17 de maio de 2025

Pesquisa sobre DNA brasileiro revela abuso sexual histórico contra mulheres indígenas e escravizadas

 

Pesquisa analisa DNA do brasileiro e descobre que país tem a maior diversidade genética do mundo – Imagem: IA

Um estudo inédito publicado esta semana na revista Science mostrou que a maioria das linhagens do cromossomo Y, herdado dos pais, tem origem europeia (71%), enquanto as linhagens mitocondriais, herdadas das mães, são majoritariamente africanas (42%) ou indígenas (35%). A pesquisa foi conduzida por cientistas da Universidade de São Paulo (USP), com apoio do Ministério da Saúde, e escancara um dado já conhecido pelos movimentos negros e indígenas: a violência sexual sistemática contra mulheres escravizadas e originárias durante a formação do Brasil.

Isso é resultado de um cruzamento que não é natural, reflexo da violência que indígenas e mulheres escravas sofreram. É o DNA confirmando aquilo que a história já contava. Uma cicatriz de violência do nosso país”, afirma a pesquisadora Lygia Pereira, coordenadora do estudo.

A pesquisa sequenciou o genoma completo de 2,7 mil pessoas de todas as regiões do Brasil, e identificou cerca de 8,7 milhões de variações genéticas humanas nunca antes registradas. Além de revelar a ancestralidade do povo brasileiro, o levantamento fornece dados inéditos que podem aprimorar o diagnóstico e o tratamento de doenças por meio da medicina genômica.

A história gravada no DNA

Segundo os dados, a ancestralidade brasileira é composta por 59,1% de genes europeus, 27,1% africanos, 13,2% indígenas e 0,6% asiáticos. Mas a origem desses genes — quando analisada sob a ótica materna e paterna — revela um padrão assimétrico: homens europeus cruzando com mulheres negras e indígenas. Essa herança genética é resultado de estupros e relações forçadas durante os séculos de colonização, escravidão e genocídio dos povos originários.

O estudo aponta que o processo de miscigenação se intensificou entre 1750 e 1785, durante a corrida do ouro, e se expandiu com o avanço dos bandeirantes pelo interior do país. Enquanto o Sul concentra a maior presença de genes europeus, o Nordeste se destaca pela ancestralidade africana, e o Norte, pela indígena. Sudeste e Centro-Oeste apresentam maior diversidade de origens.

Diversidade genética e saúde pública

As descobertas fazem parte do Programa Genomas Brasil e têm implicações diretas para a saúde da população. Entre as variações encontradas, cerca de 37 mil foram consideradas possivelmente deletérias — ou seja, com potencial de causar doenças. Foram identificados 450 genes ligados a características metabólicas (como obesidade e doenças cardíacas) e outros 815 relacionados a doenças infecciosas como malária, hepatite, tuberculose e leishmaniose.

A nossa análise mostra o que nem imaginávamos: uma quantidade muito grande de variações nunca antes registradas. Isso mostra o quão diversa é a população, e saber disso é muito importante para pensarmos o futuro da saúde”, explica Kelly Nunes, autora principal do estudo.

A análise genômica permitirá que o Brasil avance na medicina de precisão, podendo identificar riscos genéticos para doenças como câncer, hipertensão, diabetes e enfermidades autoimunes. Também abre caminho para tratamentos personalizados, ajustando doses de medicamentos conforme a ancestralidade genética do paciente.

A seleção natural da resistência

Outro dado revelador da pesquisa é a possível existência de uma “seleção natural” de genes ligados à fertilidade, imunidade e metabolismo — características que podem ter sido vantajosas para a sobrevivência e reprodução. Algumas variações genéticas apareceram com mais frequência do que o esperado, sugerindo que esses traços foram preservados ao longo das gerações.

Descobrimos essa conexão com genes que podem ter dado mais força. Agora, precisamos entender melhor essas correlações”, comenta a pesquisadora Lygia Pereira.

Uma memória biológica da violência

Mais do que um retrato genético, o estudo é um espelho do Brasil profundo: um país miscigenado sob coerção, com sua diversidade forjada a partir da dor, do estupro e do apagamento. O cruzamento forçado entre colonizadores europeus e mulheres negras e indígenas não está apenas nos livros — está também no sangue.

Conhecer essa história contada pelo DNA é essencial não só para tratar doenças, mas para compreender as desigualdades estruturais que moldam o Brasil até hoje. Como conclui Lygia Pereira:

Estamos descobrindo as cicatrizes biológicas deixadas pela história da formação da população brasileira. Conhecer o nosso DNA é aprender que essa diversidade é a nossa maior força”.

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Com informações do Notícia Preta.

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