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A antropóloga altaneirense Josyanne Gomes é colunista do Blog Negro Nicolau. (FOTO/Arquivo de Josy). |
Falar
de relacionamentos afetivos sexuais e amorosos evoca uma série de elementos em
nossos imaginários individual e coletivo, que despertam, no mínimo,
curiosidade. A indústria do amor romântico, como produtora de sujeitos e pares
relacionais envolvem uma gama de possibilidades de consumo, que vão desde
telenovelas, cinema, prosa e poesia, artigos de presentes, e artigos
decorativos, até a indústria musical – e aqui, por hora, é esta que me
interessa pensar.
Esta
comunicação não trata-se de trabalho cientifico e, por isso mesmo, não faço
citações acadêmicas ou trago dados de pesquisa de campo. O objetivo desta
reflexão é pensar sobre como música e imaginário social, em algum grau, ou, de
algum modo constroem sujeitos capazes de se identificarem com signos e símbolos
em comum, e ampliarem esta identificação para grupos que (com) partilham de determinados
gostos.
Quando
falo da indústria do amor romântico, é bom que entendamos que essa ideia de
buscar o amor em alguém que escolhemos e nos apaixonamos, é uma invenção
recente do ponto de vista histórico – que data do século XIX. A escolha de pares
com os quais nos relacionamos nem sempre foi algo que decidimos escolher ou
não. É válido salientar que casamentos arranjados até hoje ainda existe em
culturas não ocidentais, é importante também, dizer que uniões matrimoniais
costumavam acontecer em detrimento de interesses econômicos, políticos e de
status social.
Então
se a gente pensa a construção de sujeitos estamos pensando por uma perspectiva
Moderna, Ocidental e Capitalista, porque construção implica antes em produção e
produzir consiste essencialmente em acionar aspectos que possibilitem dizer
aquilo que é e, sobretudo aquilo que não o é também. Tá confuso ou confusa? É
só lembrar da Rainha da sofrência (Marília Mendonça) quando em uma das letras
de sua música ela dispara: “Me apaixonei pelo que eu inventei de você”.
Esse
amor de encontros casuais, eventos e redes sociais parece assinalar para o que
seria um paradoxo contemporâneo, ao passo que, enquanto sociedade Ocidental
Moderna fabricamos o romantismo e idealizamos a pessoa amada, estaríamos nós
todos e todas sujeitos a criar um ser amado que pretendemos ser real fora das
nossas mentes.
Desejamos
que o outro se encaixe em nossos padrões de trocas de afetos, de parceiro/a
para todas as horas, de cumplicidade, de estética, de intelectualidade ou não,
de disposição física, de desempenho sexual, de amigo/a para todos os momentos e
por aí vai. Do mesmo modo, a outra pessoa também idealiza milhares de papeis
que deveríamos seguir ou atuar durante os relacionamentos que vivenciamos.
Embora, aqui eu esteja me limitando a falar de amor romântico por um ângulo de
par relacional, ou seja, casal – é interessante deixar explicito que em todas
as relações que nos doamos existem padrões esperados e raramente oferecemos o
que outrem busca encontrar.
Assim,
é comum que várias pessoas possam dividir experiências de traições (baseadas em
expectativas pessoais não cumpridas), mas que de algum modo se tornam situações
enfrentadas por outras pessoas também, às vezes em escalas distintas, mas com
os mesmos contornos e desfechos. Fantasias não realizadas, vivências de
relacionamentos mal sucedidos ou quase relacionamentos, que poderiam ter sido e
não foram, ou, que foram sucumbidos por algum evento cotidiano que, via de
regra, se tornam algo traumático nas letras de canções.
O
marketing da indústria musical que se utiliza de demagogias populares para
transformar dores da alma e do coração em histórias de superação, me parece que
tem sido algo rentável (é necessário estudos para averiguar e testar essa
hipótese) falo aqui de forma totalmente leiga. O ponto da questão, é que
através das letras de música que se intitularam no Brasil pela designação de
Sofrência, enquanto ritmo e estilo musical, alude para uma suposta valorização
de pulsões e latências do corpo, que ganham forma nos shows, festas e encontros
onde se reproduzem os reis e rainhas que entoam, interpretam e performatizam
tal ritmo.
Não
é raro que durante os shows ou em barzinhos, as letras de músicas que falam de
amor, ilusão, traição, paixão, superação e temas afins, encontrem sujeitos para
encarnar e dar forma ao conteúdo que é cantado por um artista e/ou compositor
que “fez essa música para mim”, ou, “essa música é a cara de fulano e cicrano”.
Desse modo, artista e público parecem estabelecer uma espécie de vínculo, onde
os sentimentos são compartilhados e divididos entre amigos/as e copos de
bebidas alcoólicas.
É
entre uma interpretação e outra, que os sujeitos vão se (re)produzindo através
de refrãos que tendem a encaixar experiências românticas em canções que falam
sem precisar dizer diretamente aquilo que de fato pode ter ocorrido. É
interessante também, notar que o movimento de adequar determinado perfil de
pessoa ou de envolvimento íntimo com alguém num ritmo denominado ou
caracterizado pelo sofrimento, faça daquele sujeito (em tese) ser sempre o que
sofre e nunca o que provoca o sofrimento.
É
como se as narrativas das letras sofredoras se deparassem com os sujeitos que
cristalizam as decepções sofridas em alguém de carne e osso. Grosso modo,
permite personificar as histórias e ficções criadas nas canções que esbarram na
realidade da sofrência agindo como produtora de si (e dos outros) na construção
de parcerias amorosas.
Parcerias
essas que se fazem e desfazem conforme mandam o script ou como anuncia o
embaixador: “Se fosse você não iria, Não dá pra esquecer que quanto mais
distante, Mais seu coração vai me querer” Ou seja, a sofrência fala de todos e
para todos porque suas letras são universais e fabricam ideais de homens e
mulheres a serem consumidos, enquanto padrões de parcerias amorosas. Talvez a
adesão à massa venha daí, talvez venha dos desejos e aspirações que “não
encontram linguagem” para se expressar a não ser a partir de canções prontas e
que traduzem emoções inerentes ao ser humano.
Até
a próxima postagem e fiquem à vontade para sugerirem temas e trocar ideias.
Abraços! Bye bye.
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Josyanne
Gomes é graduada em Ciências Sociais pela Universidade Regional do Cariri
(URCA), mestre em Antropologia Social pela Universidade Federal do Rio Grande
do Norte (UFRN), professora e colunista do Blog Negro Nicolau.
Muito interessante Josyanne. Fiquei pensando também em como a liquidez das relações atuais, ao passo que acelera o apaixonar-se e "desapaixonar-se, colabora para que o sofrimento amoroso também seja intenso e rápido trazendo uma mudança naquela visão de amor romântico/sofrido de outros tempos.
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