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Filme Estrelas Além do Tempo. (FOTO | Reprodução). |
É a autoridade da estética branca quem
define o belo e sua contraparte, o feio, nesta nossa sociedade classista, onde
os lugares de poder e tomada de decisões são ocupados hegemonicamente por
brancos.
― Neusa Santos Souza
O
filme “Estrelas Além do Tempo”,
lançado em 2017, narra a luta das três cientistas negras que trabalharam na
Nasa: Katherine Johnson, Dorothy Vaughan e Mary Jackson. A história é
inspiradora e demonstra os percalços que essas mulheres enfrentaram na construção
da carreira profissional. Naquela época, as leis racistas Jim Crow estavam em
vigor, tornando os obstáculos enfrentados pelos negros ainda mais complexos.
Em
determinado momento do filme, a personagem Mary Jackson (Janelle Monáe) soltou
uma frase que representa a nossa realidade no mercado de trabalho: “Sempre que
temos a chance de avançar, eles mudam a linha de chegada.” Sem sombra de
dúvidas, o deslocamento das exigências é a norma do racismo para o nosso
impedimento na inserção e valorização profissional. Na história brasileira, os
empregos contemplando os trabalhadores negros se caracterizam pela
precarização; diferente do que ocorre com os trabalhadores brancos, que têm
melhores oportunidades de empregos.
Nesse
sentido, a pesquisa “O Custo da Desigualdade Racial”, produzida pelo Núcleo de
Estudos Raciais (NERI) do Instituto de Ensino e Pesquisa (Insper), apontou que
a média dos maiores salários se concentra nas mãos da população branca. Essa
desigualdade escancara o privilégio branco e demonstra que o racismo não está
situado apenas no ingresso no mercado de trabalho, mas também na ascensão
dentro das empresas.
Ao
analisar essas questões, considero sem credibilidade os discursos dos
economistas, consultores e analistas de mercado de trabalho, presentes nos
veículos de comunicação. No papel de formadores de opinião, eles potencializam
a ideia de “competência” como fator fundamental para o sucesso dos indivíduos.
Assim, ignoram o racismo presente nas decisões dos selecionadores brancos. Mas
a realidade demonstra a exclusão dos negros, mesmo que tenham as melhores
qualidades profissionais; e a “linha de chegada”, como disse Mary Jackson, fica
inalcançável.
No
final dos anos 90, o número de desempregados estava explodindo no Brasil. Os
“classificados de empregos” e agências de recolocação profissional nos davam
esperanças de sairmos das estatísticas, exceto quando as oportunidades tinham
como pré-requisito “boa aparência”. Nós, pessoas negras, sabíamos que a
advertência nos colocava fora da disputa. Num país que se desenvolveu
considerando a estética branca como padrão de beleza, a mensagem era clara: não
contratavam negros.
Eu
distribuí dezenas de currículos, participei de alguns processos seletivos e,
quando o desânimo estava prestes a me vencer, consegui ser contratado como
auxiliar técnico. No momento de assinar os documentos, o gerente da empresa
disse que, se o meu desempenho fosse satisfatório, nos três primeiros meses
(experiência), eu seria efetivado como técnico. Mas, passaram-se cinco anos e eu
continuava no cargo inicial.
Durante
esse período testemunhei muitas pessoas avançando na carreira; profissionais
brancos que até foram treinados por mim. A empresa resolveu me promover apenas
quando concluí a graduação. Eu recusei. Meses depois, fui selecionado em um
processo seletivo para o cargo no qual me formei na universidade. Dessa
experiência, aprendi a seguinte lição: se eles mudarem a linha de chegada,
mudemos a estratégia. O resultado só descobriremos tentando. Isso é válido
enquanto existir o racismo.
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Texto de Ricardo Corrêa, originalmente no Geledés.
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