A
possibilidade de o ensino médio ser oferecido a distância voltou a preocupar os
movimentos por uma educação pública de qualidade. Na semana passada veio à tona
a intenção do governo de permitir que até 40% da carga horária da etapa seja
ministrada na modalidade ensino a distância. Isso faria com que os estudantes
deixassem de frequentar as escolas por ao menos dois dias na semana.
A
flexibilização estaria alicerçada em uma resolução que atualiza as Diretrizes
Nacionais Curriculares do Ensino Médio, no contexto de uma reforma mais ampla,
e prevê a regulamentação da carga horária. A proposta foi apresentada ao
Conselho Nacional de Educação no último dia 6 pelo relator Rafael Lucchesi,
presidente do Senai, e por Eduardo Deschamps, presidente do conselho. O texto
ainda prevê que a Educação de Jovens e Adultos seja ofertada 100% a distância.
Quando
o documento se tornou público, o Ministério da Educação negou a existência do
projeto. O ministro Mendonça Filho alegou que a informação é “absolutamente inverídica” e que se
trata de um debate muito pontual do conselho, órgão independente e autônomo.
Mendonça Filho, que deve deixar a pasta em abril para concorrer nas eleições,
garantiu ainda que a proposta será vetada caso chegue ao MEC.
A
regulamentação encontra, porém, respaldo em um dispositivo legal. A Lei nº
13.415, sancionada em fevereiro de 2017 e que institui a reforma do ensino
médio, previa a possibilidade de as escolas firmarem convênios com instituições
de ensino a distância para cumprir as exigências curriculares.
Por
essas razões, as justificativas do governo não convencem Fernando Cássio,
professor de Políticas Educacionais da Universidade Federal do ABC. “O conselho virou um cartório do MEC, que o
montou à sua imagem e semelhança, eliminando as fontes de dissenso e
distorcendo a correlação de forças em favor de suas agendas. Então não adianta
passar a fatura.”
O
governo, afirma Cássio, cederia ao lobby de integrantes do conselho que
representam a educação privada. “É de
grande interesse do setor que a regulamentação exista, pois ela permitiria uma
multiplicação de escolas online a distância, de baixíssimo custo, e o início de
uma operação de entrega de vouchers pelo governo para custear os estudantes
nessas instituições. É um primeiro passo para a privatização da oferta.”
O
principal temor é o da precarização da formação dos estudantes, que, além de
ter o tempo escolar reduzido, seriam submetidos a uma educação menos preocupada
com uma perspectiva crítica. No ano passado, 7,9 milhões de estudantes estavam
matriculados no ensino médio, segundo o Laboratório de Dados Educacionais-UFPR,
elaborados a partir de microdados do Censo Escolar-Inep 2017.
Para
Carlos Artexes, ex-integrante do Ministério da Educação, parte dessa
preocupação baseia-se na própria reforma do ensino médio. “Embora ela parta do pressuposto da ampliação progressiva da carga
horária na etapa, provoca o reducionismo curricular.”
A
reforma estabelece um teto para o cumprimento dos conteúdos da Base Nacional
Comum Curricular no currículo do ensino médio de 1,8 mil horas, o que equivale
a 60% do tempo total da etapa. Os outros 40% ficariam reservados à parte
diversificada, os itinerários formativos que compreendem cinco áreas do
conhecimento e precisam ser oferecidos de acordo com a possibilidade dos
sistemas de ensino. A Base, em processo de homologação, deve ser remetida ao
Conselho Nacional de Educação até o fim do mês.
“É a primeira vez que vejo uma regulação
máxima para a formação geral dos estudantes. Hoje contamos com uma carga mínima
de 800 horas por ano para a etapa, o que permite que as escolas façam mais de
acordo com seu planejamento. Agora, estabelecemos limite para os conteúdos da
Base”, pondera Artexes.
Por
conta desse modelo, diz o especialista, não há garantia de que os sistemas
educacionais consigam cumprir com a parte diversificada. “Em um contexto de crise econômica, a oferta de todos os itinerários formativos
certamente não vai acontecer, os alunos não terão a possibilidade da escolha
como tem sido anunciado, ficarão restritos às possibilidades de oferta das
escolas.”
A
dinâmica tende a ampliar as já profundas desigualdades educacionais, pois as
escolas em condições mais precárias, localizadas em áreas pobres, terão menos
chances de desenvolver trabalhos formativos do que aquelas localizadas em
regiões com maior poder econômico.
Na
visão dos especialistas, a política de educação em tempo integral, uma das
principais âncoras da reforma do ensino médio, não deve contrariar a lógica. “O custo de uma escola de tempo integral é
elevado, os estados não terão condição de mantê-las. E, mesmo que tenhamos 500
unidades no País, será pouco relevante diante das 20 mil unidades que atendem
essa faixa.” A política, alerta Cássio, tenderia a criar ilhas de
excelência e provocar distorções da qualidade do ensino.
Outro
risco é de os estudantes serem punidos por uma formação com foco na
profissionalização que os condicione a carreiras de baixa complexidade no
mercado de serviços. “As reformas
educacionais comandadas pelas elites têm um único fim, manter a estratificação
das desigualdades. Os grupos que apoiam as reformas educacionais no País são os
mesmos que bancam as reformas das relações de trabalho, da Previdência, e não
encararam as mudanças de origem política e tributária”, lembra Cássio. (Com informações de CartaCapital)
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Reforma deve precarizar formação de estudantes e orientá-los a carreiras de baixa complexidade no mercado de serviço. (Foto: Rivaldo Gomes/ Folhapress). |