13 de maio de 2018

A polêmica Ciro Gomes e o irracionalismo na política, por Miguel do Rosário


(Foto: Reprodução/ Blog o Cafezinho).


O debate sobre o apoio a Ciro Gomes ficou temporariamente interditado pelo irracionalismo. “Isso não é mais debate, Miguel, é guerra de bugio, como dizemos aqui no sul”, desabafou um amigo, apreensivo com o rumo que as coisas tomaram. Este amigo, um intelectual bem relacionado nos altos círculos do PT, que trabalhou no governo, era um dos mais entusiasmados com a possibilidade de uma aliança do partido com Ciro Gomes. E assustou-se com a gritaria. Mas assustou-se porque deseja a aliança, e tem medo que o barulho atrapalhe a construção de um entendimento.

Miguel, você viu o post publicado agora no 247″, e me mandou o link de um artigo de Carlos D’Incao, intitulado “Afinal quem é Ciro Gomes”. D’Incao é um historiador que tem posições duras contra qualquer um que não seja do PT. Em março deste ano, atacou Guilherme Boulos e Manuela D´Ávila, num artigo bastante agressivo, no qual acusa ambos de fazerem o jogo da direita e serem “esquerdotoches” :

Trecho:

[Boulos e Manuela] fazem exatamente aquilo que o grande capital e as forças neoliberais querem. Ao se lançarem como supostas “opções”, jogam abundante água no moinho da direita, que apresenta de forma entusiasmada uma suposta “nova esquerda”, distanciada da “velha e obsoleta” esquerda de Lula e do PT. E essa “nova esquerda” já nasce batizada: são os “esquerdotoches”. O suposto campo progressista que se diz de esquerda, mas que atua exatamente como a direita quer.Boulos foi o último dos “esquerdotoches”. 
Mas ninguém deu muita bola para o post. Seu artigo contra Ciro teve melhor sorte, pois veio de encontro à onda de sectarismo que varreu o PT nos últimos dias.

O artigo é uma coleção de picaretagens retóricas. Tudo se resume a uma acusação: que Ciro mudou de partido várias vezes e que é de… direita.

Essas acusações de mudança de partido, contra o Ciro, vindas do PT, tem um aspecto profundamente injusto: Ciro passou por várias legendas, sim, mas o fazia para continuar apoiando os governos petistas. Conforme as legendas em que ele entrava iam abandonando o governo e migrando à direita, ele entrava em outro partido, à esquerda, que fazia parte da base aliada dos governos Lula/Dilma, aos quais serviu com rara (e põe rara nisso!) lealdade!

Recapitulemos o histórico partidário de Ciro.

Ciro foi, de fato, filiado ao PDS (ex-Arena), partido de seu pai. Foi o único partido de direita de que participou. Mas já em 1983,  com menos de 25 anos, transferiu-se para o PMDB, que era a esquerda possível naqueles tempos bicudos. Desde o início da década de 90, Ciro fala sobre seu período no PDS com muito constrangimento, enfatizando que era ligado à “esquerda católica”. Não sei até que ponto Ciro tenta negar o passado, mas é fato é que ele jamais se orgulhou de ter participado, mesmo que brevemente, de um partido conservador.

Ciro foi fundador do PSDB, legenda criada em 1988. Todos se lembram que o partido não era a legenda conservadora e neoliberal de hoje: era o partido da social-democracia, de Mario Covas, Bresser Pereira, e de um FHC apoiado por ninguém menos que Lula!

(Foto: Reprodução/ Blog o Cafezinho).

Lembro-me que meu pai, um homem de esquerda e uma pessoa extraordinariamente generosa e comprometida com valores democráticos, foi eleitor do PSDB até o início de 1999, quando morreu. Discutíamos em casa amigavelmente, porque eu sempre fui Lula.

Ser do PSDB, naqueles tempos, não era ser de “direita”. Pelo menos não até o PSDB ser transformado e corrompido pelo poder.

Ciro sai do PSDB em 1996, ou seja, no ano seguinte à chegada do partido ao poder, antes da guinada conservadora de FHC. Antes da privataria. Antes mesmo do jogo sujo da reeleição, quando o partido suborna deputados para aprovar a emenda que permitiria a FHC esticar seu mandato por mais quatro anos.

Por que Ciro Gomes sairia de um partido que estava no poder, e que permaneceria no poder até 2002?

Quando a gente critica um político que muda de partido, devemos ser justos para fazer a seguinte avaliação: foi o político que mudou, ou foi o partido?

Em 1997, Ciro Gomes ingressa no PPS, que era o novo nome do Partido Comunista Brasileiro. A partir daí, Ciro transitará, pelos próximos 21 anos (com exceção de uma estadia relâmpago no PROS), apenas em legendas identificadas programaticamente com o socialismo e esteve sempre ao lado de Lula, em quem (diz o próprio Ciro) vinha votando, no primeiro ou no segundo turno, desde 1989.

Ciro Gomes sai do PPS quando o partido rompe com Lula em 2004, e ingressa no PSB, na época um importante partido da base aliada. Saiu na hora certa.

Ciro sai do PSB em 2014, quando Eduardo Campos, presidente nacional do partido, lança uma candidatura própria, com uma plataforma de direita. Ciro defendia, junto com seu irmão Cid, que o PSB continuasse alinhado ao PT, e apoiasse a candidatura de Dilma Rousseff. De novo, saiu na hora certa.

Nesse processo de transição, Ciro fica alguns meses no PROS, partido recém-criado por uma articulação meio bizarra, de empresários e políticos de direita e esquerda, com objetivo de esvaziar a direita, sobretudo o DEM, e fortalecer a base do governo.

Desde 2015, Ciro Gomes está no PDT, a legenda criada por Leonel Brizola.

As especulações sobre uma aliança entre PT e Ciro Gomes rolam desde 2016, mas se intensificaram há dois meses,  após a condenação de Lula em segunda instância.

A diferença entre políticos profissionais e militantes é que os primeiros precisam enxergar a situação com mais realismo, mais pé-no chão, e os governadores são os mais preocupados com a indefinição do quadro, porque à aflição de administrar seus estados numa relação cada vez mais difícil com a União, e numa conjuntura de terrível crise fiscal e crescente endividamento, soma-se a necessidade de consolidar, desde já, alianças e estrategias para as eleições estaduais.

Alguns blogs políticos da Bahia começaram a publicar notas sobre uma suposta articulação de Rui Costa, governador do PT, em prol de Ciro Gomes. A informação, que vinha da coluna Painel da Folha, disseminou-se como um rastilho de pólvora pela imprensa política baiana, e seria confirmada meses depois, com uma entrevista também à Folha de outro baiano peso-pesado, Jaques Wagner, um dos cérebros do PT e segundo homem na linha “sucessória” de Lula. Wagner afirma a Folha que há, sim, a possibilidade de uma composição com Ciro Gomes.

A entrevista gerou mal estar em algumas áreas do PT, obrigando a presidenta do partido, Gleisi Hoffmann, a fazer um teatrinho com Wagner, fingindo que o enquadrava. O próprio Wagner, de olho nas reações, faz um gesto de recuo, dizendo que o Lula ainda era a prioridade, e que não tinha dito exatamente aquilo que dissera. Alguns petistas começaram a espalhar que houve erro de “interpretação”, fake news, e que a fala de Wagner não tinha jamais existido.

Uma semana depois da entrevista de Wagner, e como num movimento coordenado, Flavio Dino sinalizou na mesma nessa direção, ao defender, em entrevista à Folha, que os partidos de esquerda, PT, PCdoB e PSOL, abrissem mão de suas candidaturas, e apoiassem Ciro Gomes. A declaração de Dino se destinava sobretudo ao PT, naturalmente. Manuela D’Ávila, candidata do PCdB, que aparentemente não foi pega de surpresa, reagiu com uma frase do tipo: “por mim, tudo bem”. Boulos nem comentou, porque é impossível o PSOL participar de uma frente como essa num primeiro turno. A reação agressiva veio desse lulismo difuso, não necessariamente identificado com o PT, além das áreas menos flexíveis da militância petista.

Diante do burburinho, Dino divulga uma mensagem no Twitter, com uma platitude qualquer, também para acalmar os setores mais irritados do PT. Mas não retira o que disse.

A direção petista, por enquanto, parece acuada por setores agressivos da militância, que começaram a fazer campanha contra Ciro Gomes como se ele fosse o principal inimigo.

Mas, ora bolas! O Brasil vive o momento mais dramático da nossa história, e as chances de Lula obter o direito de disputar as eleições, ou de conseguir governar, caso seja candidato e ganhe, são absolutamente nulas.

Com Ciro, temos um candidato bem posicionado nas pesquisas, que ganha da direita tranquilamente no segundo turno, cujo partido tem sinalizado, desde 2016, que deseja o apoio do PT, que tem feito uma campanha ousadamente nacionalista e progressista, defendendo uma vigorosa reindustrialização do país, a volta do investimento público, a revogação da reforma trabalhista, a desapropriação dos campos de pré-sal entregues aos estrangeiros.

E o que faz a militância petista? Começa um campanha de agressão a Ciro Gomes?

Por exemplo: há um vídeo correndo por aí de Ciro Gomes em que menciona um possível apoio a campanha presidencial de Aécio Neves em 2010. O vídeo é  provavelmente de 2008 ou 2009, ou mesmo antes, quando Aécio ainda era um governador popular em Minas, que dialogava muito bem com a esquerda, a ponto de receber, frequentemente, elogios de Lula e Dilma. Aécio teria sido o fiador político da série de investigações de Amaury Ribeiro, que resultariam no livro Privataria Tucana, uma obra fundamental para derrotar o PSDB nas eleições de 2010. As pessoas não se lembram, mas Aécio quase saiu do PSDB naquele ano. Havia um assédio (no bom sentido) do PT e do PMDB para que ele entrasse no PMDB e aderisse ao governo. Até mesmo Dilma, em 2010, segundo a Folha, teria defendido uma “dobradinha” com Aécio Neves nas eleições.

Em 2009, em entrevista a uma rádio em Minas Gerais, Dilma Rousseff, então ministra da Casa Civil do governo Lula, diz que Aécio era um dos melhores governadores do Brasil. Em 2014, a campanha de Aécio vai abusar desses vídeos.

A política dá tantas voltas que algumas coisas hoje parecem inverossímeis. Reportagem da Folha de 15 de maio de 2007 diz que “Lula não descartou hoje a possibilidade de apoiar Aécio Neves para a presidência da república”.


Reparem que Lula cogita inclusive apoiar Aécio Neves mesmo se ele permanecer no PSDB… “O candidato [da base aliada] pode ser do PSDB?”, pergunta Lula, misteriosamente. Se o PT, no auge de sua popularidade, em 2007, quando tinha enfim superado a sua primeira grande crise e obtido uma vitória eleitoral esmagadora em 2006, cogitava apoiar Aécio Neves para presidente da república, por que cargas d´água não pode agora apoiar Ciro Gomes?

O triunfalismo de parte do PT, que fala que o partido é grande, que ganhou quatro eleições, que tem tantos deputados, peca por esquecer o principal: o partido foi derrubado por um golpe que produziu a maior crise política e econômica em muitas décadas. Os mesmos setores que derrubaram Dilma, continuam aí, mais fortes do que nunca. Para vencê-los, é óbvia a necessidade de ampliar o arco de alianças. A ideia de driblar a rejeição ao PT dentro dos círculos de poder (em especial nas corporações), através do lançamento de uma cara nova, precisa ser levada em consideração!

Entendem porque este sectarismo de setores do PT, com essas táticas de divulgar vídeozinhos antigos de Ciro, é tão sem noção? O jogo político naquele tempo era esse mesmo. Lula e seus aliados, entre os quais Ciro Gomes, cercavam Aécio para dividir o PSDB, e conseguir governar. E conseguiram.

Em 2010, Ciro Gomes teria papel central na campanha de Dilma Rousseff, como coordenador de sua campanha no segundo turno.

Outro fator curioso é o súbito esquerdismo radical do PT.

Duas outras peças circularam nas últimas 24 horas contra o Ciro. Um é o artigo de André Singer, que ganhou o seguinte título no 247: “Steinbruch afasta Ciro da esquerda”.

O mesmo blog resumiu o artigo assim:

André Singer analisa, na Folha, a possibilidade de o dono da Companhia Siderúrgica Nacional, Benjamin Steinbruch vir a ser vice de Ciro Gomes, depois de ter se filiado ao PP: “A filiação do empresário de modo a poder ser vice na chapa de Ciro Gomes expressa as ambiguidades que cercam a candidatura do ex-governador cearense”, escreve ele. “O pragmatismo de Ciro é compreensível” continua. “Trata-se de um político profissional disposto a fazer o necessário para ganhar. Atrair um grande capitão de indústria, como fez Lula com José Alencar, soma. Do ponto de vista da esquerda, entretanto, tais manobras complicam a formação de um programa comum”

Várias perguntas se impõem simultaneamente: O que significam essas frases: “o pragmatismo de Ciro é compreensível”, “político profissional disposto a fazer o necessário para ganhar”? Isso são elogios ou xingamentos? Detalhe: Ciro ainda não definiu quem será seu vice. Daí Singer fala que Ciro Gomes está imitando Lula, atraindo um “capitão da indústria”, mas ao mesmo tempo afirma que “do ponto-de-vista da esquerda, entretanto, tais manobras complicam a formação de um programa em comum”. Hum? Se Lula fez, porque Ciro não pode fazer? Por acaso o Brasil vive hoje um grande boom do pensamento revolucionário de esquerda? Singer acha que o eleitorado lulista ficará horrorizado se Ciro Gomes imitar… Lula?

Por fim, e encerrando o post, temos um virulento ataque de Luizianne Lins (PT) a Ciro Gomes. Mais uma vez, recorro ao 247:

A ex-prefeita de Fortaleza e deputada federal Luizianne Lins (PT) rechaçou a possibilidade de o ex-governador Ciro Gomes (PDT) representar a esquerda na eleição presidencial. “De jeito nenhum!”, disse; “Eu não acho que ele tenha trajetória de esquerda, que ele tenha pensamentos de esquerda, eu não acho que tem sintonia com a esquerda brasileira, muito menos acho que o PT o apoiaria ou sairia como vice dele

Isso aí tem um nome: irresponsabilidade. Não sei de onde a deputada tirou tanto esquerdismo. Ela parece estar se referindo a uma eleição de grêmio estudantil. Como vimos, não é, definitivamente, algo que ela aprendeu com Lula.

Além do mais, não é verdade. Qualquer um que assista a uma entrevista de Ciro Gomes, identificará um discurso muito claro de esquerda. Ele defende um processo vigoroso de reindustrialização, ampliação dos investimentos públicos, retomada de uma política externa independente, impostos progressivos, tributação de lucro e dividendos, desapropriação dos campos do pré-sal entregues a multinacionais. Mais esquerda que isso? Querem o que? Que Ciro cante a Internacional Socialista na TV? Me admira muito ver setores do PT aderindo à essa vulgar demagogia ideológica!

Ciro não é, evidentemente, perfeito. Eu sei qual o problema dele com a esquerda “militante”: o jeito “mandão”, o ar arrogante, tipo “coronel”, que as pessoas não costumam identificar nos quadros de esquerda, os quais ou são irreverentes, estilo povão bem humorado, como Lula, que finge uma simplicidade que nunca teve (é muito mais sofisticado que muitos intelectuais), ou são quietos, tímidos, como Pimentel, governador de Minas, e Wellington Dias, do Piauí. Haddad e Jaques Wagner, apesar de intelectuais, falam manso, voz baixa, como pessoas sempre dispostas a pedir desculpas. Procuram sempre se expressar de maneira simples, didática, como se estivessem dando aula para crianças. Neste sentido, são parecidos com os tucanos: Serra, Alckmin, FHC falam como se os ouvintes fossem idiotas ou tivessem seis anos de idade. Falam lentamente, repetindo mil vezes a mesma expressão, como se a gente não tivesse entendido da primeira vez. Ciro fala alto, nervosamente, gesticulando, usando palavras difíceis, como um coronel tentando impressionar o pião, e sempre com um risinho sarcástico no canto da boca. Entretanto, isso é apenas um aspecto superficial de sua personalidade, um trejeito, não tem a ver necessariamente com sua maneira de ver o mundo, que deve ser analisada a partir de suas ideias. Haddad, como presidente, provavelmente seria muito mais tucano do que Ciro Gomes.

Ciro Gomes e seu irmão, Cid, são aliados do PT no Ceará. Apoiaram a eleição de Camilo Santana em 2014, do PT, e hoje apoiam sua reeleição. A manifestação de Luizianne, portanto, beira a traição política: Ciro Gomes é o mais importante aliado de seu partido no Ceará. Para que esse tipo de agressão? É óbvio que há um fator pessoal, menor, por trás.

Seja como for, acho que o ruído em torno dessa possível aliança Ciro Gomes e PT só atingiu esse nível porque é algo realmente possível. O PT precisa ter coragem e enfrentar os setores mais radicalizados de sua militância. Para isso serve a liderança política. O partido tem de conduzir, não ser conduzido, porque ele tem acesso a um conjunto maior de informações do que a maioria das pessoas. A direção do PT precisa emitir sinais claros, fortes, que orientem sua militância no sentido de convergir para um objetivo comum, até porque, no segundo turno, haverá necessidade de união. Talvez já no primeiro.

Ninguém vai esquecer Lula ou interromper a luta por sua liberdade. Muito pelo contrário. A luta por liberdade de Lula ficará muito mais fácil de ser conduzida, se se desligar da utopia impossível de torná-lo candidato. O custo político dessa operação é alto demais, e representará desperdício de recursos políticos, morais e financeiros.

#lulalivre #esquerdaunida
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Publicado originalmente no Blog O Cafezinho

130 anos da abolição: Projeto Escola Sem Partido impede professor de condenar escravidão


Professor Nicolau Neto em diálogo com estudantes do 9º Ano da Escola 18 de Dezembro, em Altaneira, sobre o nefasto esteriótipo e a estigmatização do negro e da negra na mídia brasileira, principalmente a televisa.
(Foto: Cláudio Gonçalves).

Neste Domingo completam 130 anos as dezessete palavras que, ordenadas em dois artigos, mudaram a história:

É declarada extinta, desde a data desta lei, a escravidão no Brasil. Revogam-se as disposições em contrário”.

Na tarde de 13 de maio de 1888, a Lei Áurea foi sancionada pela princesa imperial regente, Isabel Cristina Leopoldina Augusta Micaela Gabriela Rafaela Gonzaga de Bragança Bourbon e Orleans. Um nome quase tão extenso quanto a lei assinada por ela – duas letras a menos, conforme a grafia em vigor mais comum.

O Brasil foi o derradeiro país das Américas e do Ocidente a eliminar aescravidão. No mundo, o último foi a Mauritânia. Inexistiram generosidade da princesa Isabel e grandeza do imperador Pedro II. A condição de quase lanterninha na medida emancipatória trai o bolor dominante nas cacholas da família de monarcas prognatas.

Movimentos vigorosos, dos quilombos e revoltas negras às campanhas em salões ilustrados do Império, conquistaram a Abolição. Sem políticas que reduzissem a assimetria social, a desigualdade racial perdurou – e perdura. O Instituto de Segurança Pública do Rio de Janeiro divulgou na sexta-feira o Dossiê Mulher 2018. Com base nos homicídios propositais do ano passado, concluíram que o risco de uma mulher negra ser morta no Estado é o dobro do que espreita uma branca.

Cento e vinte e seis anos, dez meses e dez dias depois da Abolição, o deputado Izalci Lucas apresentou um projeto de lei à Câmara. “Dia histórico”, o 23 de março de 2015, festejou o movimento Escola SemPartido. “Trata-se de uma iniciativa destinada a entrar para a história da educação em nosso país.”

Se vingar, o projeto de lei 867 entrará mesmo para a história, mas impedirá que sejam contadas nos colégios e universidades histórias como a da Abolição.

Anatomia do projeto

O tucano do Distrito Federal pretende incluir “entre as diretrizes e bases da educação nacional o ‘Programa Escola Sem Partido’”. Apregoa proteger os alunos da “doutrinação política e ideológica” que professores hoje perpetrariam. Até janeiro, uma equipe de acadêmicos opositores do EscolaSem Partido inventariou 158 propostas (a maioria projetos de lei) protocoladas no Senado, na Câmara dos Deputados, em Assembleias Legislativas e Câmaras Municipais. Todas aparentadas à do deputado Izalci. Dezesseis haviam sido aprovadas. A maioria tramita.

O projeto de Izalci Lucas prescreve “neutralidade política, ideológica e religiosa do Estado”.

Não peita, porém, a invocação “sob a proteção de Deus” inscrita no preâmbulo da Constituição, à qual devem obediência também os que reconhecem muitos deuses ou nenhum Deus. Mas o busílis é outro: como exigir neutralidade se a Carta de um século depois da Abolição toma partido do “regime democrático”? – isso é política. “A propriedade atenderá a sua função social”, determinação constitucional, é escolha ideológica. Propriedade rural onde se flagrar “exploração de trabalho escravo” será destinada à reforma agrária – eis outro desprezo pela neutralidade impossível.

O projeto estabelece que o professor “respeitará o direito dos pais a que seus filhos recebam a educação moral que esteja de acordo com suas próprias convicções”.

Portanto, presume-se que se mãe, pai ou qualquer responsável se entusiasmar retrospectivamente com a escravidão o professor será proibido de informar que a Declaração Universal dos Direitos Humanospreconiza que “ninguém será mantido em escravatura ou em servidão”. E não poderá estimular a identificação – opção em certo aspecto moral – com o documento adotado pelas Nações Unidas em 1948. Com pais devotos do lema exterminador “bandido bom é bandido morto”, o professor omitiria dos estudantes a trajetória sangrenta de esquadrões da morte e escantearia pensamentos humanistas.

E se em casa os mais velhos forem stalinistas empedernidos? A escola terá de calar sobre o caráter da maior farsa judicial do século 20, os Processos de Moscou, que condenaram os líderes bolcheviques veteranos à morte. Se a família cultivar crenças criacionistas, o perigo será reivindicarem a incineração de livros didáticos com lições de Darwin. A professora de biologia que abra o olho.

Se a vontade do deputado amigo do Escola Sem Partido prevalecer, cada sala de aula terá afixado um cartaz com no mínimo 70 centímetros de altura e 50 de largura. Uma das ordens a constarem dele:

Ao tratar de questões políticas, sócio-culturais e econômicas, o professor apresentará aos alunos, de forma justa – isto é, com a mesma profundidade e seriedade –, as principais versões, teorias, opiniões e concorrentes a respeito.”

Ao pé da letra, o dever do professor deixaria de ser o de esclarecer fatos e iluminar controvérsias. É recomendável que o docente descreva abordagens distintas sobre o aquecimento global. No entanto, configura crime de lesa-ensino ocultar a comprovação científica do fenômeno. E se os pais jurarem que a lei da gravidade não passa de patranha? Tem maluco para tudo. O professor menciona grupos racistas atuantes mundo afora, mas expor teorias “supremacistas” com a mesma “seriedade” das razões de quem rechaça o racismo seria leniência com o mal. Se a família é racista, que se dane – professores têm obrigação de contribuir para a formação de gente tolerante e decente. E se um pai for adepto de violência doméstica? Mais um assunto no index.

O projeto interdita “a prática de doutrinação política e ideológica bem como a veiculação de conteúdos ou a realização de atividades que possam estar em conflito com as convicções religiosas ou morais dos pais ou responsáveis pelos estudantes”.

Sala de aula não é palco para proselitismo político. Porém, não é “doutrinação” explicar que transfusões de sangue salvam vidas, aceitem-nas ou não pais Testemunhas de Jeová. O Estado é laico.

Educação sobre reprodução humana, em linguagem compatível com cada faixa etária, não pode ser banida porque na mesa do jantar falaram que a cegonha trabalha no Sedex de bebês. A cabeça medieval de certos responsáveis não é motivo para o Estado escamotear a prevenção de doenças sexualmente transmissíveis. Se papai e mamãe nutrem ojeriza por Chico Buarque e Rita Lee, as crianças não têm por que não tocar suas canções, sambas e rocks nas sessões escolares de flauta doce. E se embatucarem que o sol gira em torno da Terra?

Se aplicada ao pé da letra, a proposta retiraria dos professores a prerrogativa de dizer que a escravidão constituiu infâmia, bem como as chibatas que castigavam africanos e seus descendentes; que a violência sexual contra as mulheres escravizadas alimenta ainda hoje selvageria semelhante; que quilombolas eram criminosos somente nos termos da legislação escravocrata; eles exerceram o legítimo direito de se rebelar contra a opressão.

Essas são afirmações e interpretações de conteúdo político, ideológico e moral. E se estiverem “em conflito” com pais que consideram merecida a tortura de seres humanos escravizados, como punição por desobediência? E se famílias herdeiras de senhores de escravos perorarem que, considerando a época em que vigorou, a escravidão não foi moralmente tão nefasta assim, pois turbinou a economia agroexportadora e coisa e tal? Podem evocar a Bíblia, para justificar o escravismo, como já aconteceu em numerosos países.

O projeto suprime a voz do professor que quer tomar partido e declarar que a escravidão foi ultrajante. Se não declara, ele conta qualquer história, mas não a da escravidão.

As proposições legislativas embaladas como Escola Sem Partido ou rótulos assemelhados são sementes de leis da mordaça. Pugnam pela censura.

Confrontam a Constituição de 1988, que assegura: “É livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença”. No ensino, resguarda a “liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber”.

No ano-fetiche de 1968, os muros de Paris telegrafaram ao mundo a proclamação libertária “É proibido proibir”.

Se o movimento Escola Sem Partido impuser o silêncio, talvez apareça um fanático sugerindo que as revoltas de cinquenta anos atrás sumam dos livros de história.

Anatomia do movimento

O advogado Miguel Nagib, criador em 2004 do Escola Sem Partido, participou de uma audiência pública na Câmara no ano passado. Estava em debate outro projeto de lei com o DNA do movimento. Ao criticar observações sobre a capacidade, mesmo relativa, de discernimento dos alunos, Nagib atacou: “É um argumento típico dos estupradores que alegam em sua defesa que aquela menina de doze anos que eles acabaram de violentar não é tão inocente quanto parece”.

Essa é a pegada do Escola Sem Partido, cuja página na internet dá a impressão de se inspirar no macarthismo de meados do século passado. Nos Estados Unidos, o senador Joseph McCarthy caçava comunistas e bruxas. Aqui, Nagib e aliados como o autointitulado MBL caçam comunistas na pele de professores. “Flagrando o doutrinador” é um dos títulos estampados na página. Denunciam nominalmente um professor “filmado por uma de suas vítimas em pleno ato de incitação de ódio aos EUA”.

Entre os “procedimentos utilizados pelos mestres da militância” estariam se desviar “frequentemente da matéria objeto da disciplina para assuntos relacionados ao noticiário político ou internacional”. Outro: o professor “ridiculariza, desqualifica ou difama personalidades históricas, políticas ou religiosas”.

Por que maldizer um padre comprovadamente pedófilo seria difamação? Mussolini é “personalidade histórica”; não pode ser desqualificado? Chamar o ditador Pinochet de ditador seria impropriedade?

Mais um título, “Conselho aos pais”. Ei-lo: “Processem por dano moral a escola e os professores que transmitirem conteúdos imorais aos seus filhos”.

Seria imoral uma aula sobre a diversidade da composição das famílias contemporâneas?

Fornecem um modelo de notificação extrajudicial: “Elaboramos um modelo de notificação anônima”. Ameaçam o destinatário, enumerando leis, com processos, detenção por seis meses e perda de cargo, emprego e patrimônio. Muitos projetos de lei preveem punições funcionais. Outra chamada: “Planeje sua denúncia”.

Não encontrei a palavra deduragem e a sugestão de introduzir uma disciplina técnica para formação de alcaguete.

Miguel Nagib define o Escola Sem Partido como “uma iniciativa conjunta de estudantes e pais preocupados com o grau de contaminação político-ideológica das escolas brasileiras, em todos os níveis: do ensino básico ao superior. A pretexto de transmitir aos alunos uma ‘visão crítica’ da realidade, um exército organizado de militantes travestidos de professores prevalece-se da liberdade de cátedra e da cortina de segredo das salas de aula para impingir-lhes a sua própria visão de mundo”.

Em seu perfil no Facebook, ele compartilha mensagens do jurista Ives Gandra Martins e do jornalista Olavo de Carvalho. O projeto de lei pioneiro, elaborado com o auxílio do coordenador do Escola Sem Partido e apresentado à Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro, foi proposto pelo deputado estadual Flávio Bolsonaro, filho do candidato a presidente. Na turma de Miguel Nagib, militam chorosas viúvas da ditadura, o regime que impunha matérias conformadas como “doutrinação ideológica”: OSPB, organização social e política brasileira, e moral e cívica.

O movimento se empenha numa cruzada discriminatória e obscurantista. A escola seria transformada em mera extensão do lar, sem novos aprendizados e conhecimentos. Os estudantes viveriam à margem de descobertas, vivências e saberes estranhos à família. Não receberiam informações nem teriam acesso a ideias plurais para formar juízos próprios e tomar decisões autônomas.

Os correligionários do Escola Sem Partido têm obsessões. Inventaram uma nova categoria filosófica-sociológica-antropológica, a falaciosa “ideologia de gênero”. Tal “ideologia” é bramida por segmentos católicos e evangélicos de sotaque fundamentalista para combater a diversidade “pecadora” e constranger identidades.

O discurso de extrema direita de aparência inofensiva, de tão caricatural, virou um inferno para muitos professores. Eles se sentem intimidados e perseguidos por pais surtados que reencarnam McCarthy. Sobretudo os da área de ciências humanas do ensino médio e dos últimos anos do ensino fundamental.

Um otimista fora da casinha relativizaria: pelo menos os alunos testemunham o que os livros contam sobre o fascismo da década de 1930.

Anatomia da resistência

Se o Brasil tem uma tarimba, é não chamar as coisas pelo devido nome. No ano passado, o ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal, suspendeu a mal denominada lei Escola Livre. Ela havia sido aprovada pela Assembleia de Alagoas, terra onde viveram e lutaram Zumbi dos Palmares, Dandara e Ganga Zumba. Tem trechos idênticos ao do projeto de lei do deputado Izalci. Barroso despachou:

Quanto maior é o contato do aluno com visões de mundo diferentes, mais amplo tende a ser o universo de ideias a partir do qual pode desenvolver uma visão crítica, e mais confortável tende a ser o trânsito em ambientes diferentes dos seus. É por isso que o pluralismo ideológico e a promoção dos valores da liberdade são assegurados na Constituição e em todas as normas internacionais antes mencionadas, sem que haja menção, em qualquer uma delas, à neutralidade como princípio diretivo.” 
A Advocacia–Geral da União considerou a lei Escola Livre inconstitucional. Até o Ministério da Educação se opõe ao ideário do movimento Escola Sem Partido. O Ministério Público Federal pediu ao STF que julgue inconstitucionais leis municipais com teor Escola Sem Partido. Relatoresda ONU denunciaram possível “censura significativa” no ensino, restringindo “o direito de o aluno receber informação”.

Nenhuma resistência ao jogo duro das brigadas da ignorância é tão relevante como a dos estudantes. Pelo Brasil inteiro pipocam manifestações. Uma deputada distrital encrencou com um professor de uma escola pública de Ceilândia. Para uma turma da segunda série do ensino médio, o professor Deneir Meirelles dera uma aula em que abordou o tema homofobia. A deputada Sandra Faraj, entre outros cri-cris, chiou com alusões às expressões “identidade de gênero” e “orientação sexual”.

Os alunos do Centro Educacional 6 chamaram colegas de outros colégios e organizaram um protesto. Uns 250 participaram. A Secretaria de Educação do Distrito Federal defendeu o direito de o professor ensinar como ensinou. “Cumpri com a função que tenho”, disse Meirelles. Os estudantes seguravam um cartaz em que se lia: “Se ‘penso logo existo’, e me tiram isso, eu existo?”. Lacrou.
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Publicado originalmente no The Intercept Brasil.

Universitários de Altaneira têm gratuidade de transportes mantida pela prefeitura


Universitários de Altaneira têm gratuidade de transportes mantida pela prefeitura. (Foto: João Alves.).

Em reunião que contou com a presença da maioria de universitários e universitárias, de representantes do poder legislativo municipal, do corpo de secretariado, de professores e professoras, o prefeito de Altaneira, Dariomar Rodrigues (PT), afirmou que o momento era para esclarecer os “boatos” que surgiram nos últimos dias acerca da retirada dos transportes que levam os estudantes até às universidades de Crato e Juazeiro do Norte.

De forma inicial, o prefeito e a secretária de educação, Leocádia Rodrigues, apresentaram uma planilha com todas as despesas na área da educação visando demonstrarem para os universitários que “nenhum daqueles gastos” era desnecessário. “Como vocês podem ver nada do que foi gasto aqui é supérfluo”, pontuou o chefe do poder executivo. Palavras endossadas pela secretária.

O prefeito argumentou que o município passa por uma forte crise financeira e disse que o que garante algo ser executado é o recurso. Quanto à possibilidade da retirada do transporte que rendeu debates nas redes sociais, ele ressaltou que a ideia é inverter a prática da gratuidade de forma que seja “barateada” e indagou será se ao invés da prefeitura ceder os ônibus custear o financiamento com topiques não seria mais confortável para vocês e mais barato para o município?

A proposta foi recebida com certo receio pela classe estudantil. Segundo o presidente da Associação dos Universitários de Altaneira (AUNA), Carlos Renir, sempre que a gratuidade fica 100% a cargo do poder executivo, os topiqueiros ficam receosos quanto ao pagamento. Renir cogitou uma consulta aos universitários, mas durante as discussões isso acabou não sendo necessário.

Indagado pelo prefeito quanto eles gastariam caso o transporte fosse particular, Renir afirmou que o valor não ficaria por menos de R$ 20.000,00 (vinte mil reais) para atender a toda demanda – manhã e noite.

Conforme o prefeito, o município não tem a intenção de prejudicar a classe estudantil, mas foi taxativo ao pontuar que para este ano o transporte ficará mantido, assegurado em 2019, mas que em 2020 a situação é incerta. “Se voltarmos a ter índices baixos em educação não há possibilidade de mantê-lo”, destacou. No entanto, mencionou que enquanto o Projeto de Lei legalizando o repasse a AUNA não for aprovado na Câmara, o ônibus continuará realizando o percurso.

Sanado esse ponto, o debate ficou com a possibilidade de uma contrapartida dos estudantes para com o município, levantado pela Secretária Leocádia. Poucos demonstram interesses na proposta, tendo como principal argumento a falta de tempo.

A fala ficou facultada. Vários a usaram. Como os vereadores professor Adeilton (PSD), Devaldo Nogueira (MDB), o presidente da casa, Antônio Leite (PDT), o secretário de governo, Deza Soares, o Controlador Geral do Município, Antonio de Kaci, a presidenta do SINSEMA e da ARCA, Lúcia de Luena e este professor e blogueiro.

Adeilton registrou que foi ele o responsável por iniciar “a discussão dessa possibilidade de corte nas redes sociais com o objetivo de que a categoria demonstrasse preocupação com a situação e unidade nas posições” e que irá “ficar sempre atentos e a inteira disposição de todos”.

Devaldo, por sua vez, afirmou que foi o responsável por apresentar a emenda à Lei Orgânica que obriga o município a custear o transporte universitário.

As discussões caminhavam para um desfecho sem que houvesse uma menção a luta histórica da classe estudantil para ter direito a gratuidade. Coube a este signatário pedir a palavra. Relatei que é muito importante o conhecimento da História para que não caia em erros e faça com essa luta estudantil o mesmo que se fez e faz com a abolição da escravatura, dando a princesa Isabel o mérito pelo feito.

Foi preciso trazer a luz do debate o fato de que a conquista dessa gratuidade não foi dada, não algo proposto por político, mas uma iniciativa dos universitários. Inclusive me vi obrigado a dizer que fui eu o responsável direto pela idealização de colocar na Lei Orgânica – quando em 2011 estava ocorrendo a reformulação desta - o dispositivo que fala da obrigatoriedade do município para com o transporte universitário. Disse ainda que tive a grande contribuição do advogado e blogueiro Raimundo Soares Filho no que pese a escrita legalizada. Destaquei outrossim, que a ideia era de uma proposta popular, mas como era mais difícil conseguir assinaturas em tempo hábil, a solução mais coerente e mais rápida era encontrar um vereador que apresentasse a emenda. O que ficou a cargo do vereador Devaldo.

Foi através dessa luta da classe estudantil que hoje o Artigo 189 da Lei Orgânica passou a ter a redação que abaixo transcrevo:

Fica o município obrigado a assegurar ou custear transporte gratuito aos estudantes regularmente matriculados em instituições de nível superior localizadas na Região Metropolitana do Cariri”. (NR) REDAÇÃO DADA PELA EMENDA Nº. 011/2011 DE 23/03/2011.
 

12 de maio de 2018

“Vou cumprir a Constituição e acabar com o monopólio das comunicações”, diz Boulos sobre a Globo


O editor  da Fórum, Renato Rovai, entrevistou o pré-candidato à presidência pelo PSOl, Guilherme Boulos.
(Foto: Reprodução/Facebook).

Em visita à Baixada Santista, o pré-candidato à presidência pelo PSOL, Guilherme Boulos, cumpriu agenda extensa e, entre os compromissos, foi entrevistado pelo editor da revista Fórum, Renato Rovai. Boulos fez uma análise da conjuntura do país e revelou seus planos, caso vença a eleição. “Temos que quebrar o monopólio das comunicações, políticos não podem ter concessão de rádio e TV, como acontece hoje, com Collor, Sarney e Aécio, por exemplo. Vou cumprir a Constituição e acabar com o monopólio das comunicações”, afirmou, se referindo especialmente à Globo.

Boulos comentou a grande repercussão de sua entrevista no programa “Roda Viva”, exibido na segunda-feira (7), na TV Cultura: “Acho que dois motivos levaram a isso. Primeiro, os entrevistadores e telespectadores esperavam um sujeito vestido de vermelho, com uma foice na mão e gritando, mas encontraram uma pessoa disposta a debater de igual para igual. Queremos disputar um projeto de país, sendo uma alternativa para a esquerda, não somente para essa eleição, mas para a próxima geração. Queremos quebrar preconceitos. Segundo, a força das ideias progressistas, com valores e ética, que estão sendo esquecidos na política atual”.

Disse, ainda, que o novo assusta, mas tem potência. “Minha candidatura representa uma união entre um partido, que é o PSOL, e os movimentos sociais. Queremos colocar temas, com naturalidade, que não são normalmente abordados, como o aborto, o genocídio da juventude negra, questões ligadas aos LGBTs, entre outros”.

Questionado por Rovai sobre o fato de defender o legado do PT dentro do PSOL, Boulos disse: “O PT teve avanços sociais muito importantes, com a criação de programas sociais. Negar isso não ajuda. Ao mesmo tempo, tenho críticas, pois o partido não enfrentou o sistema político, mesmo quando Lula tinha 90% de aprovação. Com 90% de aprovação popular, você pode enfrentar o Congresso. E isso teve consequências práticas. Além disso, não discutiu a democratização das comunicações. Ao contrário, manteve as verbas de publicidade, inclusive para a Globo. Outra coisa: mesmo depois do golpe, o PT ainda faz aliança com o MDB em alguns estados. Apesar de tudo isso, diferença não é antagonismo. Não se pode ser conivente com injustiças. Para o Temer e o Aécio sobram provas e eles estão soltos. O Lula, sem provas, está preso. O caso é de defesa da democracia e isso é consensual no PSOL”.

Rovai perguntou também sobre reforma da Previdência. “Temos de começar rejeitando a proposta do Temer, que felizmente não foi aprovada, pois era contra a maioria do povo brasileiro. Não se pode fazer reforma baseada em cortar benefícios e estabelecer idade mínima para aposentadoria. Temos de mexer na previdência dos militares, que recebem os maiores privilégios, e também da cúpula do judiciário. Além disso, é preciso rever os salários acima do teto constitucional e a questão dos muitos auxílios. Também é necessário cobrar as dívidas das grandes empresas com a Previdência, que atinge R$ 446 bilhões”.

Em relação ao sistema político, Boulos afirmou que no Brasil está falido: “Defendo o aumento das formas de democracia popular direta, como plebiscitos e referendos, com sistema presidencialista, voto em lista fechada e financiamento exclusivamente público de campanha”.

Outro modelo que faliu, segundo Boulos, foi o de combate à violência. “É preciso desmilitarizar as polícias, pois da forma como está a sensação é de terror nas periferias. Outro aspecto fundamental é o controle de armas. O Exército deveria fiscalizar isso, em vez de matar jovens negros na intervenção do Rio de Janeiro”. Sobre Bolsonaro, resumiu: “Ele faz o populismo da violência”. (Com informações da Revista Fórum).

11 de maio de 2018

IX Artefatos da Cultura Negra realizará I Mostra de Cinema Africano do Cariri Cearense




O Congresso Artefatos da Cultura Negra promove a sua IX edição em permanente diálogo com instituições de ensino superior do Estado do Ceará, movimentos negros, estudantes, professor@s da educação básica e pesquisador@s vinculad@s às questões da população negra no Brasil e em outros países. Desde sua primeira edição, em 2009, tem se configurado enquanto importante espaço de formação de professores, estudantes de graduação, ativistas dos movimentos sociais e potencializado a produção acadêmica na temática.

Dessa forma, o Congresso Artefatos da Cultura Negra tem se constituído enquanto espaço importante de formação política, pedagógica e cultural pautando a necessidade de construção de uma educação antirracista que positive a presença negra na história e na cultura brasileira, ao tempo em que aponta proposições no campo das políticas públicas para a superação das desigualdades sociais e raciais. As discussões promovidas no evento assumem um caráter interdisciplinar e de diálogo estreito com os grupos que preservam a cosmovisão africana no Cariri cearense.

Pretende-se também promover discussões no campo da formação dos profissionais da educação, voltadas para a implantação da obrigatoriedade da história e cultura africana e afro-brasileira no currículo escolar, Lei Nº. 10.639/03, Lei Nº. 11.645/08, e da Educação Escolar Quilombola, (DCN’s…, 2012). O conhecimento ancestral é tomado como base desse processo, com foco no reconhecimento da importância da África, do povo africano, das lutas históricas da população negra e de todo legado construído no processo de formação da sociedade brasileira.

Nesta edição, o evento promoverá mesas de debates, feiras culturais, oficinas, minicursos, lançamentos de livros, atividades culturais, sessões de apresentação de trabalhos de pesquisa, relatos de experiências, dentre outros. Pretende-se ainda realizar, como parte da programação do Congresso, o I Mostra de Cinema Africano do Cariri Cearense, com exibições de documentários acompanhadas de rodas de conversa em várias comunidades da região do Cariri cearense: quilombos, ONGs, escolas de educação básica, praças públicas e outros lugares.

Curadoria: Thiago Florêncio (URCA-FICINE) e Janaina Oliveira (FICINE -RJ).

A I Mostra de Cinema Africano do Cariri Cearense, uma realização do IX Artefatos da Cultura Negra, tem por objetivo fazer circular curtas-metragens africanos por diferentes espaços em que é de fundamental importância o debate da presença negra no Cariri: escolas públicas, universidades, quilombos, ONGs, centros culturais, dentre outros. A mostra escolheu nesta primeira edição projetar curtas-metragens da África Lusófona, em sua maioria moçambicanos, que tratam de temáticas diversas em torno das realidades sociais, políticas e culturais africanas. A curadoria, ao contrário do estereótipo de pobreza e carência pelo qual o continente é comumente retratado, selecionou filmes que apresentam a complexidade e potência dos dramas humanos do continente, com destaque para a temática dos Direitos Humanos.

1. O vendedor de histórias (Guiné-Bissau, 2017)

Direção: Flora Gomes/Tempo: 11 min

Sinopse: Curta-metragem sobre direitos e desenvolvimento realizada no âmbito da Quinzena dos Direitos, com apoio da União Europeia e do Camões, Instituto da Cooperação e da Língua, trata-se de uma crítica social que abrange atualmente o país.

2. Bom dia África (Angola, 2009)

Direção: Zézé Gamboa/Tempo: 08 min

Sinopse: Kiluange, um homem de 40 anos, chefe de família, vive a sua vida com muitas dificuldades, como a maior parte dos cidadãos africanos. Ele acorda cedo todos os dias e apanha pelo menos dois transportes públicos. Mas um dia o inesperado acontece…

3. Phatima (Moçambique)

Direção: Luiz Chave/ Tempo: 9min49s

Sinopse: O filme é centrado na figura da menina Phatyma, personagem criada por Paulina Chiziane, escritora moçambicana que atua, publicamente, em favor dos direitos das mulheres moçambicanas. A partir do olhar da criança-menina, que sonha com um futuro diferente daquele de sua mãe e avó (embora as respeitando firmemente) conhecemos a força da cultura moçambicana, as inquietações e os sonhos das novas gerações nascidas num país que se libertou da condição colonial há menos de 40 anos. Os questionamentos de Phatyma sobre o papel da mulher moçambicana hoje desafiam os espectadores (de qualquer nacionalidade e cultura) a reconhecer a importância de avançar num processo de modernização sem esquecer os valores ancestrais que alicerçaram a nossa identidade.

4. Dina (Moçambique, 2010)

Direção: Mickey Fonseca

Sinopse: Quando Dina, a filha de 14 anos engravida, Fauzia compreende que a violência de Remane, seu esposo, atingiu novos limites. Com a mãe hospitalizada depois de uma terrível cena de violência física, Dina convence-a a denunciar Remane à Polícia. No tribunal Faizia enfrenta Remane pela última vez.

5. O Búzio (Moçambique, 2009)

Direção: Sol de Carvalho

Sinopse: Um grupo de rebeldes com crianças soldados preparam-se para uma emboscada. Um dos rapazes, Eusébio pisa uma mina. O grupo procura refúgio numa velha fábrica. O comandante olha para o melhor amigo de Eusébio e dá-lhe ordens para, se os inimigos chegarem, ele deve matar o amigo! É imperativo manter em segredo a sua base.

6. Tatana (Moçambique, 2005)

Direção: João Ribeiro/Tempo: 13min 39

Adaptado de um conto tradicional Makonde, esta é a história de uma velha e de seu neto, Sábado, criança de 12 anos que ela educa desde a morte do pai. Graças a um poder oculto, a velha guarda na cabeça os seus familiares mortos que, de quando em quando, saem cá para fora fazendo uma grande festa em jeito de cerimónia. Sábado faz uma viagem iniciática conduzida por sua avó acabando por partir a cumprir o seu destino depois de se reencontrar com o espírito de seu pai. (Com informações do site do evento).