Essa
constatação e a expectativa quanto a novas revelações de impacto da Lava Jato
são as únicas certezas de parlamentares e analistas em relação à crise atual e
seus possíveis desdobramentos. Veja o que mais pode vir por aí.
Do
Congresso em Foco - “A governabilidade, com o presidente Temer,
está comprometida”, diz a senadora Ana Amélia (PP-RS), vigorosa defensora
do impeachment que tirou Dilma Rousseff do Palácio do Planalto. “O governo Temer terminou”, afirma o
deputado federal Henrique Fontana (PT-RS), um dos principais nomes do petismo
no Parlamento. “Para o Temer agora não dá
mais”, concorda Alex Canziani (PTB-PR), importante parlamentar da base
governista na Câmara dos Deputados.
Para
o jornalista e analista político Antônio Augusto de Queiroz, diretor de
documentação do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap),
Temer perdeu a capacidade de se manter no cargo “porque não tem mais condições de aprovar a agenda das reformas, que o
sustentaria”.
Outra
constatação próxima da unanimidade, entre políticos e analistas, é que a Lava
Jato continuará assombrando a nação com revelações escabrosas, seja em razão
das delações já parcialmente vazadas (como a da JBS), seja pelas delações a
caminho, como as do ex-ministro Antonio Palocci e as novas informações
prestadas por executivos e acionistas dos grupos Andrade Gutierrez e Camargo
Corrêa. Sem falar da temida delação do ex-deputado cassado Eduardo Cunha
(PMDB-RJ).
“A Lava Jato sai fortalecida”, analisa
Ana Amélia. Ela acredita que as gravações envolvendo donos e diretores da JBS e
figuras de destaque da política nacional que tentaram de alguma maneira
obstruir a operação demonstram que não vale a pena atuar contra a continuidade
das investigações. “Isso obrigará todo agente público, daqui pra frente, a
evitar criar qualquer problema para a Lava Jato”, prevê a senadora.
Complicado
mesmo será construir o mundo pós-Lava Jato, observa o cientista político
Ricardo de João Braga. “Vivemos um
ambiente confuso e muito pouco auspicioso, em grande parte porque não se vê uma
liderança que sinalize esperança para a grande maioria da população. A Lava
Jato fez um grande serviço à sociedade, mas transformou toda a classe política
em um caldo que azedou. A questão é superar isso”.
Entenda o que se passa no Brasil e
outros possíveis desdobramentos da crise política:
O
fim do governo Temer – no Congresso, as principais lideranças políticas já não
discutem a possibilidade de Michel Temer continuar a presidir o país ou não. A
saída dele é dada como certa. A avaliação predominante, tanto na antiga base
governista quanto na oposição, é que Temer só não renunciou porque negocia uma
rede de proteção junto ao Poder Judiciário e seus aliados políticos. A
renúncia, neste momento, poderia equivaler ainda a uma espécie de confissão de
culpa.
Temer
perdeu condição de governabilidade porque não conta mais com as três bases de
apoio que lhe permitiram exercer o cargo de presidente mesmo com enorme
rejeição popular: o alto empresariado e o mercado financeiro; o Congresso; e os
grandes veículos de comunicação.
No
último caso, isso ficou claro já na noite de quarta-feira (17) com a cobertura
que o mais poderoso grupo de mídia brasileiro, o grupo Globo, deu às revelações
derivadas da delação da JBS. Na Globo News, o principal comentarista político
da empresa e frequente porta-voz do conglomerado, Merval Pereira, foi adiante
ao decretar, em alto e bom som, que Temer não tinha mais condições de presidir
o país. Nesta sexta-feira (19), o jornal O Globo pediu a renúncia de Temer em
editorial, embora tal posição não seja encampada por outras poderosas empresas
de comunicação (como o Estadão, que condenou o comportamento do jornal
concorrente).
A
perda de apoio do grande empresariado e do mercado financeiro refletiu-se nos
movimentos de ontem – quinta, 18 – no câmbio e na bolsa. No Congresso, uma base
que chegou a representar 80% da Câmara e do Senado e que já sofria um processo
de emagrecimento, desfez-se por completo e saiu a avisar aos interessados que
não há mais clima para avançar com os grandes temas da pauta legislativa, como
as reformas previdenciária e trabalhista.
“O jogo que está sendo jogado de fato é como
será a sucessão de Temer”, resume Henrique Fontana.
Cassação
pelo TSE – é hoje visto como o cenário mais provável, já que são abundantes as
provas de abuso de poder econômico e de irregularidades diversas cometidas pela
chapa Dilma/Temer. Como já não há mais razão para o Tribunal Superior Eleitoral
dar sobrevida a um governo que perdeu a capacidade de sustentação, os ministros
do TSE podem dar maioria ao voto pela cassação, que será apresentado pelo
ministro Herman Benjamin. Segundo um influente advogado eleitoral, o voto de
Herman, conhecido pela competência jurídica e que dedicou meses à preparação do
relatório, será “fulminante”.
O
julgamento está marcado para 6 de junho, mas alguns parlamentares defendem que
a data seja antecipada. Mesmo que não haja mudança no calendário, poderá ser o
caminho mais rápido para encerrar a agonia do governo Temer.
Antônio
Augusto de Queiroz, do Diap, diz que não se pode descartar a possibilidade de o
TSE dar à questão tratamento semelhante ao aplicado recentemente ao governo de
Amazonas. Por entender que não houve vacância no cargo em decorrência da
cassação da chapa do governador eleito, a Justiça eleitoral convocou novas
eleições. “Só há vacância em caso de renúncia, impeachment, morte ou inaptidão
física ou psicológica para o exercício do cargo. Cassação é uma outra situação.
Nessa hipótese, ainda que isso não seja o mais provável, o TSE poderia convocar
eleição presidencial direta”.
Em
qualquer circunstância, Temer recorrerá ao Supremo se a decisão do TSE lhe for
desfavorável.
Impeachment –
é o caminho mais longo e também o que pode impor maiores prejuízos à economia e
a estabilidade político-institucional. Até este momento, oito pedidos de
impeachment presidencial foram apresentados.
É
grande a torcida, entre políticos e empresários, para que uma outra solução
permita evitar que o Brasil volte a passar pelo desgaste e pelo trauma de um
novo processo de impeachment, que poderia representar pelo menos três a cinco
meses de paralisia do Congresso, com efeitos trágicos sobre os investimentos
num país em recessão há mais de dois anos.
Renúncia
– pelas razões antes citadas, Temer só renunciará se tiver garantias de alguma
proteção, algo que, no atual contexto, esbarra na determinação do Ministério
Público Federal, da Polícia Federal e do ministro Edson Fachin (relator no STF)
de levar adiante essa sucessão de tsunamis que ficou conhecida pelo nome de
Operação Lava Jato.
O
novo presidente – há especulações para todos os gostos, mas não há certeza nem
mesmo de que o sucessor de Temer será escolhido pelo Congresso, por via
indireta, no prazo de 30 dias após a saída do presidente atual, hipótese
prevista no parágrafo primeiro do artigo 81 da Constituição Federal.
A
oposição, tendo à frente o PT de Lula e a Rede de Marina, apoiada por vários
movimentos sociais e entidades da sociedade civil, tentará pressionar o
Congresso a aprovar a proposta de emenda à Constituição do deputado Miro
Teixeira (Rede-RJ), pela antecipação da eleição presidencial direta (PEC
227/2016). Hoje, no Congresso, essa PEC está longe de alcançar maioria. A
esperança dos seus defensores é torná-la politicamente viável por meio da
mobilização da sociedade. Dois fatos indicarão em breve as chances de a ideia
prosperar: o sucesso ou fracasso das manifestações por diretas-já marcadas para
este domingo, dia 28; e a votação – ou não – da proposta de Miro na
terça-feira, na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados. A
CCJ do Senado também tentará votar PEC de teor semelhante, de autoria do
senador Reguffe (Sem partido-DF).
“A
emenda será aprovada não porque o Congresso quer, mas pela pressão das ruas”,
disse Miro ao Congresso em Foco. “Um Congresso que elegeu Eduardo Cunha como
presidente da Câmara e botou Temer na Presidência da República, nas condições
em que colocou, não terá credibilidade para escolher um presidente”.
Também
há dúvidas se o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, por ser investigado na Lava
Jato, poderia substituir interinamente Temer. Há quem defenda que lhe faltariam
condições não apenas políticas e morais, mas até mesmo jurídicas, para tal (o
Supremo já decidiu que réu de ação penal está impedido de substituir o
presidente, não analisou ainda o caso de pessoa sob investigação).
Nessa
hipótese, aplicando-se o artigo 80 da Constituição, Maia e o presidente do
Senado, Eunício Oliveira, outro sob investigação, poderiam ser descartados,
assumindo a Presidência da República a ministra Cármen Lúcia, que preside o
Supremo Tribunal Federal e é a próxima na cadeia sucessória. Alguns
parlamentares de esquerda defendem essa ideia, que também contaria – conforme
se especula em Brasília – com firme apoio do grupo Globo. “Carmen Lúcia, como
presidente do Supremo, é a mais indicada para conduzir a eleição presidencial
direta”, opina o petista Henrique Fontana.
Alex
Canziani discorda: “Fazer uma nova eleição presidencial agora é uma loucura. Aí
acabamos com o país de vez. A Constituição é clara e prevê a eleição de forma
indireta. Essa é a única saída para apaziguar o Brasil”.
Havendo
eleição indireta, o nome mais forte no Congresso Nacional neste instante é o do
ex-ministro (da Justiça e do Supremo) Nelson Jobim, que teria a vantagem de se
relacionar bem com todas as principais forças políticas do país. Setores da
base governista também defendem os nomes de Fernando Henrique Cardoso e, com
bem menos força, Henrique Meirelles.
O
futuro da economia – incógnita das incógnitas, este é o tema que mais preocupa
o cientista político Ricardo de João Braga. “Concordemos ou não, com todas as
suas dificuldades e mesmo com muita impopularidade, Temer vinha fazendo
reformas que correspondem aos movimentos considerados necessários pelos
empresários e por aqueles com capacidade de retomar os investimentos
nacionais”, pondera ele. “A economia vinha muito mal e começou a melhorar na
medida em que o governo atuou no sentido de buscar o equilíbrio fiscal e
promover reformas. Temo que as mudanças em curso nos lance numa situação ainda
mais desastrosa no campo econômico, sem que seja possível vislumbrar ainda a
liderança capaz de trazer alguma estabilidade política, ou seja, aquela que
Maquiavel chamaria de príncipe”.
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Temer na tela da Globo: principal grupo de comunicação do país já publicou até editorial defendendo a renúncia de Temer. Foto: Reprodução/ Congresso em Foco. |