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Dona Neusa na calçada. (FOTO | Nicolau Neto). |
Por Nicolau Neto, editor
O
dia 25 de julho é uma data para ser celebrada. Isso porque internacionalmente
desde 1992 em Santo Domingo, na República Dominicana, quando um encontro foi organizado por mulheres negras, latino-americanas
e caribenhas objetivando debater temas que os uniam - como a luta contra o
racismo -, que a ONU reconhece a data como Dia Internacional da Mulher Negra, Latina e Caribenha.
Já
no Brasil, em 2014, durante o mandato da presidenta Dilma Rousseff, foi instituída
a Lei 12.987, definindo na mesma data o Dia
Nacional de Tereza de Benguela e da Mulher Negra, em referência à memória
da Rainha Tereza, mulher que ao conseguir a libertação, liderou o Quilombo do
Quariterê, no Mato Grosso.
No
ensejo em que várias homenagens irão ser feitas as mulheres negras espalhadas
pelo país, como em Crato e em Juazeiro do Norte, por exemplo, onde a professora
Drª Cícera Nunes (URCA) e a educadora popular Valéria Carvalho (GRUNEC) receberão
a comenda Maria do Espírito Santo,
aproveito para apresentar de forma sucinta a trajetória de Neusa Lourenço,
minha mãe.
Neusa Lourenço, símbolo de resistência
Neusa
Lourenço da Silva, ou simplesmente Dona Neusa, nasceu no distrito de
Cajazeiras, em Assaré, no ano de 1948. Filha de Joana Tibúrcio do Amarante,
mulher branca, e Antônio Lourenço da Silva, homem negro, compartilhou com seus
oito irmãos - Armando, Aldino, Raimundo, José, Edilsa, Lieta, Zélia e Maronilde
-, as dificuldades que a vida lhes impunham. Trabalharam desde cedo na roça e
como era comum na época tiveram pouquíssimas oportunidades de estudarem.
Nos
fins de tarde ela sempre gostava de sentar na calçada e logo ganhava a
companhia dos filhos e filhas. Era nesse ínterim que as rodas de conversas de
davam e as suas memórias ganhavam força nas palavras. De histórias de conflitos
que ela se envolvia para livrar seu pai de enrascadas quando bebia a aventuras
para matar a fome dos 10 filhos , estão entre aquelas mais contadas. “Teve um dia que pai bebeu muito e demorou a
chegar. Fui a sua procura e me deparei com ele sendo maltratado. Nessa hora não
contei conversa. Peguei nas partes baixas dele” (se referindo ao homem
que estava maltratando o pai), diz ela entusiasmada toda vez que lembra do
episódio “e só larguei quando ele pediu
desculpas a papai”.
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Dona Neusa. (FOTO | Nicolau Neto). |
Ao
se casar com João Nicolau da Silva, de quem é prima distante, não tinha onde
morar e tiveram que viver de aluguel. Essa situação durou boa parte da vida. A
mudança de casa e de cidade foi uma constante na vida do casal que acabou
chegando em Altaneira no ano de 1990. Alguns anos depois o casal sofre o pior
momento da vida, a morte do filho caçula Edson.
Em
Altaneira, ela junto ao esposo enfrentam as maiores dificuldades para alimentar
os filhos e filhas. Decide trabalhar como empregada doméstica no município de
Crato. Enfrentou por mais de duas décadas a distância de 56 km entre as duas
cidades andando no ônibus de seu Zé Lopes. Lá trabalhava lavando e passando
roupa. A maior parte desse tempo foi na casa do casal Ednaldo Farias Solto
(Mago), ex-prefeito de Altaneira, e Roberci Vânia Oliveira, hoje com assento de
vereadora na Câmara de Altaneira.
Ela
conta que só aguentava o trajeto porque sabia que era a única forma de ajudar
na alimentação da família. Ela passava a semana no Crato e quando era no sábado
meu irmão Neto e eu íamos espera-la na saída da cidade. A ansiedade era tamanha
a espera dela. Toda vez que ouvíamos o barulho de um motor a esperança de um
prato na mesa se renovava. As vezes passava de duas semanas no Crato e voltávamos
para casa com um tristeza sem fim.
Com
o dinheiro que ela trazia dava para comprar também bilas e piões. Junto com o futebol,
essas eram as brincadeiras que mais gostávamos. Mas a alegria maior mesmo era
revê-la.
Dona
Neusa é uma mulher forte, persistente e que não desiste do que quer. Sempre fez
de tudo para se defender e defender os filhos e filhas. “Nessa negra aqui ninguém pisa não”, dizia ela toda vez que era
confrontada pelo racismo estrutural e institucional. “Aqui é uma negra que tem vergonha. Não se curva a ninguém”, contava
ela cheia de orgulho quando tinha enfrentado situações que toda mulher negra
enfrenta. Dizia olhando bem nos nossos olhos de forma a verbalizar: façam o
mesmo.
A
vida toda trabalhou também como agricultora. Tanto em Cajazeiras e Arassás, em
Assaré, quanto em Altaneira. Com a idade já avançada e a proximidade da
aposentadoria como agricultora, deixa o trabalho como empregada doméstica e se
dedica exclusivamente aos afazeres de sua própria casa.
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Dona Neusa Fazendo Crochê ao lado de sua mãe, Joana. (FOTO | Nicolau Neto). |
Para
uma mulher que viveu do trabalho e para o trabalho era difícil passar a maior
parte do tempo sem fazer nada. Não contente com isso passou a usar o restante
do tempo para costurar, cortar cabelo (os nossos) e fazer crochê.
A
vitalidade dela era tamanha que durante anos, inclusive depois da casa do 60 (hoje ela
tem 75), a levava de moto até o município de Potengi, também na região do cariri,
para visitar a mãe (que já faleceu) e as irmãs e irmãos. Eram 116 km de ida e
volta. Aliado a tudo isso gostava de cantar e dançar, principalmente forró e
frequentou por vários anos as reuniões Centro de Apoio ao Idoso em Altaneira.
Hoje
o cansaço de anos e anos de trabalho bateu forte e ela já não tem a mesma força
que tinha antes. Enfrentou recentemente a cirurgia na visão e não tem mais o
hábito de sentar na calçada para as rodas de conversas. Aliás, ela fala pouco
agora.
Dona
Neusa é, portanto, símbolo de resistência e de enfrentamento ao racismo. Ao tempo que foi e contiua sendo uma mãe amorosa e que sempre fez questão dos seus estudarem, mesmo tendo feito apenas a antiga quarta série.