A
ex-candidata à presidência da República em 2014 e à prefeitura de Porto Alegre
este ano, Luciana Genro, sofreu uma enxurrada de críticas ao comemorar a prisão
do ex-deputado federal Eduardo Cunha (PMDB) e dar vivas à operação Lava Jato
através de seu Twitter.
Publicado
originalmente na Revista Fórum
Internautas
ficaram indignados com a comemoração da psolista por conta da suposta
arbitrariedade da operação e para um possível viés político de suas ações.
Essas reações foram repercutidas em uma matéria da Fórum publicada na últimaquarta-feira (19).
Através
de sua assessoria de imprensa, então, Luciana Genro enviou à Fórum o artigo
abaixo, em que reforça seu apoio à operação e defende a tese de que ela ajudará
o país a se ver livre da corrupção pois, depois de atingir as empreiteiras, ela
estaria agora atingindo a alta classe política do país.
Leia a íntegra.
Considerações sobre a Lava Jato e o
sistema prisional
Por Luciana Genro*
A prisão de Eduardo Cunha é a
chance de que a Lava Jato atinja em cheio o núcleo do governo Temer. Como
escreveu nosso deputado Chico Alencar: “A prisão de Eduardo Cunha, pela sua
importância no esquema de financeirização clandestina do sistema partidário
brasileiro, pode ajudar a desvendar de vez quem opera a corrupção política no
Brasil. Informação é poder: pelo que o ex-chefe sabe, ele representa, para o
universo político, o mesmo que Marcelo Odebrecht para o mundo das
empreiteiras”.
Mas parece que neste ponto uma
parte da cúpula petista, a maioria dela, se une a Temer para rejeitar a prisão
de Cunha. Isto se explica por um fato em comum entre o PMDB e esta parte da
cúpula petista: suas relações espúrias com as empreiteiras corruptas. Nós
saudamos a prisão e insistimos: que siga a Lava Jato!
Querem parar a Lava Jato e
preservar o sistema político
A luta contra a corrupção ganhou
força nos últimos tempos, mas estão em curso manobras que tentam desmoralizar a
operação Lava Jato e impedir o prosseguimento das investigações que tem levado
muitos corruptos à prisão. Tudo indica que há uma negociação em curso para
enterrar a Lava Jato. Ela inclui setores da cúpula do PT, do PMDB, do PSDB e do
próprio STF. A reunião entre Michel Temer, o ex-presidente FHC e o ministro do
STF Gilmar Mendes é um indício deste processo que tem por objetivo preservar o
sistema político. Para eles a Lava Jato já foi longe demais. FHC e Gilmar
Mendes também se encontraram com o ex-ministro da Justiça e advogado de Dilma,
José Eduardo Cardozo.
Quem classifica a prisão de Cunha
como “arbitrária” usa de má fé e/ou não se deu ao trabalho de ler o despacho de
Sergio Moro, que decretou a prisão. São 21 páginas muito bem fundamentadas1,
bem diferente dos despachos que, como advogada, costumo ler dos mais diversos
juízes, compostos por uma única frase: “Por seus próprios fundamentos”.
Cunha, assim como Renan Calheiros,
Collor e outros tantos, estava usando seu poder para tentar parar toda e
qualquer ação que leve à punição dos corruptos. Hoje sofreram uma derrota, com
a prisão dos seus agentes dentro da Polícia do Senado. Certamente alguém vai
reclamar destas prisões também.
São inúmeras as manobras legais que
estão à disposição de quem tem caros advogados, mas que não valem para a
maioria que depende da Defensoria Pública, com valorosos e sobrecarregados
profissionais, mas com uma estrutura mínima quando comparada com a estrutura
disponível para o Ministério Público e o Judiciário.
O ex-senador Luiz Estevão, do PMDB,
por exemplo, foi condenado em 2006 pelo escândalo das obras no Tribunal
Regional do Trabalho de São Paul. Mas só foi cumprir pena em março de 2016,
pois sua defesa entrou com mais de 30 recursos ao longo do processo, com o
nítido objetivo de arrastar a pena até sua consequente prescrição.
No Brasil, a impunidade é só para o
andar de cima
A ideia de que existe impunidade no
Brasil é muito verdadeira quando falamos da impunidade dos criminosos de alto
escalão, mas não para a maioria. Não é à toa que os presídios estão lotados e
que são masmorras medievais. Para lá só vão os pobres, com raras exceções.
Estranhamente são estas exceções que despertaram a ira de muitos que nunca
abriram a boca para lutar pelo direito de defesa dos pobres, mas que agora se
insurgem contra os arbítrios de Sergio Moro.
É verdade que outros tantos lutam
há muito tempo pelo direito de defesa de todos. Eu mesma travei uma luta
concreta como advogada em um Júri, para ter acesso às mesmas informações que o
MP tem sobre os jurados, aqui em Porto Alegre. Um sistema chamado Consultas
Integradas dá ao MP informações muito úteis para escolher os jurados e,
portanto, ter melhores condições de vencer. Não tive sucesso e o governo, que
na época do meu processo era do PT, permitiu que o MP mantivesse seu acesso
privilegiado a informações que nem a Defensoria e nem os advogados têm.
Nosso sistema punitivo foi forjado
sob o signo da exclusão social e é composto por estabelecimentos penais que são
o retrato da violação de direitos das pessoas privadas de liberdade. São mais
de 622 mil pessoas presas e o crescimento da população prisional é da ordem de
7% ao ano, aproximadamente. Eram 90 mil presos no início da década de 1990 e
pulamos para mais de 600 mil presos num intervalo de menos de 25 anos. O ritmo
de crescimento do encarceramento entre as mulheres é ainda mais acelerado, de 10,7%
ao ano, a maioria por tráfico.
Todo este encarceramento em massa
não reduziu a violência. Ao contrário, os presídios são engrenagens muito
eficazes no círculo que alimenta o crime.
Segundo o INFOPEN, em dezembro de
2014 40% da população prisional brasileira era composta por presos provisórios.
São quase 250 mil pessoas presas antes de serem julgadas em primeiro grau
jurisdicional.
O INFOPEN diz ainda que, mesmo que
parte dos atuais presos provisórios não possa ou deva ser solta, a análise dos
dados indica fortemente que uma mudança de política no tocante às prisões
provisórias e às prisões por tráfico de drogas diminuiria o ritmo acelerado do
crescimento do número de pessoas privadas de liberdade no Brasil.
O perfil dos encarcerados evidencia
a seletividade do sistema punitivo: 55,07% da população privada de liberdade
tem até 29 anos; 61,67% são negros e apenas 9,5% concluíram o Ensino Médio.
São, portanto, os jovens, pobres e negros que lotam as prisões. Não são os
“Cunhas”.
Quem e porque está sendo encarcerado?
É este o debate que precisamos fazer sobre o sistema penal e o encarceramento
em massa no Brasil.
Ademais, olhando para esta
realidade vemos que as prisões provisórias decretadas no âmbito da Lava Jato
não são um arbítrio cometido por um Juiz fascista. São o modus operandis do
sistema desde sempre, que agora chegou à casta política e empresarial. No caso
da Lava Jato, 21 dos 239 acusados estão presos, o que representa 9%. Oito
acusados, ou seja, 3%, estão presos sem condenação. Mais de 70% dos 70 acordos
de colaboração foram feitos com investigados soltos. E das 453 decisões de
habeas corpus levados a três tribunais superiores, mais de 95% confirmaram os
trabalhos dos investigadores e as sentenças de Moro. Nenhum habeas corpus
reconheceu qualquer arbitrariedade grave. Os problemas do sistema penal não
são, portanto, as arbitrariedades da Lava Jato.
Defendo a investigação e punição de
todos os corruptos, doa a quem doer. Uma operação que está colocando na cadeia
donos de empreiteiras e políticos que comandavam esquemas históricos de ataque
aos cofres públicos precisa ser defendida ou será enterrada pela casta
corrupta.
Estranho muito quem se diz contra a
corrupção, mas não reconhece a importância de uma operação que pela primeira
vez está fazendo com que o sistema penal – que por sua natureza é sempre
arbitrário contra os pobres – agora esteja finalmente chegando no andar de
cima. O nosso “devido processo legal” precisa mudar, pois permite que 40% da
massa carcerária, composta majoritariamente por pobres e negros, esteja presa
sem julgamento final e grande parte sem nenhum fundamento legal. Mas este não
é, evidentemente, o caso de Eduardo Cunha e dos demais presos pela Lava Jato.
*Luciana Genro, advogada especializada em
Direito Penal, ex-deputada e membro da Executiva Nacional do PSOL