O Brasil vai ensinar ao mundo a arte de mudar para pior


Bolsonaro, Osmar Terra e Onyx Lorenzoni (Foto/ Marcos Corrêa/ PR). 


Tem que mudar isso daí” se tornou um dispositivo retórico dos apoiadores de Bolsonaro para legitimar qualquer atitude do governo. As pessoas nem sabem muito bem para onde vão, que metodologia, ou qual propósito político tem nas medidas de Bolsonaro e sua equipe, só acreditam que a diferença é o suficiente.

O conceito de mudança só se tornou positivo na Revolução Francesa, antes “conservar” era mais benquisto que uma mudança na estrutura. Até mesmo a palavra “revolução” adquiriu um sentido novo, um sentido ligado à ruptura. Antes a palavra assemelhava-se à revolução que a Terra dá em torno de si, isto é, abrigava a ideia de voltar a situação inicial, pura e original.

Cabe lembrar que a ideia de ruptura e mudança foi fortemente apoderada pela esquerda. Não é preciso gastar tempo aqui para mencionar as situações que comprovam tal questão, basta lembrar das revoluções que determinaram a história do século XX.

Se levarmos em conta as principais transformações políticas de nossa história, poucas foram as situações em que o Brasil “mudou para melhor”. A Proclamação da República não mudou muita coisa, até porque as elites que apoiaram os republicanos foram os antigos senhores de escravos indignados com a abolição. Contudo, a Revolução de 1930 trouxe algumas mudanças significativas. Houve uma industrialização considerável ao lado de diversas conquistas trabalhistas. Em comparação com o período das oligarquias, houve uma “melhora”, o Estado se tornou um grande investidor e os lucros retornaram em parte para o cidadão.

A redemocratização em 1945 não melhorou a vida do brasileiro, tanto que anos depois Vargas foi eleito presidente da República. A partir de então o Brasil parecia caminhar em uma direção relativamente progressista. Vivíamos um boom cultural. Campeão da Copa do Mundo em 1958 e em 1962, a Bossa Nova nascia, a arquitetura de Brasília tornou-se um símbolo do mundo moderno. Mas o projeto progressista foi contido pelo golpe de 1964. Mais uma mudança para pior.

Apesar do milagre econômico, os militares entregaram o Brasil aos civis com uma imensa crise econômica. A redemocratização, mais uma vez, não melhorou a situação do país. As primeiras eleições diretas elegeram Collor. O Plano Real tinha tudo para dar certo se não fosse a privataria do PSDB. A desigualdade no país atingiu níveis absurdos na década de 1990.

A era Lula, por sua vez, pegou um mundo no qual os commodities estavam em alta, e o ex-operário soube aproveitar a situação. O Brasil entrou em uma era de crescimento. Uma política internacional multilateral e uma política econômica interna que permitiu uma considerável distribuição de renda. Muitas universidades foram fundadas e nunca houve na história desse país um acesso tão robusto de brasileiros ao curso superior.

O golpe de 2016 colocou fim a tudo isso. Estimulado pela Lava-Jato, que destruiu as empresas nacionais ligadas ao petróleo, deu início a uma nova mudança para pior. Culminou na eleição de Jair Bolsonaro, justamente o político que se aproveitou deste topos retórico em sua campanha.

Para não estender mais este artigo, ficaremos apenas no que tange as supostas mudanças na educação e na política externa. O ministro da Educação, assim como o próprio presidente, dizem que a educação deve mudar porque não está dando certo. Os índices são realmente lastimáveis. Mas falar mal de Paulo Freire resolve? Será que o eleitor de Bolsonaro sabe no que consiste o método de Paulo Freire? Será que ele não sabe que a educação que recebeu nada tem que ver com a proposta do pedagogo?

No Brasil, o método de Paulo Freire nunca foi implantado na prática.[1] O governo não tem nada para mudar. Pelo menos o que diz que precisa mudar. Não evidencia o problema da questão, justamente porque pretende piorar o que está ruim e acabar com o que é bom, com o que funciona. Quer acabar com a gestão democrática e impor modelos que pretendem formar militares e não profissionais versáteis para o crescimento do país. Isso em uma pequena escala. Em uma grande escala, o objetivo é entregar o ensino a corporações privadas que vêem na educação lucro e não a formação voltada para a cidadania.

O principal exemplo é o Colégio Pedro II no Rio de Janeiro. O sonho de Weintraub é transformar o colégio em um reduto militar. Mas a vitória dos alunos nas olimpíadas de matemática na China mostra que a gestão democrática dá certo.

Em relação à política internacional, o Brasil passou de pacifista a apoiador de guerras que nada tem que ver com os nossos interesses. De protagonista no combate ao desmatamento a piromaníaco. De uma política multilateral a lacaio dos EUA. Enfim…

Mas a retórica do “Tem que mudar isso daí” tem força justamente por ser apenas retórica. Os principais patrocinadores do governo não querem que nada mude, ou melhor, até querem, só que para pior. No futuro, esta retórica será complementada: “Um ano é pouco para mudar; dois anos é pouco para mudar… quatro anos…”
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Texto de Raphael Silva, na Revista Fórum.

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