Lei Maria da Penha também se aplica a mulher trans

 

Decisão ocorreu, por unanimidade, na Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) - Cris Faga/NurPhoto/Getty Images.

O superior Tribunal de Justiça (STJ) estabeleceu, na última terça-feira (5) que a Lei Maria da Penha se aplica aos casos de violência doméstica ou familiar contra mulheres transexuais. Por unanimidade, a Sexta Turma do STJ decidiu que a Lei pode ser aplicada no caso de uma mulher transgênero que era agredida pelo pai.

Originalmente, o Tribunal de Justiça de São Paulo negou a aplicação da Lei Maria da Penha no caso, sob justificativa de que a legislação só seria aplicável a pessoas do sexo feminino levando em conta o aspecto biológico. O Ministério Público paulista recorreu e o STJ acatou o pedido. A decisão abre precedente para que outros casos semelhantes tenham o mesmo resultado. 

Relator do caso, o ministro Rogério Schietti ressaltou que a Lei Maria da Penha não faz considerações sobre a motivação do agressor, mas exige apenas que a vítima seja mulher. Determina, ainda, que a violência seja cometida em ambiente doméstico e familiar ou numa relação de intimidade ou afeto entre agressor e agredida.

O ministro mencionou que o Brasil responde, sozinho, por 38,2% dos homicídios contra pessoas trans no mundo. Dados divulgados em janeiro pela Associação Nacional de Travestis e Transexuais revelam que no ano passado foram 140 assassinatos no país. E, que pelo 13º ano seguido, o Brasil foi o país que mais matou transexuais e travestis.

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Com informações do Brasil de Fato.

Gilberto Gil toma posse na Academia de Letras

 

(FOTO/ Reprodução/ Instagram).

Gilberto Gil toma posse, nesta sexta, na Academia Brasileira de Letras (ABL), no Rio de Janeiro. O ex-ministro da Cultura vai ocupar a cadeira de número 20 da Academia. Gil foi eleito com 21 dos 34 votos possíveis, em novembro do ano passado. Ele assumirá a vaga do jornalista Murilo Melo Filho, que morreu em maio de 2021.

A cadeira 20 da ABL foi fundada por Salvador de Mendonça, que escolheu como patrono Joaquim Manuel de Macedo, autor do romance ‘A Moreninha’. Os outros ocupantes, além de Murilo Melo Filho, foram Emílio de Meneses, Humberto de Campos, Múcio Leão e Aurélio de Lyra Tavares.

Em suas redes sociais, Gil publicou uma foto se preparando para a posse. “"Por aqui já está quase tudo pronto para Gil tomar posse de sua cadeira na Academia Brasileira de Letras", escreveu a equipe do compositor em suas redes sociais. "E o fardão de imortal caiu muito bem nele, não é?”, publicou na legenda.

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Com informações da CNN.

Estudante negra é proibida de entrar na escola por não ter cabelo liso

(FOTO | Reprodução).


Por causa dos cabelos crespos, a estudante Eloah Monique Tavares, 13 anos, foi impedida de entrar na escola militarizada onde estuda, por um funcionário também negro e militar reformado. O episódio aconteceu no Colégio Municipal Doutor João Paim, em São Sebastião do Passé, na Região Metropolitana de Salvador, no dia 21 de março, e está sendo acompanhado pela Defensoria Pública do Estado da Bahia (DPE-BA). A unidade de ensino e as demais do gênero na Bahia poderão agora ser obrigadas a rever as regras de ingresso nos estabelecimentos. A família da estudante registrou boletim de ocorrência na Polícia Civil e, segundo o advogado da mesma, ações nas áreas criminal e cível já estão em andamento. O episódio gerou uma série de denúncias do mesmo teor, que também serão apuradas.

Segundo Eloah, que cursa a 7º ano do ensino fundamental, a cena protagonizada por ela aconteceu na porta da escola e foi testemunhada por outros estudantes e pais de alunos, que nada fizeram, se limitando a acompanhar tudo em silêncio. “Quando cheguei na entrada do colégio, o inspetor falou que meu cabelo estava muito ‘inchado’ e que eu não estava adequada para assistir as aulas”, disse a estudante ao Correio.

Segundo ela, mesmo argumentando que morava longe, o inspetor de ensino insistiu nas ofensas. “Ele disse que eu precisava alisar o meu cabelo porque estava fora dos padrões. Quando fui embora, chorando, bastante estressada, e já atravessando a rua, ele começou a gritar comigo, dizendo que se eu não me adequasse, minha mãe teria que pedir minha transferência para outro colégio”.

Regras

O motivo da polêmica, segundo a estudante, foi a falta de “redinha” de prender o cabelo, acessório obrigatório para os estudantes, segundo o regulamento.Eu sempre usei essa redinha, tenho consciência das regras, mas perdi a minha e avisei que isso tinha acontecido. Fui duas vezes pra aula sem essa rede para o cabelo e só na terceira aconteceu esse problema todo.”

Monique considera que foi vítima de racismo e afirma que vai continuar frequentando a mesma escola. “Eu e minha mãe decidimos isso. Sei que não é o colégio que faz as regras, mas o regime militar. Infelizmente, fui vítima de racismo sim. O jeito que o inspetor falou comigo foi muito agressivo, muito ofensivo”, lamenta.

A vigilante Jaciara Tavares, 31, mãe de Eloah, também considera que a filha foi alvo de “preconceito rasgado”. Ela admite que a única falha da filha foi não usar a rede que cobre o coque, mas argumenta que nada justificaria a não aceitação de cabelo crespo, “que é naturalmente mais volumoso, mesmo quando preso”. “Proibir o estudante de ter acesso à escola só porque ele tem cabelo duro é indignante, constrangedor. Eu e minha filha nunca passamos por situação parecida antes, pelo menos dessa forma , tão descarada”, lamenta. A possibilidade de mudar a filha de escola, segundo ela, chegou a ser cogitada, mas ambas chegaram ao consenso de que Eloah é, agora, “porta-voz de todas as meninas negras”.

Tortura

Para o advogado da família, Marcos Alan Hora, trata-se de indiscutível prática de racismo. “É crime emblemático impedir o acesso de um estudante a qualquer estabelecimento de ensino, sobretudo público, simplesmente por causa de seu cabelo e, principalmente, quando a vítima é menor de idade”, disse.

De acordo com Horta, a conduta do policial reformado que trabalha na escola é respaldada por uma decisão interna da instituição e que, por isso, cabe um termo de ajuste de conduta (TAC) para alterar ou eliminar as regras vigentes. “Esperamos que essas regras, pelo menos, mudem. O próprio movimento negro da Bahia está atuando para que isso ocorra, e que o fato seja devidamente apurado e reparado. É degradante julgar uma pessoa por sua origem genética no afã de atender a uma norma ou formalidade. Além de racismo, é uma prática de tortura”, assevera.

Ele afirma que na esfera cível cabe indenização por danos moral e material e, na criminal, o autor do delito deverá responder por prática de racismo. E cita o artigo 6º da Lei 7.716, que estabelece que a recusa, negação ou impedimento a inscrição ou ingresso de aluno em estabelecimento de ensino público ou privado de qualquer grau prevê reclusão de três a cinco anos e que a pena pode ser agravada se o crime for cometido contra menor de idade.

O combate ao racismo começa com a denúncia. Trata-se de uma prática executada no dia a dia de forma natural. É um sentimento malévolo, degradante para uma pessoa negra, experimentar esse tipo de violência. Por isso, é imprescindível denunciar, buscar punição para os agressores”, defende Hora.

Injúria

A Defensoria Pública do Estado da Bahia (DPE-BA) etá acompanhando o processo. A defensora Eva Rodrigues engrossa o coro dos que consideram o caso como racismo, e solicitou à escola esclarecimentos sobre a conduta do funcionário. A DPE-BA instituiu neste ano o selo “escola antirracista” e também lançou um livro com histórias e orientações voltadas aos pais, além de indicar publicações correlatas, visando diminuir as práticas racistas nas escolas.

Infelizmente, crianças e adolescentes negros sofrem racismo de maneira cotidiana, das mais diversas formas, também no ambiente escolar. Essa que a aconteceu São Sebastião do Passé é uma situação, muito provavelmente, de injúria racial”, declarou a defensora Larissa Rocha.

A escola informou que no momento da matrícula os estudantes, pais ou responsáveis são orientados sobre as normas disciplinares da instituição, e a eles são fornecidas cartilhas e cópias do regimento interno. Alegou aina que o colégio segue o “regimento padrão do ensino militar”, que inclui regras disciplinares e normas sobre vestimentas, penteados, cortes de cabelo, fardamento, uso de calçados e outros itens. Além disso, informou que, por três dias consecutivos, Eloah foi alertada sobre o penteado indevido, e que lhe foi dado um prazo para que ela procedesse os devidos ajustes.

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Com informações do Correio Braziliense e do Geledés.

Debaixo para cima:  O que nos ensina o Cultura Viva  

 

Por Alexandre Lucas, Colunista.

O Cultura Viva é a mais revolucionária e ousada experiência brasileira de políticas públicas para cultura, iniciada como política de governo em 2004 e dez anos depois (2014) tornou-se política de estado e neste processo serviu de inspiração nos mais diversos formatos para ser experimentada em 17 países da América Latina, a partir da nomenclatura de “Cultura Viva Comunitária”. O Cultura Viva sofreu um retrocesso, foi aleijado pelos governos Temer e Bolsonaro, mas continua pulsante, enquanto perspectiva de movimento social e norte para uma política pública intersetorial. 

O Cultura Viva é resultado de um percurso de recortes dos movimentos brasileiros que se interligam ao campo democrático, vanguardista e ao mesmo tempo popular, como é o caso do modernismo brasileiro, os Centros Populares de Cultura da União Nacional dos Estudantes -CPCs da UNE, O tropicalismo  e as movimentos contemporâneos de inovação e democratização midiática. O Cultura Viva é um conceito em formação para os movimentos sociais que se coloca como anticapitalista, antirracista, antipatriacal, decolonial e ligado também ao conceito do bem viver.

No Brasil, ele aponta para um novo redescobrimento do país a partir da profundidade que é a diversidade e pluralidade simbólica do nosso povo que se entremeia e que dialeticamente se tempera de hibridismo.

É a partir do redescobrimento que se reposiciona o olhar e as argumentações para novas realidades. É neste processo onde vão sendo evidenciadas as contradições, as desigualdades e as lutas de classes.  É com o carro andando que as mudanças ocorrem dentro da dinâmica social.  

O Cultura Viva evidencia de forma contundente para além dos saberes e fazeres estéticos e artísticos, mas se embrenha em colocar na ordem dia, o fracasso do processo de produção, acumulação e distribuição da economia que engendra  espacialidades e apropriações da cultura de forma  desigual e conflitante.

Perceber a cultura a partir de uma olhar de classe é desconstruir o legado excludente e elitista da políticas públicas no país, na sua essência o Cultura Viva é um terremoto para o assentos antidemocráticos, tanto aqueles declaradamente fascistas, como aqueles que fazem fake news  da compreensão de gestão democrática e participativa e ostentam uma concepção romantizada de democracia, esses estão no nosso campo de luta e devem ter suas teses desmascaradas.

O Cultura Viva no campo institucional demonstra que é possível arquitetar uma política pública para cultura de baixo para cima, a partir do alinhamento de reconhecimento, protagonismo e decisão dos movimentos sociais, descentralização de recursos públicos e tentativas de desburocratização  do Estado, conexão dos saberes tradicionais e as inovações midiáticas e tecnológicas, florescimento de redes de articulações da sociedade civil autônomas e o caráter de transversalidade da cultura como norte da política pública. 

O Cultura Viva vai continuar sendo terremoto, veio para fazer tremer as estruturas do poder, é uma política pública que não esconde que tem lado. Só é revolucionária porque é pensada de baixo para cima.

Mas o Cultura Viva no campo institucional não basta está na lei, é preciso ampla mobilização social, convivência com os conflitos e obrigatoriamente inclusão de recursos públicos. Afinal, de boa vontade não se faz revolução, é preciso criar as condições materiais. Ousemos.

5 lições de Paulo Freire para a educação brasileira

 

(FOTO/ Reprodução).

Para começar, falar sobre Paulo Freire é lembrar de um grande educador brasileiro. Isso porque a força de um legado se mede pela relevância que mobiliza gerações ao longo do tempo. Em um contexto de reestruturação das bases sociais, ambientais e econômicas, as contribuições deixadas por Paulo Freire para a educação brasileira, e para a pedagogia de maneira geral, são essenciais.

O Patrono da Educação Brasileira é considerado um dos grandes pensadores da educação mundial. Além de representar um marco para a política de alfabetização nacional. Com obras traduzidas para mais de 20 idiomas, prêmios internacionais e uma indicação ao Prêmio Nobel da Paz, Paulo Freire prova que ações locais têm impacto global.

O que caracterizou o trabalho desenvolvido por ele entre as décadas de 1950 e 1990 foi o reforço da cultura de paz e a crença em uma educação democrática e igualitária. Tais teorias se mantêm atuais, sobretudo diante dos desafios trazidos pela pandemia, e ajudam a traçar parâmetros para as soluções que serão construídas daqui para frente.

Relembre 5 lições de Paulo Freire que inspiram a educação brasileira até os dias de hoje.

1. Educação para a cidadania

Um dos principais conceitos da teoria de Paulo Freire fala sobre uma educação orientada para a cidadania. Para o pedagogo, um processo de aprendizagem bem conduzido leva em conta a realidade dos estudantes e da comunidade escolar, estabelecendo uma conexão entre cultura, conhecimento e sociedade.

Ao despertar a consciência sobre os problemas e as potencialidades do sistema que o cerca, o indivíduo tem mais chances de encontrar soluções coletivas a partir dos conhecimentos que adquiriu.

2. Aprendizagem significativa e contextualizada

Paulo Freire dedicou sua carreira à alfabetização de jovens e adultos, atento às desigualdades no acesso à educação. Foi a partir da observação cuidadosa da realidade de seus estudantes, que o pedagogo passou a buscar alternativas para o modelo tradicional de escolarização. A busca resultou em um método de alfabetização que o tornou reconhecido nacional e internacionalmente.

A metodologia, que leva seu nome, usa palavras do cotidiano dos estudantes para engajá-los em um processo significativo de aprendizagem. Dessa forma, os aprendizes são introduzidos ao mundo letrado ao mesmo tempo em que estabelecem conexões com o mundo que os cerca.

3. Autonomia e escuta ativa

A preocupação de Paulo Freire era também desenvolver habilidades como a autonomia e protagonismo, para além do sucesso na alfabetização. Parte importante do processo é estabelecer uma relação horizontal entre educadores e estudantes, em que a escuta ativa cumpre um papel central na construção de conhecimentos.

Na concepção do pedagogo, todos somos seres inacabados. Portanto, estamos sujeitos a transformações contínuas. Sendo assim, a troca mútua de saberes se revela muito mais efetiva quando feita através do diálogo.

4. Ação local, impacto global

Paulo Freire escreveu obras marcantes, como “Pedagogia do Oprimido” (1968), durante os 16 anos em que permaneceu em exílio, após o golpe militar de 1964. E trabalhou com projetos de ação educativa em cerca de 30 países.

Recebeu honrarias como o Prêmio UNESCO de Educação para a Paz e a indicação ao Prêmio Nobel da Paz em 1995, por suas contribuições para a pedagogia. Mais de 350 escolas levam seu nome ao redor do mundo.

5. Políticas públicas integradas

O pedagogo assumiu o cargo de secretário municipal de educação da cidade de São Paulo quando retornou ao Brasil, no ano de 1989. Em seu mandato, Paulo Freire defendeu, principalmente, três pilares: recuperação salarial dos educadores; revisão curricular; e programas de alfabetização, sobretudo de jovens e adultos.

Paulo Freire entendia as políticas públicas integradas como um caminho possível para alcançar o desenvolvimento da educação pública, democrática e de qualidade em que acreditava.

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Com informações da Fundação Telefônica Vivo.

Fundação Palmares muda regra de reconhecimento de comunidades quilombolas

Dona Bizunga e o Toré , na comunidade quilombola do Carcará em Potengi. (FOTO/ Veja na Chapada).

O presidente substituto da Fundação Cultural Palmares (FCP) Marco Antonio Evangelista assinou uma portaria que altera o processo de autorreconhecimento das comunidades quilombolas, que é o primeiro passo para um quilombo obter o título de terra.

A medida publicada no Diário Oficial da União (DOU) institui novas exigências para reconhecer comunidades como remanescentes de quilombo e permite que certificados de autodefinição já expedidos sejam revistos sem consulta aos quilombolas.

De acordo com a Coordenação Nacional de Articulação de Quilombos (Conaq), as mudanças podem prejudicar cerca de 2.500 das mais de 6 mil comunidades quilombolas que buscam a certificação de seus territórios.

Como funciona o reconhecimento e o que muda

A Fundação Palmares é o órgão do governo federal responsável por expedir a certidão de autorreconhecimento de um território como quilombola. Após essa certidão ser expedida, a partir de análises técnicas o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) inicia o processo para oficializar a propriedade do território para a comunidade quilombola.

Com a nova portaria, para a análise dos pedidos de expedição de certidão de autorreconhecimento, será obrigatório que os quilombos apresentem um endereço de e-mail da comunidade, antes era possível enviar documentos pelos Correios.  Para a Conaq, a mudança deve excluir territórios que não têm acesso à internet.

Outra exigência é a imposição de que as comunidades enviem à fundação um relato detalhado da trajetória comum do grupo, com a história da comunidade preferencialmente instruída com dados e documentos, o que nem sempre é de simples elaboração.

A mudança na regra também abre brecha para que órgãos que se opõem aos quilombos possam questionar a consistência do relato histórico feito pelas comunidades. Segundo a Conaq, como a portaria não cita qualquer elemento técnico que indique um histórico inconsistente, a Fundação Palmares terá “ampla e ilegal margem de discricionariedade para definir o que é esse tal de histórico inconsistente”.

A nova portaria também permite que a fundação revise certidões já expedidas, sem que para isso seja obrigada a dialogar com as comunidades quilombolas caso as certidões passem por esse processo de revisão de autodeclaração de identidades coletivas quilombolas.

“Mais burocracia, mais morosidade nas certidões e mais complacência com racistas que se opõem à plena liberdade de nossas comunidades em autodeclarar a identidade coletiva quilombola”, diz a coordenação executiva da associação que representa as comunidades quilombolas.

Governo Bolsonaro não consultou os quilombolas sobre mudança

A Conaq também reforçou que essa é mais uma ação feita pelo governo Bolsonaro sem consultar previamente os quilombolas. A Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) determina que o Estado tem a obrigação de consultar os povos tradicionais sempre que qualquer medida administrativa tiver a possibilidade de afetar as comunidades.

“Além da portaria ter sido construída sem consulta às comunidades quilombolas, burocratizou desnecessariamente o procedimento de expedição das certidões de autorreconhecimento”, salienta a coordenação executiva.

Atualmente, um grupo de trabalho instituído por decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) debate questões que envolvem a Conaq e a Fundação Palmares, como o procedimento para denúncia de violação de direitos de quilombolas, mas segundo a associação a portaria publicada nesta semana não foi levada à discussão.

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Com informações do Alma Preta.


Como a ditadura militar reforçou o racismo no Brasil

(FOTO/ Arquivo Nacional).

No final dos anos 1970, jovens negros que dançavam ao som de James Brown foram vistos como uma ameaça pela ditadura militar. O movimento Black Rio, que reunia milhares de pessoas em bailes soul nos subúrbios da cidade, foi classificado pelos órgãos de inteligência do regime como uma ameaça à segurança nacional.

Os militares identificaram nos jovens que se vestiam à moda black a intenção de “criar no Brasil um clima de luta racial”, como mostram documentos oficiais do período. As suspeitas da ditadura iam além: o regime entendia que os jovens agiam sob influência dos Panteras Negras, partido político revolucionário que surgiu nos Estados Unidos, nos anos 1960.

As ilações não correspondiam à realidade, e chegavam ao extremo de sugerir que se desejava criar um bairro independente na zona norte do Rio de Janeiro. Mesmo assim, o regime perseguiu as lideranças responsáveis por organizar os bailes soul. Dentre eles, Asfilófio de Oliveira, o Dom Filó, à frente da equipe de som Soul Grand Prix (SGP).

“Nos bailes da SGP, a música e o posicionamento político fluíam através de mensagens codificadas na minha voz e nas grandes imagens projetadas nas paredes dos grandes ginásios dando o tom no comportamento da juventude negra. Plantava-se ali a identidade e autoestima naquela juventude leve e positiva que circulava em bandos por todo o estado”, relembra Filó, em entrevista à DW Brasil.

Em 1976, ele foi preso após ser capturado na saída de um baile. Lançado em um carro encapuzado, Filó passou a madrugada em uma sala úmida, sem saber onde estava. Outros DJs e artistas que participavam dos bailes, como Gerson King Combo, também foram presos e interrogados por sua participação nas festas.

Dom Filó (esq.) organizava os bailes da Soul Grand Prix (SGP), no Rio de Janeiro.

“Democracia racial”

A a Dom Filó (esq.) organizava os bailes da Soul Grand Prix (SGP), no Rio de Janeiro. firmação de elementos da cultura negra incomodava a ditadura por ir de encontro à tese da “democracia racial” propagada pelo regime. “Havia deliberadamente um desejo da ditadura, dos governos militares, de apresentarem o Brasil como um paraíso racial, como um lugar que não havia racismo”, comenta a historiadora Gabrielle Abreu, pesquisadora do Instituto Vladimir Herzog.

Para ilustrar a afirmação, Abreu relembra que o Censo de 1970, organizado pelos militares, suprimiu a categoria “raça”. Além do apagão de dados gerado por essa decisão, a postura do regime sobre a questão racial no Brasil contribuiu para silenciar as pautas do movimento negro, na avaliação da historiadora.

“Vivemos hoje um certo iletramento racial que vem muito da herança desse período, por conta de toda a interdição da discussão sobre raça e racismo e da dificuldade do movimento negro em atuar naquele período”, argumenta.

O silenciamento descrito por Abreu contribuiu para enraizar uma visão segundo a qual somente militantes organizados foram alvo da violência política. Esses grupos eram compostos, em sua maioria, por jovens brancos de classe média. Portanto, a violência de Estado sobre outros grupos acabou invisibilizada.

De acordo com o relatório final da Comissão Nacional da Verdade (CNV), 434 pessoas foram mortas ou desaparecidas por motivos políticos entre 1964 e 1985. Porém, este mesmo documento afirma que ao menos 8,3 mil indígenas foram mortos em massacres, remoções forçadas e torturas neste período.

Essa incongruência também se aplica à opressão vivida pela população negra durante a ditadura. Com anuência oficial, esquadrões da morte formados nas polícias de Rio e São Paulo promoviam execuções sob a lógica do justiçamento nos subúrbios e periferias das grandes cidades.

“O número oficial, reduzido, de vítimas da ditadura, esconde um conjunto grande de violências que foram perpetrados contra vários setores da sociedade e, particularmente, a população negra. E não apenas pela perseguição a pessoas envolvidas em movimentos políticos e culturais da população negra. Essa visão vai se expressar naquilo que a gente historicamente chama de ‘violência comum'”, afirma o historiador Lucas Pedretti.

Violência política x violência “comum”

Em seu trabalho de doutorado pelo Instituto de Estudos Sociais e Políticos (IESP), Pedretti se dedicou a analisar as “fronteiras” da violência política durante a ditadura. O foco de sua tese recai sobre o período de abertura democrática. Com o retorno da democracia, os setores vinculados à esquerda foram reabilitados na vida política e ajudaram a consolidar uma visão de repúdio sobre a violência direcionada a eles.

Em contrapartida, a opressão que deriva do racismo estrutural e historicamente atinge a população negra continua a ser enquadrada como “violência comum”. Portanto, cria-se uma distinção clara com relação à violência política, restrita à caracterização do arbítrio do Estado contra opositores, na visão do historiador.

“É justamente na abertura que vemos o desenvolvimento de ideias como ‘bandido bom é bandido morto’, ‘direitos humanos para humanos direitos’. Ao mesmo tempo que o Ulysses Guimarães fala na promulgação da Constituição que tem ‘ódio e nojo da ditadura’, a própria Constituição reproduz as estruturas militarizadas que geram cifras inacreditáveis de milhares de mortos pelas mãos da polícia a cada ano no Brasil”, diz.

Dom Filó, que viveu na pele a violência de Estado durante a ditadura, enxerga uma clara continuidade desse processo nos dias atuais. A diferença entre os períodos estaria na visibilidade que o extermínio dos jovens negros passou a ter. Aos 72 anos, ele olha para trás com orgulho do que ele e seus pares empreenderam.

“Particularmente, vejo como uma missão cumprida e estar vivo para repensar todo o processo é um privilégio.  O fato é que o movimento Black Rio foi uma importante luta negra nos últimos 40 anos, a partir da juventude. Hoje, o seu legado está associado ao diálogo com intelectuais ativistas e acadêmicos”, celebra.

Em 2019, Filó participou como conferencista em um congresso na Universidade de Harvard sobre “transnacionalismo negro na América Afro-Latina”. Ele foi o único não acadêmico a palestrar. O convite partiu do DJ e pesquisador alemão Matti Steinitz, professor da Universidade de Bielefeld e coordenador do Black Americas Network no Centro de Estudos Interamericanos da instituição.

“O Black Rio conseguiu o que gerações de intelectuais e ativistas negros como Abdias do Nascimento não conseguiram: através do consumo coletivo de soul music estadunidense, centenas de milhares de jovens afro-brasileiros tomaram consciência pela primeira vez de dimensões específicas da ideologia da democracia racial e da discriminação contra identidades negras”, analisa Steinitz.

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Com informações do Geledés.


Votar é um dos nossos maiores legados



Urna Eletrônica. (FOTO/ Reprodução).

A história brasileira está repleta de personagens e trajetórias interessantes que, infelizmente e graças à lógica racista que nos ordena, são pouco ou nada conhecidas. Sem dúvida alguma, a vida de Almerinda Faria Gama se enquadra nessa categoria de histórias incríveis que foram silenciadas.

Almerinda nasceu em Maceió em 1899. Assim que perdeu o pai, a jovem menina negra se mudou para o Pará, onde foi educada por uma de suas tias. Ao contrário do que acontecia com a maior parte das jovens negras da época, Almerinda conseguiu estudar datilografia e passou a escrever para o jornal paraense A Província. Aos 30 anos, quando descobriu que seu salário era menor do que o dos seus colegas homens, Almerinda se mudou para o Rio de Janeiro, então capital federal, em busca de condições de trabalho mais justas.

No Rio de Janeiro, Almerinda se filiou à Federação Brasileira pelo Progresso da Mulher, se engajando ativamente na emancipação feminina. Sua primeira grande batalha foi pelo direito das mulheres votarem.

Única mulher na Constituinte de 1934

Quatro anos depois de chegar ao Rio de Janeiro, em 1933, Almerinda foi indicada pelo Sindicato das Datilógrafas e Taquígrafas e pôde votar para a escolha da bancada da Assembleia Nacional Constituinte.

Essa mulher, que viveu quase um século, também foi uma advogada feminista, com forte atividade política tanto no que tange a luta sindical, como no que diz respeito à ampliação do direito da mulher.

Mesmo diante de tamanha trajetória, foi o feito naquele fevereiro de 1934 que fez com que Almerinda entrasse para a história, tendo sido a única mulher a votar na Assembleia Constituinte, que assentaria o futuro do Brasil nas décadas seguintes.

Para muitos jovens de hoje em dia, o feito de Almerinda pode parecer coisa miúda, sem grande importância. Afinal, o que tem demais eleger os representantes políticos do país?

Absolutamente TUDO.

Para quem conhece pouco a história brasileira, é fundamental lembrar que o direito ao voto, como conhecemos hoje, foi resultado de uma longa luta travada por diferentes segmentos sociais.

Durante o Império do Brasil, o exercício do voto estava vetado aos escravizados (que compunham cerca de 35% da população até a década de 1850- 1860), e mesmo para aqueles que eram tidos como livres, o direito ao voto e à possibilidade de ser eleito estava atrelado ao patrimônio dos cidadãos, o que excluía um percentual significativo dos ditos cidadãos brasileiros, isso sem contar o impedimento imposto às mulheres.

Lei excludente limitava eleitorado

Na Primeira República (1889-1930), a escravidão não mais existia. Mesmo assim, a possibilidade de votar continuava restrita a um punhado de gente, na sua imensa maioria, os homens brancos que compunham as elites políticas, econômicas e intelectuais do país. Não havia uma proibição expressa definindo os cidadãos que podiam e os que não podiam votar. Entretanto, fazendo uso de uma lei engenhosa e abertamente excludente do final do Império – a lei Saraiva de 1871 -, a primeira Constituição do Brasil Republicano (1891) definia que apenas os cidadãos letrados poderiam votar. Uma régua que privou aproximadamente 85% dos cidadãos respeitados brasileiros do exercício do voto.

Desde então, parte importante da história do Brasil tem sido a história da luta de diferentes segmentos sociais pela maior participação política. Seja na luta pela educação pública – que demorou muito tempo para ser compreendida como um direito dos cidadãos -, seja no embate mais direto pela participação de sujeitos historicamente alijados do processo eleitoral, como as mulheres. Isso sem contar os momentos críticos e violentos nos quais os direitos cidadãos foram suspensos, por meio da instauração de regimes ditatoriais.

A trajetória da nossa República é também a da conquista da maior participação cidadã nas decisões políticas do país. Por isso, engrossando o coro entoado pela Anitta e por muitos outros artistas brasileiros, se você tem entre 16 e 18 anos, exerça esse direito que nos foi legado por grandes homens e mulheres, tire seu título de eleitor até o próximo dia 4 de maio, e vote nas próximas eleições.

Porque a história se faz no presente.

E o nosso presente também é poder votar.

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Por yanaê Lopes dos Santos, originalmente no DW e replicado no Geledés.

Mestre e doutora em História Social pela USP, Ynaê Lopes dos Santos é professora de História das Américas na UFF. É autora dos livros Além da Senzala. Arranjos Escravos de Moradia no Rio de Janeiro (Hucitec 2010), História da África e do Brasil Afrodescendente (Pallas, 2017) e Juliano Moreira: médico negro na fundação da psiquiatria do Brasil (EDUFF, 2020), e também responsável pelo perfil do Instagram @nossos_passos_vem_de_longe.