Em podcast, apresentador Monark disse que deveria haver um 'partido nazista reconhecido pela lei'. (FOTO/ Divulgação). |
Ao
argumentar que foi um "erro"
a criminalização do nazismo pela Alemanha após a Segunda Guerra Mundial, o
deputado federal Kim Kataguiri (DEM-SP) tocou em um dos maiores desafios para
as democracias liberais contemporâneas: qual a linha que separa a liberdade de
expressão e a apologia ao crime? Quando a garantia à liberdade de expressão de
um grupo representa dar-lhes os instrumentos democráticos para destruir a
própria democracia? Por que, afinal, a Alemanha, um dos países mais
democráticos do mundo, criminaliza até hoje o discurso nazista?
A
fala de Kim Kataguiri - que em janeiro anunciou que se filiará ao Podemos -
aconteceu na última segunda-feira (7/2), durante a participação do integrante
do Movimento Brasil Livre (MBL) no programa de podcast Flow, conduzido pelo
apresentador Bruno Aiub, conhecido como Monark.
"O que eu defendo, e acredito que o Monark
também defenda, é que por mais absurdo, idiota, antidemocrático, bizarro, tosco
o que o sujeito defenda, isso não deve ser crime porque a melhor maneira de
você reprimir uma ideia antidemocrática, tosca, bizarra, discriminatória é você
dando luz àquela ideia, pra que aquela ideia seja rechaçada socialmente",
disse Kataguiri no podcast.
No
mesmo programa, Monark afirmou que "deveria
existir um partido nazista legalizado no Brasil" e que "se o cara for anti-judeu ele tem direito de
ser anti-judeu".
O 'falso' paradoxo da liberdade
Nesta
terça (8/1), o apresentador disse que estava "muito bêbado" durante o podcast e se desculpou pelas palavras.
Afirmou que foi "insensível"
e que pareceu defender "coisas
abomináveis" quando na verdade queria argumentar a favor da liberdade
de expressão. O podcast Flow anunciou que Monark havia sido retirado da
apresentação da atração e deixado a sociedade que gerencia o produto.
Alguns
anunciantes do programa, que tem quase 4 milhões de inscritos no Youtube,
divulgaram que romperiam seus contratos com o Flow. A Confederação Israelita do
Brasil (Conib) condenou, em nota, "a
defesa da existência de um partido nazista" e até a Embaixada da Alemanha
no Brasil soltou nota em que afirmou que "defender o nazismo não é
liberdade de expressão".
Um
dia após o episódio, a Procuradoria Geral da República abriu investigação
contra Kataguiri e Monark por eventual crime de apologia ao nazismo. No Brasil,
divulgar o nazismo pode resultar em pena de 2 a 5 anos de cadeia e pagamento de
multa.
O
deputado federal foi às redes sociais argumentar que sua defesa era da
liberdade de expressão e não do nazismo. Em nota, afirmou que vai "colaborar com as investigações pois meu
discurso foi absolutamente anti-nazista, não há nada de criminoso em defender
que o nazismo seja repudiado com veemência no campo ideológico para que as
atrocidades que conhecemos nunca sejam cometidas novamente".
Especialistas
em democracia e fascismo ouvidos pela BBC News Brasil, no entanto, veem no
argumento pró-liberdade de expressão absoluta de Kataguiri e Monark um falso -
e perigoso - paradoxo.
"Uma ideia que tem circulado cada vez mais é
a de que numa democracia as pessoas devem ter o direito a expressar e fazer coisas
que destruam a própria democracia", afirma o historiador Federico
Finchelstein, especialista em fascismo da New School, em Nova York.
Finchelstein
apela para uma metáfora futebolística para explicar por que a lógica de
Kataguiri e Monark é incorreta.
"Imagine que a democracia é um jogo de
futebol, com todas as regras do jogo, como só jogar com os pés. Todos podem
jogar, desde que sigam as regras. Ao defender que alguns têm o direito de
expressar e aplicar ideias que destroem a democracia, essas pessoas estão
dizendo que parte dos jogadores vai jogar futebol com a mão, o que destrói o
jogo. É algo perigoso e típico do fascismo, uma manipulação para causar
confusão com a noção de liberdade, como se a liberdade na democracia incluísse
ser livre para contaminar os outros, para eliminar grupos sociais, para cassar
vozes alheias", diz Finchelstein.
O
suposto paradoxo da democracia - de garantir liberdades que podem destruir a
própria democracia - não é uma ideia nova na filosofia e na política. Em 1945,
o filósofo liberal Karl Popper publicava o seu "A Sociedade Aberta e os Seus Inimigos", escrito ainda durante
a Segunda Guerra Mundial. Na obra, ele afirma que "a tolerância ilimitada leva ao desaparecimento da tolerância. Se
estendermos a tolerância ilimitada mesmo aos intolerantes, e se não estivermos
preparados para defender a sociedade tolerante do assalto da intolerância,
então, os tolerantes serão destruídos e a tolerância com eles".
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Clique aqui e confira a integra do texto na BBC News Brasil.
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