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Foto: © Reuters/Danny Moloshok/Direitos reservados. |
O
ícone de Hollywood Sidney Poitier morreu nesta sexta-feira em sua terra natal,
as Bahamas. Tinha 94 anos. E se existe alguém na história de Hollywood —e do
cinema mundial— responsável por quebrar as barreiras de cor e raça nas telas de
cinema, esse alguém é o lendário ator, diretor e ativista Sidney Poitier.
Mas,
para além disso, Poitier inaugurou também outro grande paradigma. Tornou-se um
dos maiores chamarizes de bilheteria dos anos 1960, estrelando alguns dos
vários clássicos do cinema produzidos naquela década.
Com
isso, criou um legado cinematográfico distinto ao protagonizar, por exemplo,
três filmes icônicos no mesmo ano. No caso, o ano era 1967. A segregação racial
ainda prevalecia e o regime do apartheid ainda era institucionalizado em grande
parte do território sul-africano. Ainda assim foi ele o maior astro do cinema
daquele fatídico ano.
Poitier
deu o nome no drama “Adivinhe Quem Vem para Jantar”, em que interpretou um
homem negro com uma noiva branca. Em “No Calor da Noite”, ele era Virgil Tibbs,
um policial negro que enfrenta o racismo durante uma investigação de
assassinato. E, por fim, naquele mesmo ano, ele também interpretou o desafio de
ser um professor negro que conquista os corações dos alunos brancos de uma
difícil escola de Londres no clássico “Ao Mestre, com Carinho”.
Com
isso, Sidney Poitier se tornou, indiscutivelmente, a primeira estrela negra de
imensa magnitude a brilhar no firmamento de uma Hollywood ainda nada diversa e,
por que não dizer, estruturalmente racista. E, justamente por esse motivo, ele
também representou a luta pelos direitos civis. Mas seu legado não para por aí.
Durante
plena ebulição da luta pelos direitos civis dos cidadãos afro-americanos nos
Estados Unidos, Poitier foi o primeiro ator negro a competir e ganhar um Globo
de Ouro, seguido de um Oscar na categoria de ator principal, no ano de 1964,
por sua memorável performance no drama “Uma Voz nas Sombras”. Na trama, assumiu
o papel de um faz-tudo que ajuda freiras alemãs a construir uma capela no
deserto.
Cinco
anos antes, Poitier já havia se tornado o primeiro ator negro indicado ao Oscar
de ator principal, por seu trabalho em “Acorrentados”. Em 2002, o astro das
Bahamas retornaria à cerimônia do Oscar para receber a sua segunda estatueta em
vida, dessa vez honorária, por seu legado artístico na indústria cinematográfica.
Um legado exemplar que, sem dúvidas, atravessará ainda muitas e muitas
gerações.
Poitier
era alto e bonitão, com um tom de voz grave, porém sedutoramente suave, e dono
de um porte nobre, quase principesco. O ator projetou um ar de dignidade silenciosa
em papéis que destruíram os estereótipos raciais, isso há mais de 60 anos.
Não
era nem a caricatura do negro engraçado com pouca —ou nenhuma— erudição e
tampouco a figura cabisbaixa e subserviente que entrava e saía calada nos
cenários de hotéis de luxo vestindo uniforme e carregando as malas dos
protagonistas brancos.
Poitier
foi a personificação do homem negro culto, bem-sucedido, de classe média. Uma
nova visão no ecrã das salas de cinema do mundo que inspirou e motivou não
somente afro-americanos, como todos os jovens não brancos do mundo.
Se
hoje temos astros negros internacionais de primeiríssima grandeza, do porte de
Will Smith, Omar Sy, Idris Elba ou Denzel Washington, isso se deve a Sidney
Poitier, o pioneiro de todos eles. Foi ele o responsável por pavimentar o árduo
e solitário caminho por onde esses astros hoje caminham com graça e muito mais
leveza.
Seus
outros filmes clássicos da época incluem “Quando Só o Coração Vê”, de 1965, no
qual seu personagem faz amizade com uma garota cega e branca; “Sementes de
Violência”, de 1955, e “O Sol Tornará a Brilhar”, de 1961, trama que Poitier
também apresentou posteriormente nos palcos da Broadway.
Nascido
em Miami em 20 de fevereiro de 1927, Poitier foi criado em uma fazenda de
tomates nas Bahamas e teve apenas um ano de estudos formais. Ele lutou contra a
pobreza, o analfabetismo e o preconceito para se tornar um dos primeiros atores
negros a ser conhecido e aceito em papéis importantes e de protagonismo pelo
público.
Poitier
escolheu seus papéis com cuidado, negando várias ofertas e enterrando a velha
ideia de Hollywood de que atores negros só podiam aparecer em contextos
degradantes, como engraxates, maquinistas ou empregadas domésticas. “Eu te amo,
eu te respeito, eu te imito”, Denzel Washington, outro vencedor do Oscar, disse
certa vez a Poitier em uma cerimônia pública.
Evoé
ao mestre. Com carinho. Digo eu.
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Por Sabrina Fidalgo, originalmente na
Folha de S. Paulo e replicado no Geledés.