A rede

Alexandre Lucas. (FOTO | Acervo pessoal).

Por Alexandre Lucas, Colunista 

Sal para não apodrecer a carne retalhada. Por aqui estão salgando o coração. Os olhos são rios efêmeros, já não conseguem ser mar. Os livros, até tem por aqui, tem uma biblioteca cheia de mundo, próxima à esquina. As poesias foram espalhadas pelas ruas. Paramos algumas vezes para brincar com as crianças. Pintamos os muros, estão mais coloridos. 

A bola corre solta por aqui, é uma das poucas opções para suar e dar brilho aos olhos. A bala também corre solta, já ela não chega a ser opção. Há quem fale em escolhas, mas as linhas da vida não são escritas apenas de vontades. Temos tanto o que não queremos e isso não é opção, jamais é escolha. 

Na madrugada, o menino dormia como menino, na rede, e seus sonhos eram pequenos, seus pesadelos existiam sem dormir. O menino não acordou: as balas apagaram os seus míseros sonhos. 

A menina acorda com notícia da morte e carrega no seu ventre o filho do descuido. O tempo apagou. 

O menino quis ter uma moto, ser jogador de futebol. Talvez procurasse o que nunca teve: uma casa em que se plantasse flores e distribuíssem abraços. 

Foi homem sendo menino. Ricardo seu nome, não chegou a ser o Ricardão. Foi mais um pendurado nas estatísticas tristes dos nossos afetos. A poesia não muda a vida, quando o Estado resolve dormir. 


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