Celebrar nossas conquistas também é ser antirracista

 

Jaqueline Fraga (centro) recebe medalha e diploma de honra ao mérito Heroínas do Tejucupapo das mãos da vice-presidente da OAB-PE, Ingrid Zanella (à esquerda), e da então presidente da Comissão da Mulher, Isabelita Fradique (à direita) –  Foto: Alysson Maria/OAB-PE.

Nos meus artigos mais recentes aqui para a coluna Negras Que Movem no Portal Geledés, eu tenho abordado com frequência formas de exercer o antirracismo. E hoje vou falar sobre mais uma delas mas, dessa vez, sobre uma que às vezes esquecemos de realizar ou que achamos que não devemos. Coloquemos na nossa mente: celebrar nossas conquistas também é ser antirracista.

No imaginário social, que ainda hoje é muito perpetuado, pessoas negras têm ocupações predeterminadas… e que dificilmente são as de mais prestígio ou valor. É essa construção social, arraigada em um racismo estrutural, que almejamos combater. E, enquanto isso, não esqueçamos: nossas conquistas, nossos avanços, são importantes e merecem ser exaltados.

Por isso que hoje vou falar sobre dois momentos recentes que foram muito especiais para mim. Duas homenagens que recebi e que me deixaram muito grata, feliz, emocionada e honrada.

O primeiro, que é o mais recente, está ilustrado na fotografia que abre este artigo. Foi quando recebi o Diploma de Honra ao Mérito do Prêmio Ser Mulher, realizado pelo grupo Ser Educacional. A cerimônia foi no dia 7 de março deste ano, em celebração ao Dia Internacional da Mulher, marcado pelo #8m. 

Tive a honra de ser uma das homenageadas, ao lado de mulheres que tanto fazem e nos ensinam, ainda mais por ser uma premiação que valoriza e exalta as nossas trajetórias. Como escrevi nas redes sociais, cada reconhecimento que recebo é carregado de orgulho e emoção. Até porque, como sempre comento, ele não é só meu.

No texto de convite para o evento havia as seguintes informações sobre mim:

Jornalista, escritora premiada, foi consultora da UNESCO e também trabalhou em ações voltadas para lideranças negras, buscando a visibilidade e equidade racial. É ativista nas causas da mulher negra e sua devida e merecida ocupação no mercado de trabalho. Transforma a marginalização do gênero e da cor em oportunidades e realização profissional.

Ver um pouco da minha história sendo contada sempre me emociona, especialmente porque se sou quem eu sou, se faço o que eu faço, é para honrar aquelas que vieram antes de mim. Obrigada, mãinha, por tanto e por tudo.

O segundo momento, que vou destacar agora, é a homenagem que recebi em dezembro do ano passado pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-PE). Foi um orgulho imenso receber a Medalha do Mérito Heroínas do Tejucupapo, na categoria Jornalismo. Uma honra e um orgulho ser reconhecida e homenageada pelo meu trabalho enquanto jornalista com um prêmio que carrega tanto significado, simbologia e tradição.

Ser premiada pela relevância dos serviços prestados à sociedade na área de jornalismo é uma das maiores emoções. Porque demonstra que o conjunto do seu trabalho está sendo importante para a população. E essa é uma das maiores honrarias que uma jornalista pode ter.

Muito me honrou estar ao lado de tantas mulheres que são referências e inspirações. E muito me alegrou ver equidade nesse incrível hall de homenageadas. Equidade essa também presente no Prêmio Ser Mulher.

Nós sabemos que por ser mulher, mulher negra, os desafios e questionamentos surgem de forma duplicada. Por isso é tão importante também esse reconhecimento institucional, ainda mais de instituições tão importantes para a sociedade e a democracia, a exemplo da Ordem dos Advogados do Brasil.

Meus parabéns a cada mulher que integra as listas de homenageadas e, ao mesmo tempo, representa tantas outras. Também agradeço e espero honrar todas aquelas que vieram antes de mim e abriram e seguem abrindo caminhos.

Esses dois dias ficarão carinhosamente gravados na memória. Para ver mais detalhes e registros sobre as homenagens, deixo aqui o convite para que acompanhem as minhas redes sociais: @jaquefraga_ (Instagram e Twitter) e @livronegrasou (Instagram). Será um prazer contar com vocês também por lá. Valorizemos profissionais negras também na internet. Muitas vezes publicamos conteúdos de excelência mas não somos vistas. O racismo também opera assim.

No mais, eu sempre costumo comentar que cada pequena conquista nossa deve ser comemorada. Sonhemos grande, mas não esqueçamos de valorizar os avanços mais simples. Não esqueçamos de valorizar a nossa caminhada. Como bem cantou Cidade Negra: “você não sabe o quanto eu caminhei, pra chegar até aqui…”

Vamos em frente, em busca e conquistando as oportunidades que merecemos e que muitas vezes nos foram negadas.

Encerro esse texto repetindo a frase que tenho dito rotineiramente com o desejo de que se torne um lema e se concretize de fato: Sigamos criando e ocupando espaços!

Sobre a autora

Jaqueline Fraga é escritora, jornalista formada pela Universidade Federal de

Pernambuco e administradora pela Universidade de Pernambuco, com MBA em Comunicação e Jornalismo Digital pela Universidade Cândido Mendes. Apaixonada pela escrita e pelo poder de transformação que o jornalismo carrega consigo, é autora do livro-reportagem “Negra Sou: a ascensão da mulher negra no mercado de trabalho”, finalista do Prêmio Jabuti, e do “Big Gatilho: um livro de poemas inspirado no BBB 21”. Também é coautora do livro “Cartas para Esperança”. Escreve por profissão, prazer e terapia. Escreve porque respira, respira porque escreve. Pode ser encontrada nas redes sociais nos perfis @jaquefraga_ (Instagram e Twitter) e @livronegrasou (Instagram).

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Publicado originalmente no Geledés.

Conheça o povo Yanomami  

Povo Yanomami em cena no documentário "A última floresta", de Luiz Bolognezi. (FOTO/ Pedro J Marquez/Divulgação).

O músico mineiro Milton Nascimento escolheu o nome de um grupo indígena do norte brasileiro para uma de suas canções: Yanomami e Nós dá título à música. A população sobre a qual o artista se refere vive lá na floresta amazônica e se divide entre o Brasil e a Venezuela. Quer descobrir algumas curiosidades sobre o povo Yanomami? É só continuar com a gente!

Lar e família

Para quem vive em apartamentos localizados nas grandes cidades, é difícil imaginar um cenário em que várias famílias moram juntas. Mas esse jeito funciona muito bem com o povo Yanomami! Com formato de cone ou retangular, casas coletivas plurifamiliares abrigam essa população.

Para além da aldeia

O povo Yanomami tem a integridade de suas terras ameaçada pelo garimpo. Mas não foi sempre assim. O fenômeno é recente: até o fim do século 19, os Yanomami conheciam apenas seus vizinhos, também indígenas!

Do início ao fim

No Espaço do Conhecimento UFMG, são contadas muitas histórias sobre o surgimento do mundo e da humanidade. Muitas mesmo! Afinal, cada povo tem a sua. Com os Yanomami, não é diferente. Eles explicam sua origem e morte por meio de narrativas em que figuram divindades como Omama e Yoasi.

Legal descobrir tantas coisas sobre o povo Yanomami, né? Mas olha só: para conhecer a fundo as histórias desse povo, só mesmo atentando para o que eles têm a dizer! Por isso, o Espaço do Conhecimento UFMG lança, no dia 03 de dezembro, a exposição Mundos Indígenas, que tem o patrocínio do Instituto Unimed-BH e BDMG Cultural e conta com uma curadoria indígena, onde o protagonismo é de quem realmente entende do assunto.

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Com informações da UFMG.

Lygia Fagundes Telles morre aos 98 anos

 

Ganhadora de diversos prêmios, como Jabuti e Camões, Lygia Fagundes Telles morreu, aos 98 anos, em São Paulo. - (FOTO/ driana Vichi).


Conhecida como "a dama da literatura brasileira", a escritora paulista Lygia Fagundes da Silva Telles faleceu, aos 98 anos, em São Paulo. Integrante da Academia Brasileira de Letras (ABL), ela era a quarta ocupante da Cadeira nº 16 da ABL, tendo sido eleita em outubro de 1985, na sucessão de Pedro Calmon.

A autora, que completaria 99 anos no próximo dia 19 de abril, publicou ao longo de sua carreira, iniciada no final dos anos 1930, romances e contos de grande importância.

Lygia estudou Direito e Educação Física antes de se dedicar exclusivamente à literatura. Considerada pela crítica e por seus pares um dos nomes mais relevantes da literatura brasileira, sua obra – composta de 18 livros de contos e quatro romances – é internacionalmente reconhecida e premiada, tendo superado a marca de três milhões de exemplares vendidos.

Entre os prêmios de sua carreira estão Camões (2005), e o Jabuti (1966, 1974, 1996 e 2001). Por sua contribuição para a literatura brasileira, foi indicada pela União dos Escritores Brasileiros para concorrer ao Prêmio Nobel. Também foi uma das autoras do "Manifesto dos Intelectuais" contra a censura do regime militar em 1977.

Na juventude, conviveu com intelectuais modernistas que circulavam no Largo de São Francisco, no centro de São Paulo, entre eles Mário de Andrade, Oswald de Andrade e Paulo Emilio Salles Gomes, que veio a ser seu segundo marido. Aproximou-se da poeta Hilda Hilst de quem se tornou amiga e confidente. Com o primeiro marido, o jurista e um dos fundadores do Partido dos Trabalhadores (PT), Goffredo da Silva Telles Jr, teve o único filho, Goffredo da Silva Telles Neto, que viria a ser cineasta.

Em uma publicação nas redes sociais, Lucia Riff, agente da escritora lamentou: “Conheci a Lygia em 1984, na Editora Nova Fronteira, no início da minha carreira, e logo nos tornamos próximas. Quando a agência foi criada, em 1991, Lygia foi uma das primeiras autoras que passamos a representar. Em 2005, vivemos um momento lindo, quando estivemos em Portugal para a cerimônia de entrega do Camões. Toda vez que ia a São Paulo, nos encontrávamos e era sempre uma inspiração para mim que tive o privilégio de conviver com ela. Lygia foi uma mulher de vanguarda, uma feminista, forte e corajosa e deixou uma obra extraordinária.”

Com informações da Agência Riff e Brasil de Fato.

‘A política de cota é a mais eficiente contra discriminações que conseguimos’, diz primeira reitora negra do Brasil

 

"Uma pessoa negra na universidade que não assume sua identidade, some. Quando chegamos lá, o nosso corpo traz memórias de resistência". (FOTO/ UFPA/ Divulgação).

Liderança de muitas gerações do movimento negro, Zélia Amador de Deus, chega aos 70 anos tendo sido a primeira mulher negra a ocupar cargo em reitoria de universidade pública no Brasil, a Universidade Federal do Pará (UFPA). Ainda que interinamente, na condição de vice-reitora da UFPA de 1993 a 1997. Além disso, segue como voz ativa na luta antirracista e na defesa dos direitos humanos, sobretudo no Norte do país. Um dos reconhecimentos que recebeu pela sua trajetória foi o Prêmio BrazilFoundation de Direitos Humanos, ONG de Nova York.

Depois da vice-reitoria de Zélia, a primeira negra a ser nomeada reitora em uma universidade federal foi Nilma Lima Gomes. Ela comandou a Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira (Unilab), em 2013.

Zélia possui graduação em licenciatura plena em Língua Portuguesa, especialização em Teoria Literária, mestrado em Estudos Literários e doutorado em Ciências Sociais. Atualmente, ocupa o cargo de assessora da diversidade e inclusão social daquela instituição. É autora dos oito artigos que compõem o livro “Caminhos Trilhados na Luta Antirracista“, uma “autobiografia etnográfica”, como ela mesma define.

Zélia Amador também é atriz, fundadora do Centro de Defesa do Negro no Pará e integra a Coalizão Negra por Direitos – aglutinadora de alguns dos principais movimentos negros do país, como Instituto Marielle Franco, Conaq (Coordenação Nacional Quilombola) e Uneafro.

Sou resultado dessa oportunidade que a escola pública oferece. Então. considero a escola pública de uma grande importância para a população negra no país

Em entrevista à PerifaConnection*, uma plataforma de disputa de narrativa das periferias, a militante e intelectual revisita momentos-chave na luta antirracista e faz defesa entusiasmada da universidade pública e da política de cotas raciais.

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Com informações da RBA. Clique aqui e confira a entrevista.

A cultura do capital e a cidade negada

 

Alexandre Lucas. (FOTO |Reprodução).

Por Alexandre Lucas, Colunista

Democratizar o acesso à cidade na sua complexidade e transversalidade é o termômetro para indicar o grau de apropriação da diversidade e pluralidade cultural pelo conjunto da população. Acessar a cidade, transita para além da urbanização e mobilidade urbana, o que requer a ruptura com a exclusão e a desigualdade social e ao mesmo tempo com os mecanismos de gestão participativa e decisória 

A produção de uma cidade economicamente desigual gera uma apropriação desigual da produção cultural, o que necessariamente evidencia as contradições irreconciliáveis do modo de produção capitalista e aponta a luta pela democratização da sociedade como parte do processo de transformação social, econômica e das relações de poder.

Evidentemente que a cultura e o direito à cidade compõem estruturas que se entrelaçam.  Porém são traçados caminhos desconexos entre as políticas de acessibilidade a cidade, criando quadrados sociais e desintegrados.

Claro que existe uma cidade invisível, excluída, silenciada, vulnerável e sistematicamente oprimida e explorada, em que a elite econômica insiste em colocar como adereço do seu poder.

Os equipamentos públicos, como escolas, teatros, museus, galerias, praças, auditórios, universidades, centros de assistência social, quadras esportivas, etc, são instrumentos desse  processo de democratização da produção simbólica  historicamente erguida pela humanidade.

Ao mesmo tempo, temos que nos questionar: Esses equipamentos existem? quais as condições? Como são os seus processos de circulação e continuidade das suas ocupações? Quais as suas perspectivas políticas e pedagógicas de sociedade? Como inclui a diversidade e a pluralidade estética, literária, artística, filosófica, científica e cultural? Existe uma cultura de pertencimento coletiva desses equipamentos?  

A história das sociedades divididas em classes sociais distintas e antagônicas têm demonstrado que predomina hegemonicamente e ideologicamente uma cultura orientada aos interesses da classe dominante para a sua manutenção no poder e ao mesmo destina para a cidade negada uma embriaguez cultural capaz de produzir subnutridos da cultura.

As forças do capital quando evidenciam a cultura enquanto produção artística é para poucos e quando pensam na sua dimensão de reprodução da vida a criam de forma esquartejada espacialmente e socialmente.

O termômetro para medir o usufruto da cultura na sua extensão ampla e que possibilite tornar o erudito uma apropriação popular  é marcado pelo direito de acessar e gestar a cidade de forma coletiva.

Carlos Alberto Tolovi: A diversidade sempre foi vista como uma ameaça para um sistema de poder que quer ser absoluto

 

Carlos Alberto Tolovi. (FOTO/ Reprodução/ YouTube/ Papo Social Podcast).

Em 29 de dezembro de 2018, logo após o processo eleitoral ter chegado ao fim e colocado no poder um representante da extrema direita, o Jair Messias Bolsonaro, o Blog Negro Nicolau (BNN) entrou em contato com o professor da Universidade Regional do Cariri (URCA), o Dr. Carlos Alberto Tolovi.

A entrevista foi uma das mais acessadas do Blog desde o seu lançamento em 2011 e, por isso mesmo, resolvemos republicá-la.

Naquela oportunidade, ressaltamos que o resultado das eleições trouxe a cena uma questão fundamental e com ela outras tantas. Quais os desafios do Brasil pós-eleição? Quais as estratégias que devem ser tomadas para que os a margem do poder não sejam cada vez mais massacrados nesses quatro anos vindouros? Como os movimentos sociais devem se comportar? É possível um diálogo mais eficiente entre partidos de esquerda e os movimentos sociais? Como isso deve ser feito para atingir os menos favorecidos?

Para contribuir com essas e tantas outras questões e desafios, o Blog entrevistou o filósofo, Dr. em Ciências da Religião e autor de dois livros, Carlos Alberto Tolovi. Tolovi afirma que a vitória de Bolsonaro foi uma “tragédia” social no Brasil e que ele representou a “construção de uma narrativa organizada pela direita, que respondia aos desejos e necessidades da coletividade a partir de um caos produzido intencionalmente.”

O filósofo, autor dos livros “Mito, Religião e Política. Padre Cícero e Juazeiro do Norte” (Editora Prismas, 2019) e “Moral e Ética nas Relações de Poder” (Editora Brazil Publishing, 2021), ressalta que nas disputas ideológica o campo da educação é o mais importante, sendo a diversidade uma constante ameaça.

Não podemos nos esquecer que, na guerra ideológica, o campo da educação é um dos mais importantes. Principalmente em um movimento fascista como esse que estamos vendo. A diversidade sempre foi vista como uma ameaça para um sistema de poder que quer ser absoluto, disse.

Leia a entrevista concedida por e-mail ao Blog Negro Nicolau (BNN).

Blog Negro Nicolau (BNN). Você é conhecido por ser um professor ligado aos movimentos sociais, inclusive os de linhagem religiosa. No que pese a política partidária usou muito sua rede social facebook para se manifestar contra o candidato eleito Jair Bolsoanro (PSL). A que você credita a vitória de Bolsonaro?

Carlos Alberto Tolovi. Quando um filósofo ou um sociólogo, com bases marxistas como eu, tenta entender o fato de um candidato de extrema direita se eleger com os votos de grande número de trabalhadores, nós corremos o risco de responder dentro de um esquema fechado, que não dá conta do fenômeno ocorrido. Em minha perspectiva, entre os diversos fatores que contribuíram para essa “tragédia” social no Brasil, eu coloco uma questão que se encaixa dentro de um padrão universal: sempre que for possível construir um caos social e a partir do mesmo colocar em destaque uma narrativa ordenadora, que responda aos desejos e necessidades da coletividade, é possível produzir um mito. Porém, esse mito sempre nasce com desejo de sacrifício. E nesse esquema, o sacrificado é sempre aquele que não possui poder de reação. Neste contexto, Bolsonaro não era apenas um candidato. Ele era a construção de uma narrativa organizada pela direita, que respondia aos desejos e necessidades da coletividade a partir de um caos produzido intencionalmente. Assim, em nome de um reordenamento por meio de uma moral colonialista, foi possível criar uma “onda devastadora” que diabolizou e condenou todos os focos de resistência das minorias sociais no campo da luta de classes. A partir da diabolização do Partido dos Trabalhadores foi possível rotular de forma condenatória todos os partidos e movimentos de esquerda em nosso país. Paulo Freire já nos alertava que uma das formas de dominação e opressão viria da mitologização da realidade.

BNN. O que esperar de um governo em que o eleito já demonstrou ser contra todos os direitos das maiorias sociais, porém minorias nos espaços de poder?

Tolovi. Hoje é muito comum encontrar pessoas que não votaram em Bolsonaro com o seguinte discurso: “vamos esperar, quem sabe ele não seja tão ruim como nos parece! Quem sabe ele nos surpreende?” Por outro lado, os que contribuíram com a sua eleição afirmam: “ele nem assumiu ainda e vocês já estão condenando!” Em meio a esses discursos, uma coisa já aprendemos nas lições da história: o que vimos de bom especificamente para os mais pobres vindo da classe política denominada como direita? Você poderia destacar uma conquista social, como os direitos da classe trabalhadora, que não veio com suor e sangue de pessoas inseridas nas lutas denominadas como esquerda? Pois é! Se Bolsonaro se elegeu canalizando as energias e investimentos da elite do nosso país, como os banqueiros, os fazendeiros, os médicos, enfim, os que podem ser chamados de burguesia, o que podemos esperar desse governo? Que ele traia a classe que o elegeu ou que ele sacrifique as minorias no campo do poder para saciar a fome dos capitalistas inescrupulosos?

BNN. O presidente eleito irá colocar no Ministério da Educação o professor e filósofo colombiano Ricardo Velez Rodriguez. Ele foi indicado pelo escritor e jornalista Olavo de Carvalho e teve o apoio da bancada evangélica. É possível ter uma educação voltada para o reconhecimento e valorização da diversidade nesse governo?

Tolovi. Bem, se foi indicado por Olavo de Carvalho – um intelectual banal  e “prostituto” da direita; se foi aprovado pela bancada evangélica – tendo como referência Edir Macedo e Silas Malafaia, dois grandes representantes da religião como forma de dominação; e se foi aprovado por Bolsonaro, então, o que esperar desse ministro? Não podemos nos esquecer que, na guerra ideológica, o campo da educação é um dos mais importantes. Principalmente em um movimento fascista como esse que estamos vendo. A diversidade sempre foi vista como uma ameaça para um sistema de poder que quer ser absoluto.

BNN. Houve mudanças no quadro do congresso nacional que foi eleito nessas últimas eleições. Acreditas que essas mudanças se darão também em ações que beneficiem aqueles a margem do poder?

Tolovi. Quando vemos um ator pornô, um palhaço, e tantos outros personagens que chegaram ao poder na “onda do golpe”, desencadeado pelo legislativo, apoiado pelo judiciário e alimentado pela grande mídia, nos perguntamos: o que devemos esperar? Sabemos que na Câmara dos Deputados e no Senado Federal teremos certamente focos de resistência em defesa dos que estão à margem do poder. Contudo, se não ocorrer o fortalecimento e a união dos movimentos sociais, fortalecendo os partidos de esquerda em nosso país, é muito difícil esperar políticas públicas voltadas aos menos favorecidos.

BNN. A grande sacada de Bolsonaro e de seus seguidores eleitos para o campo da educação é o projeto “Escola sem Partido”. Se aprovado, didaticamente falando qual o efeito que ele terá?

Tolovi. Como o campo da educação está em disputa tendo em vista o controle do Estado, precisamos desmontar essa narrativa ideológica. Em primeiro lugar, você conhece alguma “Escola com partido”? Aqueles que sustentam os partidos de direita e extrema direita em nosso país, propõem uma “Escola sem Partido". Mas, estão fazendo essa proposta pensando em todas as escolas? É claro que não! Apenas para as escolas públicas, onde estão as crianças, os adolescentes e jovens dos trabalhadores. Afinal, é nas escolas que estes poderiam despertar, fazendo uma leitura crítica da realidade e não aceitando ser mão de obra barata para o mercado de trabalho. Os dominadores já perceberam que as escolas e Universidades públicas representam focos de resistência diante de suas propostas de “colonização moderna”.

BNN. Certa vez no programa “Esperança do Sertão”, da Rádio Comunitária Altaneira FM, você chegou a afirmar “quer acabar com a resistência e o poder de organização e criticidade de um povo"?, "destrua a educação e a cultura". Um seguidor militar de Bolsonaro e que fala sobre educação chegou a dizer que é preciso trazer “a verdade” sobre o período da ditadura civil-miliar no Brasil para os livros escolares. Que efeito prático tem essa frase?

Tolovi. Somente pela educação e pela cultura é possível desencadear um processo de colonialidade – uma forma de colonização da subjetividade. A maneira de fazer o colonizado assumir a visão de mundo e a defesa do colonizador. Sem esquecer que a moral e a religião encontram-se nesse campo cultural. Afinal, são duas dimensões essenciais para fazer o explorado defender o seu próprio explorador, pois o dominado assume os valores morais da classe dominante.

E com relação a afirmação do professor sobre a “verdade da ditadura”, nos serve para refletir sobre esse termo: a verdade. Para um povo que assumiu as verdades dos invasores e colonizadores, denominados como “descobridores”, não é de se estranhar uma afirmação como essas. O estranho foi descobrir nessas últimas eleições a quantidade de professores preconceituosos, machistas e fascistas que temos em nossas escolas. Nos faz refletir sobre os nossos processos formativos em nossas Universidades.

BNN. Bolsonaro já formou seu quadro de ministros que irão exercer suas funções a partir de janeiro. Qual avaliação você faz dessas escolhas?

Tolovi. Sem novidades! Pessoas que desprezam a diversidade, a educação pública, as políticas públicas, as manifestações culturais e as necessidades dos negros e dos índios, etc. etc.. Inclusive com Sergio Mouro, para passar uma imagem de um governo sério. Afinal, se o desejo é o sacrifício dos menos favorecidos para atender à “necessidade” de concentração de renda, é preciso um “Capitão do Mato” para caçar os “escravos rebeldes”. É preciso alguém que ajude a conter os movimentos de esquerda. Por isso tantos militares também no poder.

BNN. A democracia está em risco com o governo Bolsonaro?

Tolovi. Penso que não esteja em risco, mas já profundamente comprometida.

BNN. Fernando Haddad (PT) foi colocado de última hora para disputar a presidência. No fundo, a ala petista ainda acreditaria na soltura do Lula. Chegou no segundo turno, porém não venceu. A escolha do PT em apostar todas suas fichas no Lula foi um erro?

Tolovi. Não creio que o PT acreditava na soltura de Lula. O esquema do golpe foi bem montado e era preciso tirar Lula do caminho para que o mesmo funcionasse até o fim. O que o PT não contava era com a eficiência da estratégia do esquema montado em torno de Bolsonaro. Favorecido pela facada, que justificou a sua ausência nos debates e possibilitou o seu “silêncio”, alimentando a imagem da vítima com poder de reação por meio das redes sociais que alimentou incessantemente o ódio por tudo o que representava a diversidade frente a moral eurocêntrica.

BNN. Tu acreditar que Lula é um preso político?

Tolovi. Certamente! Porque devemos aderir à campanha do “Lula Livre”? Porque a trama que envolve a prisão de Lula faz parte de um golpe ainda em curso, com características de fascismo que, como afirmei anteriormente, compromete a nossa “jovem” democracia.

BNN. Guilherme Boulos (PSOL) é tido como a grande aposta do campo da esquerda para 2022, embora tenha tido uma votação inexpressiva. Qual sua avaliação sobre ele?

Tolovi. Foi o candidato que mais apresentou um plano de governo que serviria de alternativa viável frente ao capitalismo neoliberal. Foi quem mais denunciou de forma competente o sistema hegemônico vigente e quem mais apontou caminhos para a saída desse impasse gerado equivocadamente pela tentativa de “conciliação de classes”. Precisamos de alguém que assuma de fato algumas bandeiras socialistas viáveis nesse momento histórico, e não tenha medo de se assumir representante da Esquerda, voltado para as necessidades dos menos favorecidos.

BNN. O aparecimento de Bolsonaro acabou por acender a chama dos movimentos sociais. Boaventura de Sousa Santos disse em novembro último que os movimentos sociais são a chave para a reinvenção das esquerdas. Você concorda?

Tolovi. Certamente! São os movimentos sociais que alimentam e fortalecem os partidos de esquerda. São os movimentos sociais que são capazes de desencadear uma narrativa desmitologizante. São os movimentos sociais que fomentam o empoderamento das bases, onde se encontram os núcleos de resistência e de luta.

BNN. Que lição se pode tirar dessas eleições?

Tolovi. Um dos maiores erros do PT no poder - entre tantos outros -, foi ter assumido uma roupagem de conciliador. Enquanto incorporou diversas lideranças sociais ao poder executivo, acomodando os movimentos e as organizações de base, ofereceu espaço e tempo para que a elite brasileira formulasse um “golpe fatal”. Diante disso temos de aprender: a luta pela justiça social e equidade vai muito além de uma proposta de igualdade. Exige uma cultura de organização das bases, resistência e mobilizações permanentes.

Cordel sobre as culturas de Potengi - CE: Memória, História e Diversidade*

 

Reisado de Caretas de Couro – Potengi – CE | Foto: Jr. Panela.
 

Eita povo arretado

O povo Potengi

Lugar da mestre Zefinha

E do mestre Françuli

Conhecido no Brasil inteiro

É a terra do ferreiro

Da região do Cariri


Da cultura dos caretas

Do mestre Antônio Luiz

Casa de pássaros do sítio pau preto

Lugar de gente feliz

Potengi é um acervo de história

Da comunidade quilombola

Que reside bem aqui


As três horas da manhã

O ferreiro acorda o povo

O ferro canta na rua

Anunciando o dia novo

O trabalho aqui é duro

Começa ainda escuro

E volta no outro dia de novo


A cultura de Potengi

É vasta e magistral

Na literatura daqui

Tem trabalho artesanal

É uma fonte de talento

Que se destaca há muito tempo

Oh lugar sensacional


Dona Zefinha nos presenteou

Com sua arte refinada

Com os fios de algodão

Sua arte foi registrada

Hoje nossa história saúda

Os bilros de macaúba

E sua arte bem criada


Agradecemos a dona Zefinha

Pelo tear da nossa cultura

Por meio do novelo de linha

Construiu a arte pura

Você sempre será a primeira

Espelho da mulher rendeira

E expoente da literatura


As danças de tradição

Do município de Potengi

Representam a emoção

Do povo que mora aqui

A comunidade quilombola

Tem relato e tem história

Que você precisa ouvir


Nosso estilo de linguagem

Nosso jeito de falar

O reisado bem pisado

É gostoso de dançar

Nossa história tá enraizada

E sempre será lembrada

Na cultura popular

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Por Jailton Alves. Ele possui graduação em Letras com habilitação em Inglês/ português e literatura pela Universidade Regional do Cariri. (2014), especialização em língua Inglesa pela Universidade Regional do Cariri, (2016). Atua como professor de língua Inglesa e linguística pela Urca desde 2017 e professor pelo Estado na EEMTI Menezes Pimentel desde 2019. A habilidade em criação de cordel e facilidade para aprender línguas o fez escolher o curso de letras. O cordel publicado neste Blog foi apresentado no aniversário de 64 anos de Potengi em 2021.

Regina Sousa: primeira mulher a governar o Piauí é negra e ativista contra a pobreza

Regina Souza toma posse de mandato de nove meses à frente do Piauí. (FOTO/ Governo do Piauí/Divulgação).

Regina Souza (PT) tomou posse nesta quinta-feira (31) como a primeira mulher governadora do Piauí. Então vice-governadora, ela assume o cargo no lugar de Wellington Dias (PT), que vai disputar uma cadeira ao Senado nas eleições deste ano. “O foco do meu mandato será a redução da pobreza”, disse a governadora, em cerimônia na Assembleia Legislativa do Piauí.

Regina afirmou que pretende fazer uma gestão de “continuidade, e não um novo governo”. Por outro lado, destacou que não será “tutelada” pelo ex-governador, mas disse contar com a sua ajuda.

Isso é um pensamento machista de que mulheres precisam ser guiadas por homens em cargos públicos”, disse a governadora Regina, que vai comandar o estado por nove meses. “Não hesitarei em pedir opiniões, afinal não é todo mundo que tem um amigo com experiência de quatro mandatos como governador”, ressalvou, em referência a Dias.

Além disso, a nova governadora prometeu “um olhar mais apurado” para alguns temas como segurança, sistema prisional, saúde, educação e agricultura familiar. Também prometeu um “olhar social” para as comunidades tradicionais e população de rua. Assim, como prioridades, citou o fortalecimento de políticas para as mulheres, o combate ao racismo e à homofobia, além de ações para juventude e idosos.

Nem nos meus sonhos mais dourados sonhei estar aqui, como governadora”, afirmou Regina no discurso de posse. “Estou aqui, mulher negra, governadora sim, colocando um tijolinho no empoderamento das mulheres”, destacou. Assim, como primeira ação à frente do governo, Regina entregou de títulos de terras a mulheres quebradeiras de coco. Esta foi uma das primeiras atividades exercidas por ela na adolescência.

Piauí está no caminho certo”, disse Dias. “Saio com a certeza de que a primeira governadora mulher do seguirá lutando por esse sonho de termos um Piauí cada vez melhor e maior”, acrescentou.

Trajetória

Maria Regina Sousa tem 71 anos. Ela é formada em Letras, com habilitação em língua portuguesa e francesa, pela Universidade Federal do Piauí (UFPI). Logo depois, em 1983, ela foi aprovada no concurso público do Banco do Brasil.

Anteriormente, desde 1978, Regina passou a atuar junto ao movimento sindical. Primeiramente, fez parte da luta do magistério na educação básica. Posteriormente, passou a atuar junto à classe bancária. Ao lado de Dias, foi vice-presidente do Sindicato dos Bancários, e depois presidenta.

Ela também é uma das fundadoras do PT no Piauí. Na sequência, tornou-se presidenta estadual da legenda. Regina Sousa esteve à frente do diretório piauiense do partido por seis mandatos alternados. Também comandou a Secretaria de Administração por dois mandatos, durante a primeira passagem de Dias como governador.

Em 2010, Regina foi eleita suplente do então senador Wellington Dias. Da mesma maneira, quando Dias venceu a disputa pelo governo estadual, em 2014, ela passou a ocupar a cadeira no Senado no ano seguinte. Naquele momento, também foi a primeira mulher negra a representar o Piauí naquela Casa legislativa.

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Com informações da RBA.