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Virgínia foi tietada pelo senador Cleitinho (Republicanos). — (Foto | Reprodução | TV Senado). |
Na manhã em que Virgínia Fonseca — influenciadora digital de brilho próprio, cabelos platinados e contratos milionários com casas de apostas — compareceu à CPI das bets, não foi apenas o Senado que se curvou: foi a própria lógica republicana que se ajoelhou diante do altar das redes sociais.
O que se viu foi menos um esforço de investigação e mais um espetáculo de reverência, onde os senadores — que deveriam cumprir o papel elementar de esclarecimento público — preferiram posar ao lado da celebridade como quem disputa um raio de luz. Aqueles que ousaram, timidamente, tocar em pontos mais sensíveis — como a natureza dos contratos entre influencers e as empresas de apostas, ou a complexa arquitetura financeira que sustenta esse mercado multibilionário — foram solenemente ignorados. Virgínia permaneceu silente e sorridente, com a serenidade dos que sabem que a autoridade real hoje não se mede em mandatos, mas em seguidores.
O restante da audiência se perdeu em julgamentos morais tão ruidosos quanto inócuos. Perguntaram-lhe, com dedos trêmulos de falsa autoridade, se ela não achava “errado” fazer propaganda de apostas. Como se a moralidade individual de uma promotora fosse o ponto central da questão — e não a omissão do Estado em regulamentar uma atividade legal, mas altamente lesiva ao interesse público. A legalidade, como se sabe, não se estabelece com base em preferências éticas, e tampouco se sustenta com sermões. Seria como convocar o vendedor de cigarros e perguntar se ele já refletiu sobre os males do tabaco.
A verdade, ainda que incômoda, é simples: a CPI não foi montada para investigar. Foi montada para aparecer. E, nesse ponto, cumpriu bem sua função.
A política brasileira, que já vinha sendo progressivamente absorvida pelo ritmo frenético das redes sociais, agora se confunde com ela. A gramática da deliberação foi substituída pela estética da performance. Como nos alertaram pensadores da teoria da comunicação — Guy Debord, Jean Baudrillard e, mais recentemente, Byung-Chul Han —, vivemos sob a lógica da sociedade do espetáculo, onde o valor de verdade é suplantado pelo valor de visibilidade. Os parlamentares não legislam: performam. E o parlamento não delibera: viraliza.
Este tipo de espetáculo, longe de informar ou mobilizar para a transformação, serve antes de tudo para degradar ainda mais o tecido social. Ao encenar uma investigação que não pretende investigar, ao simular uma crítica que não toca no poder econômico real, o parlamento se desmoraliza diante dos olhos da população. E o resultado é devastador: a política se desacredita, o senso de justiça se dilui, e a desigualdade — simbólica e material — escancara-se como norma, não exceção.
A CPI das Bets poderia ter sido uma oportunidade para discutir o impacto social das apostas, suas ramificações econômicas, a necessidade de uma legislação robusta, e os limites éticos da publicidade dirigida a jovens e vulneráveis. Mas preferiu-se convocar a vitrine em vez de desvelar os bastidores. Em vez de proteger o público, protegeram seus próprios metrics. O que se viu foi uma democracia sob tutela do Instagram.
Resta-nos, portanto, uma conclusão amarga: no Brasil de hoje, não é o povo quem governa. Nem mesmo os representantes eleitos. É o algoritmo — e seus profetas de milhões de seguidores. A república não é mais das letras, das leis ou dos debates. É a República do Reels. E nela, o Parlamento converteu-se em mais um palco — ou pior: um ring light.
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Publicado originalmente no Subscribe do Silvio.
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