Volta
e meia, ao deplorar o caos em que precipitamos, ouço como resposta que o mundo
inteiro está mal, muito mal. Há, de fato, uma crise mundial cuja razão
conhecemos de cor e salteado. Nesta moldura, o Brasil tornou-se uma caricatura
neoliberal, com a decisiva contribuição do ministro Meirelles, o homem de todas
as estações.
Não
me consta, entretanto, que em inúmeros países, a começar pelos europeus, medre
a Idade Média, bem ao contrário do que ocorre na terra da casa-grande e da
senzala, onde é possível um golpe perpetrado pelos três poderes da República,
apoiados pela propaganda midiática e por contingentes da Polícia Federal.
No
CartaCapital - É de se excluir
categoricamente que nos países civilizados um presidente ilegítimo e corrupto
permaneça no poder e que uma liderança como a de Lula seja condenada sem
provas.
É
inegável que diversas experiências mafiosas dão certo mundo afora e têm
influência política, mas em lugar algum do mundo democrático lograram assumir o
poder nacional. Aqui as quadrilhas chegaram lá com a bênção da casa-grande e
agem como bem entendem para cuidar exclusivamente dos seus interesses. Mesmo
assim permito-me supor que Totò Riina e Bernardo Provenzano agiriam com menos
açodamento.
Sim,
o mundo não atravessa uma quadra feliz, o Brasil, contudo, está infinitamente
pior, único na sua desgraça se for possível compará-lo a países civilizados.
Pergunto aos meus botões se a comparação é viável.
Respondem
prontamente, não é. Este Brasil tem duas palavras para definir uma nação ainda
inexistente, povo e povão, aquela refere-se a todos, como sustenta um caro
amigo, a outra aponta a choldra, a malta, a plebe. E chamamos de classe média a
porção minoritária da população, privilegiada, de pouco a demais, no confronto
com o resto, largamente majoritário.
A
civilização implica a presença de uma classe média muito ampla para englobar
até mais de 70% dos cidadãos, politizados, lidos, em boa parte dispostos a sair
às ruas para protestar contra a injustiça. Na terra da casa-grande, vai-se às
ruas quando a Globo manda.
Na
terra da casa-grande, 60 mil cidadãos são assassinados anualmente sem que o
número espantoso tire o sono de quantos podem erguer muralhas em torno de suas
vivendas e contratar seguranças e escoltas armadas.
A
nata da sociedade nativa exibe frequentemente a mesma feroz ignorância dos
aspirantes às suas benesses, o mesmo racismo e os mesmos preconceitos, e isso
tudo explica o jogo fácil da propaganda midiática à falta de conhecimento e
espírito crítico, ainda mais porque o ódio de classe sempre se revela no
momento azado.
A
medievalidade do País sustenta-se na insensatez e na incapacidade orgânica dos
privilegiados de respeitar o semelhante, e o prêmio é a monstruosa
desigualdade. E se Lula é condenado a nove anos e seis meses de prisão, o mesmo
número dos seus dedos (de caso pensado?), não falta quem se regozije sem
perceber que absolutamente único é o comportamento dos inquisidores
curitibanos, a contar com o beneplácito de uma Suprema Corte de fancaria,
impunes ao cometerem um crime judiciário.
Não
é por acaso que um juiz destacado da Mani Pulite, na qual Sergio Moro diz inspirar-se,
Gherardo Colombo, afirmou depois de uma visita ao Brasil no ano passado: “Se
nos portássemos como o juiz e os promotores curitibanos, nós é que acabaríamos
na cadeia”.
Como
se sabe, Moro e Deltan Dallagnol foram treinados nos Estados Unidos. Não é que
faltem na terra de Tio Sam áreas de excelência, a despeito da CIA, do Pentágono
e dos estrategistas do Departamento de Estado, recantos frequentados pelos
nossos inquisidores.
Confesso
que não me desagrada a decadência do império, tão prepotente, arrogante e
hipócrita. E Donald Trump, com seu topete a favor do vento sobre o deserto da
calva, me traz à memória um dos tardios imperadores romanos, na linha de
Calígula, que nomeou senador seu cavalo Incitatus.
O
império definha, mas o Brasil reedita a sua vocação de súdito. Mais uma das
consequências do golpe de 2016, e nada é mais simbólico de um desastre
esculpido por Michelangelo em dia de grande inspiração do que o pacote do homem
de todas as estações.
Desde
a reeleição de Dilma Rousseff, ao clangor dos panelaços e dos idiotas de
camiseta canarinho, pretendeu-se que bastava derrubar a presidenta para sermos
felizes. O pacote de Meirelles não poupa quem quer que seja, a começar pelos
senhores da indústria em demolição. Pagam seu grotesco pato amarelo.
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Mino Carta. Foto: Divulgação. |