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(FOTO | Reprodução). |
Por César Pereira, Colunista
Eram dez e meia da noite e ela se preparava para dormir quando ouviu o primeiro barulho no telhado. Só pode ser o gato, sim é um gato — se disse — acabou de vestir a camisola e se deitou na cama ao lado da amiga.
Naquela noite Cláudia aceitara o convite e dormiria com
ela. Cláudia era a melhor amiga e depois de conversarem por horas de todas as
coisas possíveis veio a mãe e perguntou que horas elas iriam se deitar.
— Vamos dormir agorinha — disse ela — mas no fundo
pensando que poderiam ficar conversando mais tempo de luz apagada.
Quando a mãe enfim se recolheu lá dentro ela e
Cláudia foram pro quarto. Se despiram, se vestiram e finalmente se deitaram
ainda com a luz acesa, foi quando ela ouviu mais uma vez os passos.
— Mas esses gatos hoje estão mesmo em festa — apaziguada
com a explicação, ela se levantou da cama, caminhou pelo corredor e entrou no
banheiro para urinar.
Quando voltou pro quarto Cláudia já estava sob os
lençóis.
— Mas você já vai dormir — perguntou — Cláudia se
voltou para ela e afastou-se pra dar-lhe mais espaço na cama. Deitou-se ao lado
dela pensando afinal como era bom estar ali e ter uma amiga. Lado a lado na cama
o calor das respirações irmanava as duas, e assim cúmplices e assim juntinhas eram
boas uma com a outra.
Ouviu o clic da luz sendo desligada no quarto da mãe.
Dormir cedo e acordar com os raios do sol, a mãe tinha dessas loucuras.
— Melhor a gente apagar a nossa luz também — Cláudia
disse — então ela se levantou e desligou a luz. O quarto em trevas, a súbita
escuridão cegante. Caminhou as apalpadelas pelo cômodo até chegar outra vez na
cama. Deitou-se e ficou com os olhos abertos presos na escuridão.
— Cláudia você não tem medo — perguntou ela.
— Medo — disse a amiga.
— Sim, medo de ficar pra sempre assim, tudo escuro.
— Se ficar tudo escuro eu acendo a luz e o medo se acaba
bobinha.
— Não é dessa escuridão que eu falo. Estou dizendo
assim — e se de repente não houver mais nenhuma luz no mundo e tudo for trevas?
— Como se a gente fechasse os olhos e nunca mais
abrisse?
— Não, mesmo com os olhos abertos a gente só visse o
escuro, uma escuridão pegajosa, grossa e fria.
Cláudia não respondeu mais nada e ela ouviu a
respiração tranquila da amiga, compreendeu que dormira. Então voltou-se para a
parede pronta também para dormir.
Que bom que amanhã ainda seria domingo e ela teria
um dia todo só para elas, e tinha também a mãe que não trabalhava tanto aos
domingos, chegava da missa e se permitia estar uma manhã inteirinha sem o
varre-varre, o lava-lava, até as aranhas descansavam naquele dia, pelo menos
ela nunca vira uma aranha tecendo teias num domingo, também nunca vira uma
mosca presa numa teia nesse dia, ah, também...
Súbito! Passos no telhado. Tensa ela voltou-se toda
para o barulho. Estão outra vez no telhado. Gatos. Gatos. Gatos. Passos. Passos
de gato. E se eu continuar me preocupando com isto não durmo bm esta noite. Não
posso me permitir me ocupar assim. Mas não pode esquecer porque já agora ela
não tinha mais certeza de que eram os gatos caminhando no telhado.
O coração aos pulos. Eles estavam lá no telhado da
cozinha. Altas horas da noite e ela ainda assim acordada e preocupada com a
vida lá fora. Se deixasse, seus pensamentos iriam em sobrevoo desde a cama às
galáxias. Uma semente que está nascendo agora. Um ovo que está sendo botado num
ninho. Uma flor que está se abrindo de madrugada. Uma gota de orvalho que está
se formando sobre uma folha no campo.
Agora estão removendo as telhas e logo estarão
dentro de casa. Ela abriu os olhos, pois na semiescuridão do quarto ela ouvia
com mais atenção. Não posso pensar nestas coisas, pois é só pensar nas coisas
ruins que elas acontecem.
Libertou-se dos lençóis e se sentou na cama. Ferrada
no sono Cláudia era uma pedra. Sentiu o chão frio sob seus pés, cruzou os
braços sobre o colo e se levantou. Ouviu que efetivamente eles retiravam as
telhas do telhado da cozinha.
Caminhou pelo corredor, parou surpresa de ter tido
coragem para estar ali. Voltou-se na direção do quarto da mãe, pensou chamá-la,
mas e se não fosse mesmo nada e então ela acordaria aquela mãe cansada
inutilmente. Vou até lá e olho e aí penso depois o que devo fazer. Chegou até a
entrada da cozinha, espichou a cabeça olhando por sobre a escuridão, os olhos
não viram logo, mas depois viram, estavam retirando as telhas para entrar na
casa.
— Meu Deus, um ladrão no telhado! — se disse num
sussurro. — Voltou ao quarto, chamou Cláudia.
— Cláudia acorde e escute.
Subitamente despertada a amiga não entendeu logo.
— O que foi — perguntou — Você ainda não dormiu —
disse.
— Fale baixo Cláudia — disse ela tapando a boca da
amiga — escute — você não ver que têm ladrões no telhado.
Caminharam juntas até o corredor, pararam no vão da
porta da cozinha onde se puseram a observar no escuro o trabalho de remoção das
telhas. Foi quando ela viu a mão peluda entrar pelo buraco, aí o medo
transfigurou-a, puxou a amiga e correram pela casa, com o barulho acordaram a
mãe lá dentro.
— Vocês ainda não dormiram meninas — disse a mãe.
— Minha mãe fale baixo. Escute agora. Homens no
telhado.
— ...
— E já estão dentro da cozinha — falou a mãe.
Transidas de medo as três mulheres correram pela
casa, abriram a porta e saíram para a rua dando o alarma aos vizinhos.
— Ladrões! Ladrões no telhado! Meu Deus, já estão
dentro de casa!
O primeiro vizinho que as ouviu abriu a porta e saiu
à rua. O que foi, o que não foi? E depois de ouvir as mulheres convocou os
outros.
— Os ladrões estão roubando as casas pelos telhados,
acordem, os ladrões estão dentro das casas!
A rua inteira acordada atendeu ao clamor do vizinho.
Onde os ladrões? Nos quintais? Nos telhados? Dentro das casas? E esse bairro que
era tão bom. Essa infestação de ladrões. Mas isso começou a acontecer depois
que os ciganos chegaram. Chamem a polícia. Vamos pegar os ladrões.
— Pegar os ladrões? — Não somos a guarda e mais
essa, se são ladrões, devem estar armados.
— Seu Nelson tem um trinta e oito — disse um vizinho
— vamos com ele.
Veio seu Nelson, arma em punho, pronto para acabar
com os ladrões. Entraram na casa, procuraram nos cômodos, subiram no muro, olharam
nos quintais.
— Fugiram. Covardes, não esperavam ser descobertos —
disse seu Nelson.
Mas de repente, três casas adiante.
— Acudam gente, os ladrões estão roubando as
galinhas, estão trepados na mangueira.
Correram, entraram no quintal, lanternas nas mãos
focando galinhas assombradas nos poleiros, mas dos ladrões nem sombra. A rua
cheia de gente, confusão, exposições do caso, opiniões sobre a insegurança do
bairro, sobre os perigos de mulher sozinha em casa.
Sem resultado as buscas nos quintais foram
encerradas e os bravos voltaram da caçada contando que haviam postos os ladrões
em fuga. Até gente de outras ruas tinham vindo atraídas pelas notícias e a agitação,
as calçadas falavam, as esquinas opinavam.
— Mas e os ladrões?
— Levaram um susto, esta noite não lucraram nada.
— Gente, vocês querem saber o que eu acho, os ladrões não fugiram, olhe que eles podem estar entre nós — disse um vizinho observador — com tanta gente na rua, fora de suas casas, que boa oportunidade para os ladrões darem um rapa.
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