27 de maio de 2025

O racismo se esconde no discurso de competência profissional

 

Filme Estrelas Além do Tempo. (FOTO | Reprodução).

É a autoridade da estética branca quem define o belo e sua contraparte, o feio, nesta nossa sociedade classista, onde os lugares de poder e tomada de decisões são ocupados hegemonicamente por brancos.

― Neusa Santos Souza

O filme “Estrelas Além do Tempo”, lançado em 2017, narra a luta das três cientistas negras que trabalharam na Nasa: Katherine Johnson, Dorothy Vaughan e Mary Jackson. A história é inspiradora e demonstra os percalços que essas mulheres enfrentaram na construção da carreira profissional. Naquela época, as leis racistas Jim Crow estavam em vigor, tornando os obstáculos enfrentados pelos negros ainda mais complexos.

Em determinado momento do filme, a personagem Mary Jackson (Janelle Monáe) soltou uma frase que representa a nossa realidade no mercado de trabalho: “Sempre que temos a chance de avançar, eles mudam a linha de chegada.” Sem sombra de dúvidas, o deslocamento das exigências é a norma do racismo para o nosso impedimento na inserção e valorização profissional. Na história brasileira, os empregos contemplando os trabalhadores negros se caracterizam pela precarização; diferente do que ocorre com os trabalhadores brancos, que têm melhores oportunidades de empregos.

Nesse sentido, a pesquisa “O Custo da Desigualdade Racial”, produzida pelo Núcleo de Estudos Raciais (NERI) do Instituto de Ensino e Pesquisa (Insper), apontou que a média dos maiores salários se concentra nas mãos da população branca. Essa desigualdade escancara o privilégio branco e demonstra que o racismo não está situado apenas no ingresso no mercado de trabalho, mas também na ascensão dentro das empresas.

Ao analisar essas questões, considero sem credibilidade os discursos dos economistas, consultores e analistas de mercado de trabalho, presentes nos veículos de comunicação. No papel de formadores de opinião, eles potencializam a ideia de “competência” como fator fundamental para o sucesso dos indivíduos. Assim, ignoram o racismo presente nas decisões dos selecionadores brancos. Mas a realidade demonstra a exclusão dos negros, mesmo que tenham as melhores qualidades profissionais; e a “linha de chegada”, como disse Mary Jackson, fica inalcançável.

No final dos anos 90, o número de desempregados estava explodindo no Brasil. Os “classificados de empregos” e agências de recolocação profissional nos davam esperanças de sairmos das estatísticas, exceto quando as oportunidades tinham como pré-requisito “boa aparência”. Nós, pessoas negras, sabíamos que a advertência nos colocava fora da disputa. Num país que se desenvolveu considerando a estética branca como padrão de beleza, a mensagem era clara: não contratavam negros.

Eu distribuí dezenas de currículos, participei de alguns processos seletivos e, quando o desânimo estava prestes a me vencer, consegui ser contratado como auxiliar técnico. No momento de assinar os documentos, o gerente da empresa disse que, se o meu desempenho fosse satisfatório, nos três primeiros meses (experiência), eu seria efetivado como técnico. Mas, passaram-se cinco anos e eu continuava no cargo inicial.

Durante esse período testemunhei muitas pessoas avançando na carreira; profissionais brancos que até foram treinados por mim. A empresa resolveu me promover apenas quando concluí a graduação. Eu recusei. Meses depois, fui selecionado em um processo seletivo para o cargo no qual me formei na universidade. Dessa experiência, aprendi a seguinte lição: se eles mudarem a linha de chegada, mudemos a estratégia. O resultado só descobriremos tentando. Isso é válido enquanto existir o racismo.

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Texto de Ricardo Corrêa, originalmente no Geledés.

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