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Câmara dos Deputados aprovou na noite desta quarta-feira 22 o texto-base de um
projeto que libera a terceirização do trabalho apresentado há 19 anos pelo
governo Fernando Henrique Cardoso. Após a votação dos destaques, a proposta de
1998 depende apenas de sanção de Michel Temer.
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De nada adiantaram os protestos da oposição: o patronato venceu mais uma batalha. |
CartaCapital- O PL 4302, de 1998, foi aprovado com 231 votos favoráveis, 188 contrários e
oito abstenções. O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), é o principal
responsável pela celeridade na aprovação da matéria, vendida como uma
alternativa para reativar o mercado de trabalho. "Temos que parar com o
mito de que regulação gera emprego. O excesso de leis no Brasil tem gerado
desempregados", afirmou na segunda 20, durante evento da Câmara Americana
de Comércio em São Paulo.
A
oposição chegou a levar patos de borracha para o plenário em inusitado
protesto, além de dizer que o projeto é para pagar a "fatura" pelo
apoio da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo à destituição de Dilma
Rousseff. "É para pagar a conta do
golpe, a conta da Fiesp", ironizou o deputado petista Paulo Pimenta.
Em
linhas gerais, o texto permite a terceirização em todas as atividades de uma
empresa, tanto no setor privado quanto no serviço público. Embora o atual
presidente do Tribunal Superior do Trabalho, Ives Gandra Martins Filho, tenha
manifestado simpatia pela proposta, a jurisprudência da Corte proíbe
terceirizar as chamadas “atividades-fim”. Ou seja, uma montadora de automóveis
não pode subcontratar mecânicos ou metalúrgicos, e sim serviços acessórios,
como vigilância e limpeza.
Em
2015, após uma sessão comandada com mão de ferro pelo então presidente da
Câmara, Eduardo Cunha, os deputados aprovaram um projeto que liberava as
terceirizações para as atividades-fim, abrindo as portas para mais de 30
milhões de trabalhadores serem convertidos em subcontratados. O texto
permanece, porém, nos escaninhos do Senado, que optou por não dar celeridade à
tramitação.
A
solução usada pela atual base de Temer foi tirar da gaveta o projeto do governo
FHC, aprovado no Senado em 2002, com relatório de Romero Jucá, hoje líder do
governo no Congresso. Detalhe: apenas 12 dos atuais 81 senadores estavam no
exercício do mandato à época.
Um
dia antes da votação, até mesmo deputados da base governista não escondiam o
descontentamento de apreciar a mesma pauta pela segunda vez, assumindo
novamente o ônus político da impopular medida. Durante uma reunião no Colégio
de Líderes, apenas Maia e o tucano Ricardo Trípoli fizeram uma defesa
contundente da manobra. Foi a pressão do Planalto que assegurou a aprovação da
terceirização no plenário da Câmara.
Não
é tudo. O projeto aprovado reduz ainda mais as salvaguardas ao trabalhador. Na
proposta de 2015, a empresa com trabalhadores terceirizados tem a obrigação de
fiscalizar se a fornecedora de mão-de-obra está em dia com as suas obrigações
trabalhistas.
Conforme
CartaCapital apurou, o governo federal pretende mobilizar a sua base no Senado
para também aprovar o projeto de terceirizações de 2015. Assim, Temer teria a
opção de escolher o texto que mais lhe convém, vetando trechos específicos.
Salários menores, jornadas maiores
Um
dossiê da Central Única dos Trabalhadores (CUT), preparado por técnicos do
Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos (Dieese),
revela o cenário tormentoso das terceirizações no Brasil. Com dados de 2013, o
estudo mostra que os terceirizados recebem salários 24,7% menores que aqueles
dos efetivos, permanecem no emprego pela metade do tempo, além de ter jornadas
maiores.
Auditores,
procuradores e juízes do Trabalho consultados por CartaCapital alertam ainda
para o maior risco de acidentes laborais, calotes trabalhistas e exposição a
condições degradantes ou análogas à escravidão nas subcontratações. Embora os
defensores da terceirização sustentem que a medida possa reduzir custos para
empresas sem afetar os direitos dos empregados, a matemática do patronato não
parece fazer sentido.
“Se
eu pago determinado valor ao funcionário e coloco um intermediário nessa
relação, não tem como ficar mais barato sem perdas para o trabalhador. A
empresa prestadora de serviço evidentemente visa o lucro. O trabalhador só
custará menos com arrocho salarial e supressão de direitos”, alerta Ângelo
Fabiano Farias da Costa, presidente da Associação Nacional dos Procuradores do
Trabalho (ANPT).
"A
terceirização promove perda do direito às férias (pela alta rotatividade das
prestadoras de serviço), redução de salário, aumento da jornada e consequente
aumento do número de acidentes de trabalho e doenças profissionais",
afirma a juíza Valdete Souto Severo, diretora da Fundação Escola da
Magistratura do Trabalho do Rio Grande do Sul, em recente artigo publicado pelo
site Justificando, parceiro de CartaCapital.
Não
se trata de exagero retórico. Na Justiça do Trabalho, sobejam exemplos dos
efeitos deletérios causados pelas terceirizações. Embora a subcontratação das
atividades-fim esteja proibida pela legislação vigente, na prática ela ocorre
em muitos setores.
Maior risco de acidentes laborais
No
setor elétrico, o número de acidentes fatais envolvendo terceirizados chega a
ser até dez vezes superior àquele dos
efetivos. Dados extraídos dos relatórios anuais da Fundação Coge, que congrega
mais de 70 empresas públicas e privadas de energia elétrica, não deixam margem
para dúvidas:
Os
problemas não se restringem ao setor elétrico. Na exploração de petróleo, os
terceirizados têm cinco vezes e meia mais chance de morrer em um acidente de
trabalho do que os efetivos. Segundo a Federação Única dos Petroleiros, de 2003
a 2012, foram registrados 110 óbitos de terceiros contra 20 mortes de
trabalhadores efetivos da Petrobras. Na percepção de procuradores do trabalho,
o fenômeno repete-se na construção civil, responsável por mais de uma morte por
dia no País.
Os
terceirizados são mais vulneráveis ao trabalho degradante. Vitor Araújo
Filgueiras, auditor fiscal do Ministério do Trabalho e pesquisador da Unicamp,
analisou os dez maiores resgates de trabalhadores em condições análogas à
escravidão do Brasil e constatou que 90% dos flagrantes ocorreram em empresas
subcontratadas para a prestação de serviços. “Há fortes indícios de que
terceirização e trabalho escravo estão intimamente relacionados”, disse em um
artigo publicado pela ONG Repórter Brasil em 2014.
O
presidente da ANPT observa ainda que as empresas tomadoras de mão-de-obra não
fiscalizam se a prestadora cumpre com suas obrigações trabalhistas, e os
calotes são práticas recorrentes. “Com base em nossa atuação em diversos
processos trabalhistas por todo o País, seja em casos de terceirização lícita
ou ilícita, posso garantir que o terceirizado tem sido tratado como trabalhador
de segunda categoria”, emenda Costa.