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Mudando a cor da história

 

Imagem retirada do site Piaui.

A escravidão permanecerá por muito tempo como a característica nacional do Brasil.” A frase é certamente a mais conhecida de Minha Formação, autobiografia que Joaquim Nabuco publicou em 1900, doze anos depois de o moribundo governo imperial promulgar a Lei Áurea. Para o diplomata, historiador e abolicionista recifense, a servidão imposta às populações negras originárias da África insuflou no país “sua alma infantil, suas tristezas sem pesar, suas lágrimas sem amargor, seu silêncio sem concentração, suas alegrias sem causa, sua felicidade sem dia seguinte”. Em 2000, Caetano Veloso transformou a célebre frase e outros trechos do livro na letra da canção Noites do Norte, que integra o disco de mesmo nome. Lenta e soturna, a música evidenciava que o terrível presságio de Nabuco continuava em vigor às portas do século XXI. Agora, uma iniciativa liderada pelo jornalista mineiro Tiago Rogero pretende demonstrar, mais uma vez, que a sombra do período escravista ainda paira sobre boa parte das mazelas brasileiras.

Desenvolvido ao longo dos últimos dois anos e sete meses, o projeto Querino lança seus três primeiros frutos no dia 6 de agosto: um podcast de oito episódios, um site e uma reportagem na piauí. “A ideia é aproveitar o bicentenário da Independência para rever a história do país sob uma ótica afrocentrada”, explica Rogero. “Queremos mostrar que o Brasil não apenas nasceu da escravidão como continua orbitando em torno da lógica que a sustentou. Praticamente toda a riqueza material e imaterial do país deve muito à exploração da força, do conhecimento e da sensibilidade de indígenas e negros.” O projeto também almeja “botar o dedo na ferida das elites”. “Vamos apontar quem se beneficiou da máquina escravocrata e cobrar responsabilidades”, diz o jornalista.

Ele se inspirou numa ação do New York Times para criar o Querino. Em agosto de 2019, o jornal iniciou o 1619 Project, um trabalho de fôlego que refletia sobre a persistência do racismo entre os norte-americanos. Na ocasião, a chegada dos primeiros escravizados à colônia inglesa da Virgínia – uma das treze que iriam compor o futuro Estados Unidos – estava completando quatro séculos.

Poucos meses depois que o 1619 surgiu, Rogero procurou o Instituto Ibirapitanga com a intenção de fazer algo semelhante por aqui. A organização sem fins lucrativos, que busca  promover a equidade racial no Brasil, gostou da proposta e topou financiá-la. Em seguida, o jornalista levou a sugestão para a Rádio Novelo, produtora de podcasts que também lhe deu sinal verde. Por fim, a piauí* aderiu à ideia. O nome do projeto homenageia o baiano Manuel Querino (1851-1923), intelectual e abolicionista que realizou estudos pioneiros sobre o papel dos africanos e de seus descendentes no desenvolvimento do país. A equipe responsável pela empreitada conta, até agora, com 42 profissionais. Desses, 28 são negros, incluindo Rogero.

Os episódios do podcast que o Querino lançará irão durar entre 50 e 59 minutos. Cada um vai se debruçar sobre um assunto: a Independência, a produção de riqueza, a música, a educação, o trabalho, a religiosidade, a saúde e a política. Rogero apresentará todos os capítulos. Ele próprio escreveu os roteiros, com a ajuda de Flora Thomson-DeVeaux, Paula Scarpin e Mariana Jaspe. Baseou-se em 54 entrevistas e numa ampla pesquisa, que se estendeu por um ano e ficou sob a responsabilidade de Gilberto Porcidonio, Rafael Domingos Oliveira, Angélica Paulo e Yasmin Santos. A professora Ynaê Lopes dos Santos atuou como consultora historiográfica do projeto.

Até o fim de 2022, a piauí deverá publicar pelo menos quatro reportagens com o selo do Querino. A primeira irá retratar filhos de empregadas domésticas negras que cresceram dentro dos minúsculos quartos onde as mães viviam nas casas dos patrões. Os autores são o repórter Tiago Coelho e o fotógrafo Taba Benedicto.

O site do projeto, assinado pela designer Maria Rita Casagrande, vai trazer os links das matérias. Também reunirá os oito episódios do podcast, com conteúdos extras e as referências bibliográficas que nortearam os roteiros.

Se tudo sair como planejado, o Querino terá outros desdobramentos: um braço educacional, rodas de conversa, livros, exposições e talvez um documentário”, afirma Rogero. Antes de se dedicar ao projeto, ele concebeu e apresentou dois podcasts com viés histórico-racial. Em 2019, esteve à frente do Negra Voz, produzido pelo jornal O Globo. Um ano depois, fez Vidas Negras, uma parceria do Spotify com a Novelo.

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Com informações do Geledés.