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Segurança do supermercado Extra dando uma gravata em Pedro Henrique. (Foto: Reprodução / Internet). |
Pedro
Henrique de Oliveira Gonzaga, 19 anos, foi morto por Davi Ricardo Moreira
Amâncio, segurança do supermercado Extra, do Grupo Pão de Açúcar, na Barra da
Tijuca, Rio de Janeiro, nesta quinta (14). Ao "conter" o jovem que
teria tido um surto, ele dá uma gravata e joga seu peso sobre ele. No vídeo,
que circula pelas redes sociais, testemunhas alertam que Pedro estava
"sufocando" e ficando "roxo", mas a sessão de tortura
continuou. Com parada cardiorrespiratória, foi socorrido pelos bombeiros e não
resistiu. O registro foi de homicídio culposo, quando não há a intenção de
matar, e o agressor foi liberado sob fiança. A mãe do rapaz presenciou a cena.
Claro
que a história seria diferente se a cor da pele ou a qualidade das roupas
também fossem. Mas preferimos dizer que não, até para dormirmos mais tranquilos
à noite, negando o racismo estrutural que nos impregna da epiderme até os
ossos. Daí, quando professores decidem discutir, na sala de aula, a razão pela
qual jovens negros são as principais vítimas entre as 64 mil mortes violentas
anuais, de acordo com dados do Fórum Brasileiro e Segurança Pública, defensores
de uma escola sem tutano ameaçam processar e morder.
Na
opinião de uma parte considerável não há racismo no Brasil. Apenas
"coincidência" e "azar". Também não há genocídio de jovens
pobres e negros das periferias. "Eles é que estão no lugar errado e na
hora errada, pois os 'homens de bem' seguem a lei e nada acontece com
eles." E com base nas caixas de comentários de portais, o assassinato de
Pedro deveria ser celebrado porque é "um a menos".
anuário
Alves de Santana foi acusado de estar roubando um automóvel em uma loja do
Carrefour, em Osasco (SP), em agosto de 2009. Por isso, foi submetido a uma
sessão de tortura de cerca de 20 minutos. "O que você fazia dentro do EcoSport,
ladrão?", perguntaram, enquanto cinco pessoas davam chutes, murros,
coronhadas, na sua cabeça, na sua boca. O carro era dele, comprado em suadas 72
vezes de R$ 789,44. Na cabeça dos seguranças do supermercado, um negro não
poderia ter carro de bacana branco.
Domingos
Conceição dos Santos foi baleado ao tentar entrar em uma agência do Bradesco em
São Paulo, em maio de 2010. Ele usava um marca-passo e apresentou um documento
comprovando isso, o que explicaria porque o detector de metais da porta
giratória apitaria quando passasse por ela. Após uma discussão com o cliente, o
segurança sacou a arma e atirou na cabeça do aposentado. Ele entrou em coma e
teve morte cerebral constatada quatro dias depois. O funcionário do banco foi
preso. Na época, a família afirmou que Santos foi vítima de racismo por ser
negro. Tenho um rosário de outros casos, que vão se repetindo. Basta trocar o
nome da empresa, o município e a alcunha do agredido.
Reportagem
do UOL, de julho do ano passado, apontou que nove entre cada dez pessoas mortas
pela polícia no Estado do Rio de Janeiro eram negras. O dado foi obtido através
da Lei de Acesso à Informação. Organizadas com base em boletins de ocorrência
da Polícia Civil, as informações mostraram que, ao menos, 1227 pessoas foram
mortas pela força policial entre janeiro de 2016 e março de 2017. Metade delas
tinham até 29 anos. A maioria na periferia.
Sem
demérito para outras pautas sociais e políticas, essa concentração de mortes
seria razão mais do que suficiente para ocuparmos as ruas do país em protesto.
Mas, como já disse aqui, a morte de jovens não vale o arranhão deixado na
caçarola por uma bateção de panelas. É claro que não há ordens diretas para
metralhar todos os negros e pobres dadas pelo comando do poder público ou por
empresas privadas. Mas nem precisaria. Agentes de segurança em grandes
metrópoles, como o Rio ou São Paulo, são treinados para garantir a qualidade de
vida e o patrimônio de quem tem e, ao mesmo tempo, controlar e reprimir os que
não têm.
Peguemos
as batalhas do tráfico, por exemplo. Como já disse aqui várias vezes, elas
sempre aconteceram longe dos olhos da classe alta, uma vez que a imensa maioria
dos corpos contabilizados sempre é de jovens, negros, pobres, que se matam na
conquista de territórios para venda de drogas, pelas leis do tráfico e pelas
mãos da polícia e das milícias. Os mais ricos sentem a violência, mas o que
chega neles não é nem de perto o que os demais são obrigados a viver no dia a
dia. Considerando que policiais, comunidade e traficantes são de uma mesma
origem social e, não raro, da mesma cor de pele, é uma batalha interna. Mortos
pelos quais pouca gente fora das periferias irá prantear.
Ir
contra a programação que tivemos a vida inteira, através da família, de amigos,
da escola, da mídia, de algumas igrejas (em que pastores pregam que
"africanos são amaldiçoados por Deus") e de lideranças políticas é um
processo difícil pelo qual todos nós temos que passar. Mas necessário. Porque
isso determina a nossa visão de mundo em relação ao outro e, consequentemente,
nosso modo de agir. E importante: todos nós, nascidos neste caldo social de
sociedades de herança escravista, como os Estados Unidos e o Brasil, carregamos
preconceitos a menos que tenhamos sido devidamente educados para o contrário.
Muitos
não percebem isso, claro. Em julho do ano passado, durante entrevista ao
programa Roda Viva, da TV Cultura, por exemplo, o então pré-candidato Jair
Bolsonaro afirmou que as políticas afirmativas dividem o Brasil entre brancos e
negros. Na ocasião, questionado sobre a forma que pretendia reparar a dívida
histórica da escravidão, respondeu: "que dívida? Eu nunca escravizei
ninguém na minha vida". Se o próprio presidente da República não consegue
entender os privilégios que herdou por conta de sua cor de pele, como garantir
que o poder público vá levar adiante políticas para desmontar o racismo que
existe sem que as pessoas percebam sua presença?.
Por
fim, assistir aos últimos momentos de Pedro Henrique é relembrar do assassinato
de Eric Garner, um homem negro que estava vendendo cigarros de forma irregular
em Nova York, por policiais brancos, no dia 17 de julho de 2014. Um deles deu
uma chave de braço em Eric, que foi jogado ao chão e "contido" pela
tropa.
Não
consigo respirar, não consigo respirar!" – o desespero de Eric, enquanto
era asfixiado, ainda ecoa quando lembro do vídeo que também viralizou. Os
policiais, tal como o segurança do Extra, foram alertados que estavam matando
uma pessoa, mas continuaram, talvez acreditando que estavam "cumprindo seu
dever", talvez colocando em prática o que aprenderam a vida toda. Ao fim,
o policial nos Estados Unidos não foi indiciado, o que levou a protestos em
várias cidades.
Como
a empresa indenizará os envolvidos e agirá para que isso não aconteça novamente
em nenhuma loja? Será feito algo ou a proteção do patrimônio vale o "dano
colateral"? .
Em
nosso país, Estado e sociedade, também já foram alertados da matança da
população negra. Mas seus líderes políticos e empresários não dão ouvidos,
muitas vezes nem a sociedade, seja ela progressista ou conservadora. Afinal de
contas, por que as pessoas que sempre decidiram os destinos de todos aceitariam
abrir mão de seus privilégios logo agora, mudando a forma de pensar da
sociedade, sua lógica de funcionamento e dividindo o poder? Nada muda sem muita
mobilização e pressão. Os movimentos negros repetem isso desde sempre.
Na
mãe de Pedro presenciando a cena naquele momento estavam milhares de mães que
veem seus filhos morrerem diariamente. Ela é passado e futuro de muita gente.
Em
tempo: O agressor alega legítima defesa. Mas a força e os meios empregados para
tanto ultrapassam, e muito, qualquer limite razoável. Se a alteração no artigo
23 do Código Penal, proposto pelo ministro da Justiça e da Segurança Pública,
Sérgio Moro, já tivesse sido aprovada certamente seria por ele usada na argumentação.
Especificamente na parte que diz que "o juiz poderá reduzir a pena até a
metade ou deixar de aplicá-la se o excesso decorrer de escusável medo, surpresa
ou violenta emoção." Mesmo que tenha sido Pedro – sem poder respirar,
debaixo do segurança – que sentiu mais medo, surpresa e forte emoção. (Por
Leonardo Sakamoto, em seu Blog).
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