25 de maio de 2025

Ladrões no telhado

 

(FOTO | Reprodução).

 

Por César Pereira, Colunista                                 

Eram dez e meia da noite e ela se preparava para dormir quando ouviu o primeiro barulho no telhado. Só pode ser o gato, sim é um gato — se disse — acabou de vestir a camisola e se deitou na cama ao lado da amiga.

Naquela noite Cláudia aceitara o convite e dormiria com ela. Cláudia era a melhor amiga e depois de conversarem por horas de todas as coisas possíveis veio a mãe e perguntou que horas elas iriam se deitar.

— Vamos dormir agorinha — disse ela — mas no fundo pensando que poderiam ficar conversando mais tempo de luz apagada.

Quando a mãe enfim se recolheu lá dentro ela e Cláudia foram pro quarto. Se despiram, se vestiram e finalmente se deitaram ainda com a luz acesa, foi quando ela ouviu mais uma vez os passos.

— Mas esses gatos hoje estão mesmo em festa — apaziguada com a explicação, ela se levantou da cama, caminhou pelo corredor e entrou no banheiro para urinar.

Quando voltou pro quarto Cláudia já estava sob os lençóis.

— Mas você já vai dormir — perguntou — Cláudia se voltou para ela e afastou-se pra dar-lhe mais espaço na cama. Deitou-se ao lado dela pensando afinal como era bom estar ali e ter uma amiga. Lado a lado na cama o calor das respirações irmanava as duas, e assim cúmplices e assim juntinhas eram boas uma com a outra.

Ouviu o clic da luz sendo desligada no quarto da mãe. Dormir cedo e acordar com os raios do sol, a mãe tinha dessas loucuras.

— Melhor a gente apagar a nossa luz também — Cláudia disse — então ela se levantou e desligou a luz. O quarto em trevas, a súbita escuridão cegante. Caminhou as apalpadelas pelo cômodo até chegar outra vez na cama. Deitou-se e ficou com os olhos abertos presos na escuridão.

— Cláudia você não tem medo — perguntou ela.

— Medo — disse a amiga.

— Sim, medo de ficar pra sempre assim, tudo escuro.

— Se ficar tudo escuro eu acendo a luz e o medo se acaba bobinha.

— Não é dessa escuridão que eu falo. Estou dizendo assim — e se de repente não houver mais nenhuma luz no mundo e tudo for trevas?

— Como se a gente fechasse os olhos e nunca mais abrisse?

— Não, mesmo com os olhos abertos a gente só visse o escuro, uma escuridão pegajosa, grossa e fria.

Cláudia não respondeu mais nada e ela ouviu a respiração tranquila da amiga, compreendeu que dormira. Então voltou-se para a parede pronta também para dormir.

Que bom que amanhã ainda seria domingo e ela teria um dia todo só para elas, e tinha também a mãe que não trabalhava tanto aos domingos, chegava da missa e se permitia estar uma manhã inteirinha sem o varre-varre, o lava-lava, até as aranhas descansavam naquele dia, pelo menos ela nunca vira uma aranha tecendo teias num domingo, também nunca vira uma mosca presa numa teia nesse dia, ah, também...

Súbito! Passos no telhado. Tensa ela voltou-se toda para o barulho. Estão outra vez no telhado. Gatos. Gatos. Gatos. Passos. Passos de gato. E se eu continuar me preocupando com isto não durmo bm esta noite. Não posso me permitir me ocupar assim. Mas não pode esquecer porque já agora ela não tinha mais certeza de que eram os gatos caminhando no telhado.

O coração aos pulos. Eles estavam lá no telhado da cozinha. Altas horas da noite e ela ainda assim acordada e preocupada com a vida lá fora. Se deixasse, seus pensamentos iriam em sobrevoo desde a cama às galáxias. Uma semente que está nascendo agora. Um ovo que está sendo botado num ninho. Uma flor que está se abrindo de madrugada. Uma gota de orvalho que está se formando sobre uma folha no campo.

Agora estão removendo as telhas e logo estarão dentro de casa. Ela abriu os olhos, pois na semiescuridão do quarto ela ouvia com mais atenção. Não posso pensar nestas coisas, pois é só pensar nas coisas ruins que elas acontecem.

Libertou-se dos lençóis e se sentou na cama. Ferrada no sono Cláudia era uma pedra. Sentiu o chão frio sob seus pés, cruzou os braços sobre o colo e se levantou. Ouviu que efetivamente eles retiravam as telhas do telhado da cozinha.

Caminhou pelo corredor, parou surpresa de ter tido coragem para estar ali. Voltou-se na direção do quarto da mãe, pensou chamá-la, mas e se não fosse mesmo nada e então ela acordaria aquela mãe cansada inutilmente. Vou até lá e olho e aí penso depois o que devo fazer. Chegou até a entrada da cozinha, espichou a cabeça olhando por sobre a escuridão, os olhos não viram logo, mas depois viram, estavam retirando as telhas para entrar na casa.

— Meu Deus, um ladrão no telhado! — se disse num sussurro. — Voltou ao quarto, chamou Cláudia.

— Cláudia acorde e escute.

Subitamente despertada a amiga não entendeu logo.

— O que foi — perguntou — Você ainda não dormiu — disse.

— Fale baixo Cláudia — disse ela tapando a boca da amiga — escute — você não ver que têm ladrões no telhado.

Caminharam juntas até o corredor, pararam no vão da porta da cozinha onde se puseram a observar no escuro o trabalho de remoção das telhas. Foi quando ela viu a mão peluda entrar pelo buraco, aí o medo transfigurou-a, puxou a amiga e correram pela casa, com o barulho acordaram a mãe lá dentro.

— Vocês ainda não dormiram meninas — disse a mãe.

— Minha mãe fale baixo. Escute agora. Homens no telhado.

— ...

— E já estão dentro da cozinha — falou a mãe.

Transidas de medo as três mulheres correram pela casa, abriram a porta e saíram para a rua dando o alarma aos vizinhos.

— Ladrões! Ladrões no telhado! Meu Deus, já estão dentro de casa!

O primeiro vizinho que as ouviu abriu a porta e saiu à rua. O que foi, o que não foi? E depois de ouvir as mulheres convocou os outros.

— Os ladrões estão roubando as casas pelos telhados, acordem, os ladrões estão dentro das casas!

A rua inteira acordada atendeu ao clamor do vizinho. Onde os ladrões? Nos quintais? Nos telhados? Dentro das casas? E esse bairro que era tão bom. Essa infestação de ladrões. Mas isso começou a acontecer depois que os ciganos chegaram. Chamem a polícia. Vamos pegar os ladrões.

— Pegar os ladrões? — Não somos a guarda e mais essa, se são ladrões, devem estar armados.

— Seu Nelson tem um trinta e oito — disse um vizinho — vamos com ele.

Veio seu Nelson, arma em punho, pronto para acabar com os ladrões. Entraram na casa, procuraram nos cômodos, subiram no muro, olharam nos quintais.

— Fugiram. Covardes, não esperavam ser descobertos — disse seu Nelson.

Mas de repente, três casas adiante.

— Acudam gente, os ladrões estão roubando as galinhas, estão trepados na mangueira.

Correram, entraram no quintal, lanternas nas mãos focando galinhas assombradas nos poleiros, mas dos ladrões nem sombra. A rua cheia de gente, confusão, exposições do caso, opiniões sobre a insegurança do bairro, sobre os perigos de mulher sozinha em casa.

Sem resultado as buscas nos quintais foram encerradas e os bravos voltaram da caçada contando que haviam postos os ladrões em fuga. Até gente de outras ruas tinham vindo atraídas pelas notícias e a agitação, as calçadas falavam, as esquinas opinavam.

— Mas e os ladrões?

— Levaram um susto, esta noite não lucraram nada.

— Gente, vocês querem saber o que eu acho, os ladrões não fugiram, olhe que eles podem estar entre nós — disse um vizinho observador — com tanta gente na rua, fora de suas casas, que boa oportunidade para os ladrões darem um rapa.

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