29 de setembro de 2021

Nos 150 anos da Lei do Ventre Livre, Brasil ainda não é uma democracia racial

Retrato de mulher negra com criança às costas e cesto de bananas na cabeça. (FOTO Marc Ferrez/Coleção Gilberto Ferrez/Acervo Instituto Moreira Salles).

Neste 28 de setembro estaremos completando 150 anos de uma das leis abolicionistas, a Lei do Ventre Livre, também conhecida como “Lei Rio Branco”.

Criada em 1871, por José Maria da Silva Paranhos, o Barão do Rio Branco, trazia a proposta de abolir gradualmente a escravidão no país, determinando que os filhos de escravizadas nascidos a partir daquela data seriam considerados livres. Essa lei criou dois cenários para dar a liberdade, pois previa que a mãe ficasse com os filhos até os 8 anos. Após esta idade, até 21 anos, poderia ser entregue a uma instituição do Estado, com direito a uma indenização pelos anos trabalhados, ou ficar com a mãe sob cuidados do senhor. Essas propostas desagradaram tanto aos senhores como a vários ativistas do movimento abolicionista.

É importante assinalar que na segunda metade do século 19, o Brasil era um dos últimos países no mundo que mantinham o uso do trabalho escravo. Por conta disto este período ficou marcado pelo debate sobre escravidão. A partir de 1860 tal discussão ganhou força, com José Bonifácio de Andrada e Silva defendendo o fim da escravidão —não por motivos humanitários, mas porque acreditava que o desenvolvimento do país passava pelo crescimento da mão de obra livre e pelo branqueamento da população brasileira.

Posturas racistas como a de José Bonifácio eram comuns na década de 1860 e continuam até hoje.

As desigualdades sociais da população brasileira continuam presentes em nossos dias. O movimento das mulheres negras com a participação eficaz da juventude negra, além das organizações quilombolas e das denúncias contra os ataques às religiões de matriz africana, mostram como neste país insistem em negar cidadania e respeito à população negra, jovem e periférica que representa oficialmente 56% da população.

O debate contra a escravidão com contornos humanitários esteve ligado a muitas formas de resistência desde o tempo dos escravizados, tais como fugas coletivas ou individuais, revoltas contra feitores e senhores, recusa em trabalhar, criação de quilombos e mocambos.

A revolta começava nos navios negreiros, sendo mocambos lugares de esconderijo e quilombos os acampamentos militarizados, como o Quilombo dos Palmares que chegou a ter 20 mil habitantes, tendo resistido ao longo de todo o século 17. Suicídios e abortos também foram usados como formas de resistência.

Constatamos assim, que nossos passos vêm de longe e que na atualidade sabemos não existir um caminho fácil para mudar concepções que há séculos desumanizam a existência e a experiência de vida da comunidade preta. No entanto, para benefício de todos, é um caminho que precisa ser feito com honestidade, escrita, solidariedade e respeito. É preciso romper os silêncios impostos pela escravidão e pelos açoites à caminhada negra brasileira.

Os abolicionistas sofriam a pressão dos grupos econômicos mais poderosos, como os grandes fazendeiros do Sudeste, e para evitar rupturas drásticas, passaram a defender uma transição lenta e gradual que evitasse prejuízos imediatos aos fazendeiros e impedisse a desordem e os levantes dos escravizados.

A pressão dos grupos econômicos mais poderosos continua existindo, apresentando uma lógica política de que a riqueza do país deve beneficiar quem investe e não as pessoas do povo. Assim, os mais ricos são beneficiados em detrimento da população menos favorecida, basicamente a comunidade negra.

O Brasil não é uma democracia racial. Deveria ser porque quase 4 milhões de africanos —homens, mulheres e crianças— foram brutalmente traficados para cá como escravos e, ao longo de mais de 350 anos, foram responsáveis por criar este país e, portanto, deveriam ter seus direitos como cidadãos e cidadãs plenamente assegurados. Isso, definitivamente, não tem sido o caso.

O Brasil não é uma democracia racial porque a discriminação racial e o racismo são, ao mesmo tempo, uma prática e uma ideologia que assolam, insidiosa e brutalmente, o cotidiano das pessoas negras, suas famílias e suas comunidades. Na atualidade, devemos reconhecer, esses assuntos avançaram como debate necessário à formação da opinião pública contra o racismo e, até mesmo, à construção de uma opinião pública antirracista.

A questão racial quando é tocada no país conta com a reação violenta das elites. As políticas de afirmação social feitas até aqui — como as cotas, o Bolsa Família, o atendimento a descendentes de escravos— mexeram com as elites, que resistiram a ver suas regalias perdidas.

A questão racial não se esgota pela questão social. As elites e os brancos pobres não foram preparados para aceitar a mudança racial. Permanece intocada a questão da raça, da relação entre patrões e empregadas/os.

A educação brasileira não dará um passo adiante sem a transformação da mídia, que precisará encarar seriamente a questão racial. A educação é visceralmente política. O modelo de educação tem que se estruturar em uma educação descolonizada, sem pensar na Europa. Um país como o Brasil tem como desafio reinventar uma forma própria de educação.

Podemos pensar que após 150 anos, de uma Lei do Ventre Livre, que não libertava, hoje as mulheres pretas continuam sem ter liberdade para seus filhos, pois ela só é assegurada numa sociedade democrática e equânime, que aceite a diversidade e possibilite oportunidade igual para todos, o que ainda não ocorre em nosso país.

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Por Helena Theodoro, publicado originalmente no Geledés.

28 de setembro de 2021

Porta errada

Alexandre Lucas. (FOTO/ Reprodução).

Por Alexandre Lucas, Colunista

A geladeira estava em dia raro, quase sua porta não fecha, entupida. Frutas, doces, uma jarra com suco de limão com leite, água em abundância e um pote de sorvete, tinha também leite condensado, arroz para requentar, carne congelada e um chá de maracujá numa garrafa de vinho.

Enquanto olhava para geladeira aberta, a conta de energia fazia cambalhotas. Os olhos vasculharam aquele retângulo gelado, tentando despistar os pensamentos que nada tinham a ver com a geladeira. 

Uma cadeira foi posta diante da geladeira, a qual ficou aberta por horas, parecia que tudo tinha desaparecido e um filme passava ali por dentro. Descompunha naquele instante a palavra geladeira: gel, gela, ela, ladeira, eira, ira.   

Porta fechada. Afinal, amor não se tira da geladeira.

 

Organizações de esquerda marcam ato em Juazeiro do Norte para 02 de Outubro

(FOTO/ Reprodução/ UP - CE).

As frentes Povo na Rua, Frente pela Democracia, Brasil Popular e Frente Cearense em Defesa do SUS decidiram convocar, em Juazeiro do Norte, um ato de rua para o dia 02 de outubro. As manifestações ocorrerão nacionalmente e, no Cariri, tem como ponto de concentração a Praça da Prefeitura, às 08 da manhã do referido dia na cidade citada.

As frentes, formadas por Unidade Popular pelo Socialismo (UP), Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), Partido Comunista do Brasil (PCdoB), Partido Comunista Brasileiro (PCB), Partido dos Trabalhadores (PT), Levante Popular da Juventude, União Juventude Rebelião, Movimento de Mulheres Olga Benário, Frente de Mulheres do Cariri, Movimento Passe Livre Já, entre outros, pretendem puxar palavras de ordem contra o governo Bolsonaro, tendo foco nas seguintes pautas:

Aceleração do processo de vacinação

Revogação das reformas neoliberais

Defesa do SUS

Diminuição do desemprego e melhoria das condições de vida da população

Instauração do passe livre e criação do Conselho Municipal de Transportes em Juazeiro do Norte.


27 de setembro de 2021

9 trabalhadores são resgatados de condições análogas à escravidão em Granja, no Ceará

 

Trabalhadores dormiam na parte externa do imóvel e conviviam com porcos e fezes de animais(FOTO/Divulgação/Ministério Público do Trabalho (MPT))

Uma operação de combate ao trabalho escravo, do Ministério Público do Trabalho no Ceará (MPT-CE), resultou no resgate de nove trabalhadores que estavam expostos a condições análogas à escravidão no município de Granja, a 332 quilômetros de Fortaleza. Os trabalhadores foram encontrados em uma residência destinada ao processo de extração da palha da carnaúba. A operação contou com apoio da Auditoria Fiscal do Trabalho e da Polícia Rodoviária Federal (PRF).

No local, conforme o MPT, os trabalhadores estavam alojados em uma casa abandonada, sem energia elétrica, água encanada e instalações sanitárias. Além disso, a fiscalização constatou que os empregados conviviam com porcos e fezes de animais, cozinhavam em fogareiro improvisado no chão e recebiam água acondicionada em vasilhames inadequados e com reutilização proibida, além de dormirem na parte externa do imóvel ou embaixo de um cajueiro.

De acordo com o procurador do MPT-CE, Leonardo Holanda, a situação gera uma grande preocupação, visto que o setor [extração da palha da carnaúba] estava em acessão para regularizar as relações de trabalho. “O que encontramos, não somente neste ponto de fiscalização, mas nos demais, foi que o setor recuou no cumprimento da legislação trabalhista e na regularização das relações de trabalho”, disse.

A equipe do MPT também constatou uma série de irregularidades trabalhistas, como ausência de contrato de trabalho e falta de equipamento de proteção. Além disso, os trabalhadores não tinham acesso a banheiros ou materiais de primeiros socorros nas frentes de trabalho. O local onde buscavam água para consumo era distante, cerca de mais de dois quilômetros da residência em que trabalhavam.

Após a inspeção no local e da gravidade do caso, foi realizado o resgate do grupo de trabalhadores e feita a rescisão indireta dos contratos de trabalho, com a retirada imediata do local. Foram realizados os pagamentos das verbas rescisórias e de todos os direitos trabalhistas devidos. O MPT destacou que os trabalhadores resgatados também receberão seguro-desemprego por três meses.

O POVO procurou o Ministério Público do Trabalho (MPT), por e-mail, questionando se, além do pagamento da rescisão de contratos de trabalho, houve atendimento pela assistência social para as vítimas. Bem como se alguma empresa ou responsáveis foram responsabilizados pela situação dos trabalhadores, e aguarda resposta.

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Com informações do O Povo.


26 de setembro de 2021

“Bolsonaro atualizou o afeto racista”, diz Jessé Souza em entrevista à Carta Capital

 

(FOTO/ Ruy Baron/Valor).

O sociólogo, pesquisador e escritor, Jessé Souza, concedeu uma entrevista à Revista Carta Capital e falou sobre seu novo livro “Como o racismo criou o Brasil”. Na conversa, ele contou como vê a situação atual do Brasil. Para Souza, “Bolsonaro atualizou o afeto racista e incorporou o racismo que já existe há mais de cem anos”.

Jessé, que é Professor convidado da Universidade de Sorbonne, na França, e pesquisador sênior da Universidade Humboldt, em Berlim, falou da imagem do brasil no exterior e como Bolsonaro está diretamente ligado a isto: “a imagem do Brasil no exterior é a pior possível, pois ela está ligada a Bolsonaro. É aquela pergunta: que país atrasado pode eleger Bolsonaro à Presidência da República? O que não se percebe é que isso vai se associar a cada brasileiro, assim como Hitler se associava aos alemães e Trump se associava aos norte-americanos”, disse o Professor.

O escritor tem em sua carreira os best-sellers “A guerra contra o Brasil” e “A elite do atraso: Da Escravidão a Bolsonaro”, livro no qual ele faz uma crítica aos grandes empresários, que mantém a economia brasileira e contribuem para a desigualdade, corrupção e estrutura racista. Em 2021, Jessé Souza publicou a obra “Como o racismo criou o Brasil”, nela desdobra as atualizações que o racismo sofreu dentro da sociedade brasileira em 40 anos.

Ele finalizou a entrevista deixando alguns questionamentos sobre a sociedade brasileira e a Operação Lava-Jato: “O que são aqueles jovens que passam 14 horas pedalando numa bicicleta para entregar a pizza quentinha, se não os novos escravos de ganho? A classe média branca e racista nunca se importou com a corrupção. A classe média sai às ruas quando? Quando Getúlio Vargas, João Goulart, Lula e Dilma queriam integrar negros e pobres. É só aí que essas pessoas se incomodam. Quando começam a entrar negros nas universidades. Não tem nada a ver com moralismo. Tem a ver com racismo” concluiu Jessé Souza.

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Com informações do Notícia Preta.

PSOL decide não lançar candidatura à presidência em 2022

 

Juliano Medeiros. (FOTO/ Reprodução).

Neste sábado, 25, o PSOL realizou o seu 7° Congresso Nacional e decidiu que o partido não vai lançar candidatura própria a presidência da República em prol da unidade do campo progressista.

A decisão foi tomada pela maioria dos 402 delegados e delegadas do partido que em comunicado afirmou que “as eleições de 2022 são parte decisiva do processo de superação da extrema-direita. É preciso reunir forças sociais e políticas para, em primeiro lugar derrotar Bolsonaro, e a partir de 2023 lutar pela superação da profunda crise social, política, econômica, sanitária e ambiental que vivemos”.

Com isso, uma clara sinalização de que o PSOL vai apoiar a candidatura do ex-presidente Lula (PT) no próximo ano. É a primeira vez na sua história que o partido abriu mão publicamente de lançar candidatura própria ao Palácio do Planalto.

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Com informações do O Cafezinho.

25 de setembro de 2021

Durban +20: nova declaração reforça visão de mundo sem racismo e discriminação


Documento da Assembleia-Geral marca duas décadas da conferência internacional sobre o tema realizada na África do Sul; debate na ONU focou em indemnização, justiça racial e igualdade; presidente do órgão destaca racismo entre falhas que foram agravadas na pandemia; secretário-geral criticou aumento da intolerância.

A Assembleia Geral das Nações Unidas marcou esta quarta-feira o 20º aniversário da adoção da Declaração e do Programa de Ação de Durban, em uma reunião de alto nível.

No evento, foi adotada uma nova resolução contra racismo, discriminação racial, xenofobia e intolerância correlata. Portugal também coordenou a interação entre os Estados-membros, através do embaixador Francisco Duarte Lopes.

Xenofobia

Quisemos falar com todos, desde o início, precisamente por causa dessa convicção que nos une, a nós e os colegas sul-africanos com quem cofalilitamos esta declaração política e da Organização, ou da preparação das comemorações dos 20 anos. Precisamente porque estávamos e estamos convictos de que tratando-se de um valor central entre os princípios das Nações Unidas, que a todos uniria independente da opinião de cada país sobre o processo de Durban, e independentemente da forma que cada um leva a cabo a luta contra o racismo e a discriminação racial, achamos que era um assunto que a todos unia e deveria continuar a unir.”

A resolução apela aos países para assumirem um compromisso total e intensificarem os esforços para a eliminar todas as formas de racismo e de discriminação racial, xenofobia e intolerância.

A ONU convida as entidades internacionais e regionais, como Parlamentos, sociedade civil, setor privado e academia a se juntarem e continuarem a cooperar com os órgãos de direitos humanos da organização para cumprir esse propósito.

Direitos Humanos

O documento destaca ainda o impacto desproporcional que a Covid-19 teve nas desigualdades nas sociedades. A situação piorou o status de minorias raciais, étnicas e outros grupos.

Entre os mais afetados estão asiáticos e pessoas de ascendência asiática, especialmente mulheres e meninas. Elas foram vítimas de violência racista, ameaças de violência, discriminação e estigmatização.

O debate de chefes de Estado e de governo esteve em volta do tema “Reparações, Justiça Racial e Igualdade para os Afrodescendentes”. Para o secretário-geral António Guterres, a oportunidade é importante para refletir sobre o futuro.

Para ele, quando esta forma de preconceito é estrutural, aliada à injustiça sistemática, acaba por negar os direitos humanos essenciais.

Declaração

O líder das Nações Unidas assinalou que o racismo e a discriminação racial ainda acontecem em instituições, nas estruturas sociais e na vida quotidiana em cada sociedade.

Foi na Conferência Mundial realizada em 2001 que líderes mundiais adotaram, por consenso, uma declaração política. O documento proclamou a “forte determinação em fazer a luta contra o racismo, a discriminação racial, a xenofobia e a intolerância correlata e a proteção das vítimas, uma alta prioridade para os países”.

Guterres indicou que entre os mais afetados estão “africanos e afrodescendentes, comunidades minoritárias, povos indígenas, migrantes, refugiados, pessoas deslocadas e tantos outros que continuam a enfrentar o ódio, a estigmatização”, ou ainda a ser “bodes expiatórios e vítimas da discriminação e violência.”

Afrodescendentes

O secretário-geral disse ainda que o uso da intolerância contra as minorias ou a manifestação de estereótipos antissemitas, discurso anti-muçulmano, odioso e afirmações infundadas denigrem o combate ao racismo.

Analisando o cenário global, Guterres disse que o movimento pela justiça e igualdade racial é um novo despertar. Muitas vezes liderado por mulheres e jovens este tipo de expressão “criou um ímpeto que deve ser aproveitado”.

Já o presidente da Assembleia Geral disse que a pandemia agravou as condições já existentes e expôs várias falhas, incluindo em relação ao racismo. Abdulla Shahid disse haver pessoas marginalizadas e vulneráveis que ficaram ainda mais para trás.

O representante apontou áreas como saúde, educação e segurança, onde essas fraquezas estruturais já existiam e “eram uma receita para o desastre, e onde a Covid-19 piorou a divisão e a injustiça”.

Década Internacional

Entre as lições a serem aprendidas dos afetados pelo racismo, Shahid destacou a consciência global para reconhecer essas falhas e buscar a igualdade racial.

A meta é que a divisão seja ultrapassada e criada resiliência para os que têm sido esquecidos.

INDEPENDENTEMENTE DA FORMA QUE CADA UM LEVA A CABO A LUTA CONTRA O RACISMO E A DISCRIMINAÇÃO RACIAL, ACHAMOS QUE ERA UM ASSUNTO QUE A TODOS UNIA E DEVERIA CONTINUAR A UNIR.

A alta comissária para os Direitos Humanos, Michelle Bachelet, disse que duas décadas depois de Durban as desigualdades e o sofrimento gerados por essas práticas ainda são sentidos.

Bachelet apontou vítimas como “africanos, afrodescendentes, asiáticos, seus descendentes e minorias e vítimas de antissemitismo, indígenas e migrantes” devido às práticas discriminatórias que ainda fazem recuar e prejudicam sociedades.

Combater o racismo

Para a alta comissária, “é vital que o mundo possa ultrapassar as controvérsias e unir-se para combater o racismo e discriminação que esteja relacionada à prática no mundo atual”.

Ela destacou passos já dados que podem fundamentar “uma mudança real” como a proclamação da Década Internacional dos Afrodescendentes, a criação do mecanismo para justiça racial e para fazer cumprir a lei e a operacionalização do Fórum de Afrodescendentes.

Em julho, o Escritório dos Direitos Humanos reforçou a arquitetura contra o racismo.

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Com informações do Geledés.


24 de setembro de 2021

Exposição conta a história de Carolina Maria de Jesus, uma das mais importantes escritoras do país

 

Carolina Maria de Jesus (FOTO/ Acervo IMS).

Mulher, negra, semianalfabeta, catadora de papelão. Poderia ser mais uma história de sofrimento das tantas que o Brasil coleciona, se não fosse a determinação e a ousadia de Carolina Maria de Jesus, uma das mais importantes escritoras do país.

E, pela primeira vez, a vida e a obra dela saíram dos livros e foram parar em uma das principais salas de exposição de São Paulo. A mostra “Carolina Maria de Jesus: um Brasil para os brasileiros” ocupa dois andares do Instituto Moreira Sales, na Avenida Paulista, a partir deste sábado (25).

No processo de pesquisa para montar essa exposição, os curadores foram atrás de manuscritos originais e descobriram um verdadeiro tesouro – a maior parte da obra dela ainda não foi revelada.

Cerca de 80% do material é inédito. “O público vai encontrar uma Carolina escritora, multiartista, que também foi cantora, escritora de contos, crônicas, letras de música, peças de teatro, artista têxtil que confeccionou vestidos e adornos para desfile. Foi uma intérprete do Brasil”, explicou Hélio Menezes, curador da exposição.

Foram quase 6 mil paginas escritas à mão, sendo que muitas ajudaram a embalar o sono de Vera Eunice de Jesus, professora e filha da escritora.

Ali eu ficava a noite inteira, quietinha ali, com aquele barulho da caneta tinteiro, que dá um arrepio. Até hoje eu tenho essa caneta tinteiro na cabeça, mas, ali, eu ficava com ela”, contou Vera ao Bom Dia São Paulo.

A mostra também traz obras de outros artistas, que dialogam com o legado de Carolina, como uma chamada “Meu lindo colar de pérolas”.

Eu tenho que ter muita responsabilidade para representar essa mulher, essa grande mulher, que foi Carolina Maria de Jesus. E eu, como artista, ouvi muito sobre ela, pesquisei muito, e falei: ‘Nossa, ela precisa de um colar, que vai se chamar ‘Meu lindo colar de pérolas””, disse a artista Lídia Lisbôa.

‘Quarto de Despejo’

Neta de escravos e filha de mãe analfabeta, Carolina nasceu em Minas Gerais e, em 1947, veio para São Paulo. Ela foi morar na favela do Canindé, que ficava às margens do Rio Tietê.

Chegou a passar fome e morar na rua. Dessa experiência e de uma profunda capacidade de observação, ela tirou a inspiração para escrever a sua principal obra: “Quarto de Despejo”.

Quando ela recebe o livro ‘Quarto de Despejo’ impresso, ela coloca assim, no alto, eu lembro como se fosse hoje, e ela lê. Eu vi a felicidade no olhar dela – ‘Carolina Maria de Jesus, Quarto de Despejo’. Ela estava muito feliz porque tinha alcançado o objetivo dela”, contou Vera.

O livro já vendeu 3 milhões de cópias e foi traduzido para 16 línguas.

O biógrafo de Carolina, o jornalista Tom Farias, conta que os acadêmicos rejeitaram muita coisa que ela escreveu por causa dos “erros de português”.

Tom Farias defende que o sucesso que os livros dela fazem até hoje no mundo todo comprova a qualidade do material. “A voz do negro no Brasil, desde 1500, quando começaram a vir as primeiras levas de escravizados pra cá, nunca foi ouvida, né, e a Carolina veio no século 1920 pra quebrar esse estigma de que o negro não tem voz”, afirmou.

Já a filha diz que ela escrevia em “pretoguês”. “Nós estamos no século 21, esse livro é da década de 1940, 1937, e os problemas continuam vigentes porque a gente vê todos dias acontecerem essas coisas, essa discriminação, essa violência. Então, eu sempre digo que a Carolina de Jesus é uma escritora atual”, disse Vera.

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Com informações do Geledés.