou os partidos políticos de esquerda.  Ter esses fatos em mente, nos ajuda a diagnosticar e dimensionar o problema gerado pelo mito da democracia racial.

É preciso denunciar que existe um problema de formato estrutural que não é solucionado pelos partidos políticos, pois quando se trata das barreiras enfrentadas por pessoas negras, ou eles tratam subdividindo o problema em setoriais, ou, sequer fomentam iniciativas em seus programas de ações partidárias direcionadas à mitigação dessas barreiras, e tais omissões são classificadas como racismo. Até porque, quando não debatemos ou não tratamos de certos problemas, é porque negamos a sua existência. Se eles deixam de falar sobre ou colocam apenas pessoas negras para falarem do assunto, novamente, eles estão sendo racistas.

E quando se trata de candidaturas de mulheres negras que, felizmente, estão saindo em candidaturas coletivas ? O que os partidos de esquerda têm a declarar do apoio que dão ou deixam de dar para essas corpas? Consegue refletir de onde estou enxergando? Exponho todos estes pontos para finalmente chegarmos ao conceito de Racismo por Omissão.

O conceito foi criado por Lélia González para denunciar o Partido dos Trabalhadores (PT) que nos anos 80, quase cem anos após a falsa abolição, não integrou ao seu programa partidário e nem denunciou em rede televisiva, a situação em que a população negra se encontrava no país.

Partindo desse conceito, como já busquei desenhar, tento refletir e expor as candidaturas recentes das mulheres negras no Nordeste. Principalmente, daquelas que denunciaram de forma aberta em suas redes sociais, as dificuldades de financiamentos negados ou não distribuídos de forma coerente pelos partidos de esquerda.

Este é o caso das vereadoras (Pretas Juntas) Elaine Cristina e Débora Aguiar do Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), da cidade de Recife-PE, que mesmo recebendo mais de 3 mil votos em sua campanha para vereança, não receberam recursos suficientes do partido (PSOL), mesmo diante da magnitude da campanha.  Percebo isso como uma estratégia de boicote ao projeto político pensado e conduzido por mulheres negras, pois estamos falando de partidos políticos que tem um quantitativo que se autodeclara negro relevante. Mas que ainda segue os princípios branco, masculino, cis, hétero etc., por isso, para eles, só vale apostar financeiramente naquelas/es que “já estão ganhos”. Importante lembrar, que isso não é apenas uma situação isolada em Recife-PE.

Foi por meio dos financiamentos coletivos que várias campanhas coletivas de mulheres negras se sustentaram.  Foi com o apoio de uma coletividade, que as candidatas tiveram apoio psico-socio-político dos seus coletivos comprometidos com as pautas para continuarem no enfrentamento às desigualdades intrapartidárias.

Importante destacar que, os partidos políticos, ainda nos tratam como pessoas que estão propondo uma candidatura apenas por questões “identitárias”, algo que quem faz parte dos movimentos negros, de mulheres e outros escutam com frequeência. Mas vos digo, eles têm medo do que propõem as mulheres negras, pois estamos falando de atores sociais que pensam a sociedade como um todo.

Que deixemos bem nítido, não queremos apenas nos candidatar, queremos ser eleitas e para isso precisamos do compromisso real com a dívida não paga daqueles que nos devem e que estão alocados nas estruturas partidárias. Para a “esquerda”, deixo um recado, é preciso reconfigurar esse padrão que usa nossa imagem para cumprir coeficiente de representação, não iremos aceitar mais isso.




[1] Maria Raiane, negra jovem de 24 anos, pansexual, licenciada em ciências sociais pela Universidade Regional do Cariri (URCA), mestranda em Sociologia pela Universidade Estadual do Ceará (UECE), professora de sociologia e filosofia na educação básica, escritora independente/marginal, colunista do blog Negro Nicolau, pesquisadora do NEGRER; compõe a coordenação do Grupo de Valorização Negra do Cariri (GRUNEC); ativista da Rede Nacional de Feministas Antiproibicionistas RENFA; nascida e criada em Juazeiro do Norte, região do Cariri, no Estado do Ceará-Nordeste

[2] O conceito de “Democracia Racial” foi criado por Gilberto Freyre e na obra Casa-Grande e Senzala (1933) foi onde o conceito ganhou relevo e reconhecimento. Esse conceito, nega a existência do racismo no Brasil.

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