“Quem
tem medo da discussão sobre o marco civil da internet ?” A pergunta foi
feita há poucos dias pelo deputado Alessandro Molon (PT-RJ), relator do
polêmico projeto de lei (PL) referente ao tema, que desde o ano passado espera
ser apreciado no plenário da Câmara. Após avaliar de forma crítica um novo
adiamento do projeto logo na retomada do ano legislativo, Molon disse que o
posicionamento do PMDB, de trancar a pauta e obstruir a votação da matéria,
deixa claro que o Congresso não está dividido entre base governista e oposição
neste caso, “mas sim entre os que estão
do lado dos internautas e os que estão ao lado das grandes empresas de
telefonia, as principais interessadas na reprovação da matéria”.
|
A plenário vazio, parlamentares pedem apreciação do projeto sobre o marco regulatório da internet. |
Molon
faz uma provocação, ao mesmo tempo em que espera que o texto seja votado
rapidamente, logo após o feriado do carnaval: “desafio qualquer parlamentar a mostrar qualquer aspecto deste projeto
que permita algum tipo de censura”. O PL tramita há três anos na Câmara e,
segundo o deputado, já é referência mundial sobre legislação na internet. “Tive a honra de representar o Brasil nos
Estados Unidos e na Inglaterra falando desse projeto. Não por acaso, o Brasil
tem erguido sua voz no cenário internacional e vai sediar em abril um encontro
internacional sobre governança na internet. Se adiarmos esse debate mais uma
vez, deixaremos não apenas a pauta da Câmara trancada, mas desprotegidos 100
milhões de brasileiros, com a nossa rede insegura”, colocou.
O
relator contou que, num primeiro momento – quando foram apresentadas dúvidas
diversas sobre a matéria – ele realizou uma verdadeira peregrinação junto às
bancadas e lideranças partidárias. “Percorri 15 bancadas, conversando com os
líderes e membros de cada uma destas legendas sobre o tema e o teor do texto em
si. Reuni sugestões de todos, demandas, propostas, incorporei tudo ao texto de
modo que não afetasse o coração do projeto, que é a questão da neutralidade da
rede, a proteção à privacidade dos usuários e a liberdade de expressão. Tudo
foi amplamente discutido e negociado”, acentuou, ao completar que não há mais o
que ser acrescentado ou alterado à matéria.
Neutralidade da rede
Sobre
a questão da neutralidade da rede, tida como um princípio fundamental do texto,
e um dos maiores pontos polêmicos na discussão entre os deputados no plenário,
ele explicou que tal item consiste na garantia “de que tudo o que trafega na internet vai ser tratado da mesma forma,
sem discriminação”.
“Se não houver a neutralidade, isso pode
permitir que algum provedor de conexão, alguém que vende uma conexão para o
internauta – uma empresa telefônica em geral – escolha aquilo que o internauta
poderá ou não acessar, podendo transformar a internet em tudo o que a gente não
quer. A neutralidade da rede proíbe isso e garante um tratamento democrático
para o que circula na internet”, explicou.
Além
disso, de acordo com Molon, a neutralidade garante acesso, independentemente de
condição financeira, a todo tipo de conteúdo. “Se não houver a neutralidade, as empresas telefônicas poderão cobrar
preços extras por qualquer tipo de conteúdo diferente. Seria como se as
empresas chegassem e dissessem: ‘se você quiser usar o e-mail tem que pagar x,
mas se quiser também o Skype, tem que pagar y, já para baixar vídeos o preço é
outro, ainda maior’, e daí por diante. Isso transformaria a internet num
produto para pouquíssimas pessoas”, disse.
A
neutralidade é questionada, principalmente, pelo líder do PMDB na Câmara,
Eduardo Cunha (RJ), que tem dito costumeiramente ser contrário ao princípio,
por acreditar que, dessa forma, pessoas que usam menos a internet vão pagar
pelo uso de todos e quem desejar ter só e-mail, por exemplo, será obrigado a
pagar outras coisas, mesmo que não as utilize – uma vez que a tarifa acabará
consistindo na média do geral de navegação. Ao rebater Eduardo Cunha, o relator
da matéria disse que esse tipo de pensamento não está correto.
“Não concordo com Cunha e digo que ele está
errado. Na verdade, nós já pagamos preços diferentes, hoje, pela quantidade de
banda que a gente quer. Isso vai continuar existindo com o marco civil da
internet, é uma questão que não tem nada a ver com a neutralidade. Quem quer,
hoje, pode escolher se compra 1 mega de velocidade, 10 ou 100 megas. O que não pode
existir é do meu provedor, dentro desse 1 mega que eu comprar, decidir o que é
que eu posso acessar ou não acessar. Não é razoável, portanto, dizer que a
neutralidade vai fazer a internet custar mais caro, porque já é assim que ela
funciona. Que argumento é esse?”
Liberdade de expressão
Sobre
o segundo ponto abordado pelo projeto de lei, a questão da liberdade de
expressão, o deputado disse que tal item, da forma como está colocado no texto,
garantirá que a manifestação do pensamento de cada um continue livre, sem
receber qualquer tipo de censura ideológica, partidária, política, religiosa,
comercial etc.. “Isso faz com que a
internet continue sendo esse instrumento poderoso que foi, por exemplo, para
convocar as manifestações de junho do ano passado. A liberdade de expressão é
fundamental para a gente construir o país, a nação que a gente quer”,
destacou.
Em
relação a outro importante ponto do projeto, o da proteção à privacidade do
usuário, Molon disse que uma série de regras contidas no texto impedem que a
privacidade dos internautas seja violada por um provedor de conexão ou provedor
de conteúdo sem a devida autorização. O deputado chamou a atenção para este
último item como forma de garantir, inclusive, a integridade das pessoas e
lembrou que casos de invasão de privacidade resultaram, no ano passado, no
suicídio de duas jovens, que tiveram conteúdos de sua intimidade violados. “Precisamos evitar que abusos absurdos como
os que essas jovens passaram sejam cometidos sem uma punição adequada.”
Ótica dos investimentos
“Não há mais razão para adiar a votação.
Temos que enfrentar isso. Esse é um projeto que divide o Congresso entre os que
estão do lado dos internautas e aqueles que olham o problema pela ótica dos
investimentos do setor, pelos que atuam no campo empresarial no setor de
internet. Sei que em todos os partidos haverá votos a favor do projeto, o que
prova que não é uma questão governo versus oposição”, deixou claro.
O
projeto de lei é um dos primeiros itens a ser incluído na pauta do plenário da
Câmara para discussão e votação dos deputados após a retomada dos trabalhos do
Legislativo, depois da semana do carnaval. Os parlamentares, porém, ainda não
fecharam um consenso em torno do tema.
“Espero que a Câmara olhe para o Brasil com a
consciência da sua responsabilidade para que possamos aprovar rapidamente o PL
e passar a ter uma internet mais livre, aberta, democrática e segura”,
reiterou Molon.
Via
Rede Brasil Atual