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(FOTO/ Pedro Borges / Alma Preta Jornalismo). |
Nos
últimos anos, a Política Nacional de Promoção da Igualdade Racial sofreu cortes
orçamentários, uma redução significativa desde 2019. De acordo com Matilde
Ribeiro, ex-ministra-chefe da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade
Racial (SEPPIR), a gestão Bolsonaro não prioriza problemáticas raciais e acaba
por enfraquecer aparelhos importantes para o avanço nas conquistas do Movimento
Negro.
“No ponto de vista da institucionalização da
política racial, neste momento, muito do que foi feito, foi sucateado e
colocado abaixo. Inclusive, a própria estrutura da secretaria foi perdendo
fortalecimento institucional, considerando que começou como uma secretaria com
status de ministério, depois se tornou ministério, mas decaiu. Antes mesmo de
Bolsonaro, no governo Temer, foi rebaixada para secretaria nacional, como segue
até hoje”, aponta a ex-ministra, em conversa com a Alma Preta Jornalismo.
Com
o propósito de enfrentar as desigualdades étnico-raciais no país, a SEPPIR foi
instituída em 2003 pela Lei de Nº 10.678, conquista do movimento negro que
possibilitou criação de decretos que também deram origem ao Conselho Nacional
de Promoção da Igualde Racial (CNPIR), a Política Nacional de Promoção da
Igualdade Racial (PNPIR) e o Plano Nacional de Promoção da Igualdade Racial
(PLANAPIR).
No
mesmo ano, Matilde Ribeiro foi nomeada ministra-chefe, cargo que permaneceu por
mais tempo em relação aos demais quatro ministros que também estiveram à frente
da pasta. No comando da secretaria, defendeu cotas raciais como forma de
democratizar acesso ao ensino superior, considerando a criação de vagas para
negros e índios como forma de ampliar as oportunidades para pessoas em situação
de vulnerabilidade.
“A secretaria veio fruto da luta do Movimento
Negro em reparar uma falta que já é histórica, sobretudo das mulheres negras.
Nós vimos como uma conquista e uma oportunidade de institucionalizar as nossas
questões, propor resoluções e avançar na questão da igualdade racial. Além dos
desdobramentos da SEPPIR após os decretos que viabilizaram o conselho nacional
e o plano nacional e a instituição do Estatuto da Igualdade Racial, que dá as
diretrizes ao Estado, tivemos diversas outras contribuições importantes, como
priorização das pautas quilombolas quando estive ministra, por exemplo”,
explica.
Contribuições da SEPPIR
Nos
seus primeiros anos com Ribeiro no posto, a secretaria conseguiu mapear, junto
aos movimentos e articulações sociais, cerca de 6 mil quilombos através do
programa ‘Brasil Quilombola’. Além de estruturar internamente o projeto -
responsável por monitorar políticas públicas destinadas aos povos quilombolas
-, a secretaria foi responsável por criar elos com o Ministério de
Desenvolvimento Agrário e a Fundação Palmares. Segundo a ex-ministra, um
'triângulo' possibilitou uma maior coordenação de políticas quilombolas.
Na
saúde, Matilde destaca o trabalho contínuo da secretaria para instituir
políticas de saúde destinadas especialmente à população negra, sobretudo às
mulheres negras, agentes da luta desde antes mesmo da fundação da secretaria.
Já
na educação, a ex-ministra destaca a efetivação da Lei nº 10.639/03, medida que
passou a obrigar o ensino da história e cultura africana e afro-brasileira.
Matilde Ribeiro também menciona a importância do órgão na articulação interna,
coordenada pelo Ministério da Educação (MEC), mas com suporte da SEPPIR, na
implementação da Lei de Cotas, que completa dez anos neste ano.
“As contribuições foram diversas, nos dando
até uma perspectiva de construção direta com África, sobretudo países que
falavam a língua portuguesa. Desde o início da minha gestão, há mais de 20
anos, nós tentamos ratificar um novo instrumento de proposição para políticas
de igualdade racial. Junto à Organização dos Estados Americanos (OEA), nós
conseguimos firmar um compromisso, só neste ano, com a convenção nacional que
propõe que os países, através de suas ferramentas públicas, sejam contra todas
as formas de discriminação racial”, aponta.
“Acredito que seja o maior avanço em anos,
mas que não foi concebido na gestão atual, apenas ratificado. Mesmo com a
secretaria, conquistamos a passos lentos isso. Agora, sem força institucional e
baixa orçamentária, avalie o que vem de retrocesso a ser resolvido nos anos
subsequentes. Ao meu ver, a lógica de institucionalização de política racial no
governo Lula e Dilma se perdeu com Temer e seguiu com Bolsonaro”,
complementa a ex-ministra Matilde Ribeiro.
Baixo orçamento e ‘sucateamento’
Dados
comprovam o que é defendido pela ex-ministra da SEPPIR sobre a atuação do
governo atual com a agenda racial nos últimos anos, que manifesta a sua falta
de priorização através de baixos investimentos. É o que aponta o dossiê
realizado pelo Instituto de Estudos Socioeconômicos (INESC), ‘A Conta do
Desmonte’.
Só
em 2021, de acordo com o levantamento, o recurso autorizado para a pasta
racial, no Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos (MMFDH), foi de
apenas R$ 3 milhões. O valor foi destinado ao funcionamento do Conselho
Nacional de Promoção da igualdade Racial e do Conselho Nacional dos Povos e
Comunidades Tradicionais (CNPCT), além de ser usado para ações de
fortalecimento institucional dos órgãos estaduais e municipais de enfrentamento
ao racismo e promoção da igualdade racial.
Apesar
do valor baixo, o governo não foi capaz de utilizá-lo: foram gastos apenas R$ 2
milhões, 66% do total disponível, sendo metade utilizada para o pagamento de
despesas de anos anteriores.
No
entanto, o estudo ainda aponta que, enquanto o governo não financia a política de
igualdade racial, o Brasil segue com os piores indicadores para a população
negra: mata-se em nome do combate ao tráfico de drogas mais de 20 mil jovens
negros ao ano. Em relação ao feminicídio de mulheres negras, registrou-se
aumento de 54%, enquanto a taxa de mulheres brancas caiu 9,8%. A população
negra ganha pouco mais da metade (57,4%) do rendimento recebido pelos
trabalhadores de cor branca (IBGE, 2014) e os territórios quilombolas registram
taxa de 47,8% de insegurança alimentar grave (Consea, 2012).
De
acordo com dados do Portal da Transparência e analisados pela mídia nacional
‘Gênero e Número’, os convênios e acordos do MMFDH totalizaram pouco mais de
meio bilhão de reais, mas apenas 1,3% deste valor (R$ 6,5 milhões) foi
destinado às políticas de promoção de igualdade racial.
“Frente aos dados, é possível afirmar que
houve um sucateamento e congelamento de políticas de promoção de igualdade
racial. Citando como exemplo a área que acompanhei mais de perto, é possível
identificar inúmeras denúncias da Coordenação Nacional de Articulação de
Quilombos que a construção anterior, com ações voltadas às comunidades
quilombolas mapeadas, está super enfraquecida e isso é sintomático sobre o
atual governo”, analisa Matilde Ribeiro.
Projeção para o próximo mandato
Sobre
a hipótese de que o ex-presidente Lula vença a próxima corrida eleitoral, a
ex-ministra define o próximo mandato com um "começar de novo
tensionador". Ela destaca que, para os aparelhos que dialogam com a
promoção da igualdade racial, uma realidade será o baixo orçamento para
implementação das ações e manutenção do que já foi conquistado nos últimos
anos.
Matilde
defende que, para qualquer área de política pública, é fundamental ter
orçamento próprio e isso foi descaracterizado junto à SEPPIR e aos conselhos de
diretrizes raciais, o que será sinônimo de nova luta para conquistar espaço nos
planejamentos anuais.
Frente
à necessidade histórica de priorização das questões raciais e do retrocesso com
os congelamentos, a ex-ministra ainda defende que, para os próximos anos, deve
ser considerada a lógica que a política racial tem que ser transversal e
presente entre de todos os ministérios.
“E isso vai ser cobrado pelas articulações
sociais. Hoje em dia, diferente de 2003, é possível tecer mais detalhes da
construção de políticas públicas voltadas à igualdade racial e suas
interseccionalidades. Deveremos cobrar, mas entendermos também que o recuo de
formação de políticas inclusivas está grande e as questões de vulnerabilidade
tomaram corpo. Para os próximos, a retomada vai ser difícil”, finaliza.
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Com informações do Alma Preta.