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Quixabeira de Lagoa da Camisa no Conexão Vivo na Sala do Coro. (FOTO/ Reprodução/ YouTube). |
O
livro Música e Ancestralidade na Quixabeira (Editora da UFBA), de Sandro
Santana, que teve uma segunda edição ampliada lançada em 2019, retrata uma
realidade que se espalha em vários rincões do país.
O
cenário exposto na obra literária é de preocupação em manter vivas às tradições
em meio ao desinteresse da nova geração e o êxodo rural, associados ao avanço
das igrejas evangélicas que ameaçam as festas religiosas sincréticas e o fato
de as manifestações estarem sofrendo com a falta de apoio do poder público.
Sandro
Santana, doutor em Políticas Culturais e Audiovisual pela UFBA, tem vivência
nas artes além da academia, com produção de registros e shows de expressões
culturais do interior do Nordeste, como de Quixabeira, região do agreste baiano
objeto de estudo de seu livro que teve primeira edição lançada em 2011.
“As
manifestações – samba de roda, capoeira, jongo, maracatu, coco, umbigada etc. –
que compõem aquilo que se denomina cultura popular foram sempre coadjuvantes
nas políticas públicas. Num momento em que se elege um governo que não só
despreza, como também persegue as produções não alinhadas com seu projeto, o
quadro torna-se ainda mais preocupante. E a tendência é piorar”, avalia o
pesquisador.
As
escolas, nesse caso, tornaram-se as únicas trincheiras. “Nelas, conseguimos
mobilizar mais famílias para algum evento em torno das manifestações culturais
ancestrais destas comunidades, sem entrar em choque com as preferências
religiosas por tratar-se de um espaço neutro”.
O
pesquisador indica os fundos de cultura estaduais como um dos poucos caminhos
de fomento à cultura popular no país hoje. “Afinal, as leis de incentivo são,
historicamente, terra arrasada para estas manifestações”.
Mas
invariavelmente elas recebem recursos bem mais baixos do que para outros
setores, embora nivelem exigências burocráticas semelhantes aos projetos da
linha de frente da indústria cultural.
“Nos editais de audiovisual, setor que
disponibiliza mais recursos e possibilidades de comunicação com os membros
dessas comunidades, as empresas se tornam proponentes e detentoras dos direitos
patrimoniais dos projetos. O resultado é que os protagonistas destas histórias
são alienados dos resultados que a sua cultura produz. Em muitos casos, sequer
veem os filmes produzidos sobre eles”, explica Santana, que tem estudos
também nas relações do cinema com o Estado.
Manifestações culturais ou folclore
As
manifestações culturais populares tinham no passado o rótulo de folclore,
revelando a absoluta dificuldade do poder público em lidar com a história.
Gilberto Gil, quando assumiu o Ministério da Cultura, tentou rechaçar o termo e
aproximar a questão dentro de um conceito antropológico, explica Sandro
Santana.
“Após
um período de construção de uma política democrática e de combate aos
estereótipos culturais, estas iniciativas não conseguiram adentrar no cotidiano
das pessoas”.
Nos
primeiros anos da gestão Gil editais específicos para a cultura popular
chegaram a oxigenar a área, surgindo novas lideranças. “Mas a partir do momento
em que reduzimos o pensamento da cultura enquanto números e ao seu poder de
gerar impostos, as manifestações da cultura popular se transformam em
commodities”.
A
preocupação maior neste momento tem sido as transmissões orais da cultura. Em
um documentário que está realizando no sertão baiano, o pesquisador faz
registro de uma série de cantos de trabalho com risco de desaparecer com a
morte dos mestres, influenciadores na transmissão para os descendentes.
“Nas
comunidades que conheci ao longo de duas décadas de pesquisa, o compromisso
familiar é o maior veículo de transmissão. Quando a musicalidade perde sua
funcionalidade nos eventos cotidianos, torna-se difícil sua continuidade”. A
manutenção das tradições culturais, no entanto, é quase consenso que ela passa
pela sua inserção no presente. “Parece-me um caminho inevitável”.
Os
dois grupos produzidos por Sandro Santana ligados à cultura popular, Lagoa da
Camisa e Pavão Dourado, a convivência e a troca de experiências com grupos
musicais contemporâneos permitiram o desenvolvimento de repertório, sem perder,
no entanto, suas características.
“A
partir do momento que os cantos perdem sua função enquanto mecanismo dentro do
trabalho, do lúdico ou do religioso, eles passam a ser ‘esquecidos’. Os grupos
criados nessas comunidades, assim como as famílias que passam adiante estas
narrativas, são trincheiras onde as tradições teimam em não sair da memória”.
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