Ícaro Silva encara e quebra silêncios para perturbar novos senhores

 

(FOTO/ Reprodução/ Instagram).

Antes que cheguem com “colocamos questão racial em tudo”, eu aviso que tudo, absolutamente tudo, das relações sociais em um país construído a partir do (para manter o) racismo é sobre questões raciais. Se esse assunto fosse, de fato, uma prioridade na educação e comunicação desse país mais da metade das pessoas não estariam se perguntando por quê Ícaro Silva respondeu dessa forma (brilhante, diga-se de passagem).

Embora eu não queira me demorar nesse detalhe, afirmo que se o ator não fosse um homem negro, o jornalista Tiago Leifert, um homem branco, não ousaria dizer coisas como: “pagamos o seu salário”. Aliás, nada mais colonial que a tentativa de silenciar alguém usando esse argumento. Mas, esperar o que de herdeiros de uma cultura escravocrata? Ao exclamar que paga salário – como se fosse um favor –, ele também quer dizer: “nós ainda mandamos em vocês”?

Se você não entendeu, sugiro que busque o nome de Ícaro Silva na aba de notícias do seu navegador. Sugiro também que não perca tempo e vá direto em sua resposta ao ex-apresentador do BBB que alegou ter seu “sossego interrompido” por conta da opinião de Ícaro.

O ator escreveu uma das respostas mais brilhantes que alguém pode dar à tentativa de silenciamento e humilhação, e quem se surpreendeu com uma escrita extremamente bem elaborada, não sabe que, além de um grande ator, Ícaro é um escritor que lançou seu primeiro livro ainda quando criança.

Quer dizer: Antes de Tiago, herdeiro da família Leifert e parente dos Klabin (vocês conhecem de sobrenome) começar, Ícaro já autografava livros infantis. Isso não vem ao caso, agora, mas confesso que depois do texto do Ícaro, eu fui pesquisar sobrenomes e... ter o sobrenome certo, no lugar certo, é de longe o melhor negócio nesse país.

A Senhorita Bira tem um vídeo incrível chamado “A herança que importa”, em seu canal, no YouTube. Indico.

Esse episódio nos chama atenção para muitas coisas, mas eu quero destacar algumas delas e a primeira é: Ainda é uma marca do racismo colocar pessoas negras em evidência ou a partir da violência, ou por algo muito extraordinário.

O próprio Ícaro relembra que, em sua carreira, as atenções só se voltaram para ele quando performou (brilhantemente) Beyoncé no “Show dos Famosos” da Rede Globo, a época apresentado por Fausto Silva, que já teceu duras críticas ao BBB sem nunca ser repreendido por Leifert.

Isso também ficou evidente nesse momento em que Ícaro bateu 1 milhão de seguidores no instagram. Ainda que talentoso, bonito, influente, inteligente e vários outros atributos considerados relevantes nas redes sociais, precisou de uma confusão para ter um boom de atenção.

Outra coisa: Se você não consegue classificar a ação do Tiago Leifert contra Ícaro uma violência você ainda não entendeu as dinâmicas raciais e suas sutilezas.

Quero destacar também que Ícaro sabe o que está fazendo e seu recado é uma posição construída não só pelas marcas de constantes silêncios que o racismo ousou impor para seu corpo e sua identidade como também pelo levante impulsionado por sua consciência racial. Ele quebra o silêncio e, ao se opor, também fala em nome de outres silenciades, porque acostumou falar, a qualquer momento e qualquer coisa. E de tão potente e real que é, Ícaro ganha eco em milhões de outras pessoas que também já não se podem calar, entre elas, outras atrizes e atores globais, influenciadores, artistas e até Thelma, vencedora do “BBB 20”, em questão.

Em seu gesto, Ícaro anuncia o que já está acordado, entre nós, pessoas negras: Não tem volta, não nos calarão e seguiremos juntes pela emancipação de nosso povo e pelo direito de cada pessoa preta gostar e desgostar do que quiser, sem que seja rechaçada por um branco qualquer, em qualquer lugar que seja.

Em tempo, ao Ícaro, diademense como eu, agradeço por insistir e se colocar à disposição do levante para que o silêncio não nos sufoque mais. Continue, brilhantemente, irmão.

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Por Roger Cipó, originalmente no Alma Preta.

Roger é apresentador, fotógrafo e produz conteúdo sobre comunicação para influência.

Um comentário:

  1. É totalmente absurdo que em pleno século 21 tenhamos ainda de assistir agressões estúpidas como essa perpetrada pelo jornalista Tiago Leifert.

    O racismo é um vício social abominável arraigado em nossa cultura desde os tempos do Brasil Colônia.

    Infelizmente, a nossa sociedade é predominantemente racista, sendo o Brasil um dos países onde mais se verifica violência contra negros no mundo.

    O preconceito racial não é um sentimento que brota de repente, da noite para o dia. Ninguém nasce racista !!

    O racismo, como todas as demais formas de preconceito, é produto de um aprendizado que tem suas raízes, muitas vezes, no seio da própria família. Lamentavelmente !!

    Já dizia Nelson Mandela, considerado um dos maiores símbolos da luta contra a segregação racial no mundo: “Ninguém nasce odiando outra pessoa pela cor de sua pele, ou por sua origem, ou sua religião. Para odiar, as pessoas precisam aprender, e se elas aprendem a odiar, podem ser ensinadas a amar”.

    Os que alimentam essa insana ilusão de superioridade racial em relação aos negros deveriam lembrar, antes de tudo, que somos todos produto de semelhante genética e filhos de um mesmo Deus, e nesse sentido não podemos negar que somos todos irmãos.

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