O
Enem resolveu falar de surdez. O Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) 2017
solicitou aos os candidatos escreverem sobre os “desafios para a formação educacional de surdos no Brasil”.
Obviamente, para nós pessoas com deficiência é um tema conhecido. Sabemos das
questões envolvidas, da complexidade, da luta e disputas que envolvem o campo
da surdez. Inclusive poderiam os alunos sem deficiência afirmar que tal
solicitação diferencia os candidatos, visto que eles, os sem deficiência,
estariam menos preparados para discutir o tema? Não, pois seus colégios
deveriam prepará-los, afirmaria o MEC, numa batalha judiciária sem fim… E o STF
o que diria?
Bem,
do jeito que o STF julgou a ação da relação entre direitos humanos e a redação
do Enem, podemos esperar tudo.
A
respeito disso, aliás, fiquei a imaginar, poderiam propor os candidatos a
eliminação dos surdos, uma eugenia estatal? Pelo parecer do STF, sim. Não
teriam zero. Medo dos tais liberais do STF.
O
campo surdo é um campo enorme. Cerca de 350 mil brasileiros tem surdez
profunda, absoluta, e quase um milhão e oitocentos mil tem surdez grave no
Brasil. Grande parte deles é usaria da Língua Brasileira de Sinais, LIBRAS. Uma
parte menor usa implante coclear, e passou a ouvir. Uma parte perdeu a audição
depois de já alfabetizada, e são usuários de língua portuguesa, e oralizados.
Alguns são usuários de línguas de sinais específicas. Há por exemplo a
URUBU-KAAPOR – LSKB, a língua de sinais brasileira utilizada pelos índios da
tribo Urubu-Kaapor, situada ao sul do estado do Maranhão e com alto índice de
surdez. Ela difere das línguas de sinais dos índios americanos, pois esta é uma
língua de sinais intratribal, enquanto aquelas são intertribais. Não sabemos quantas
línguas indígenas ou intra-cidades para surdos existem, pois fora a etnografia
de Everton Luís Pereira, “FAZENDO CENA NA
CIDADE DOS MUDOS”, sobre uma língua de sinais numa cidade do Piauí, pouco
se escreveu sobre o tema no Brasil.
Além
do desconhecimento, a briga pelo campo é enorme. Os surdos são disputados pelos
agentes de educação, pelos intérpretes, pelos evangélicos, que os analisam como
“povo não alcançado pelo Evangelho”,
e por isso talvez a pauta do Enem. MAIS MEDO. Para que alcancem autonomia as
LIBRAS precisam ser fortalecidas com grandes vocabulários e glossários,
propostas que levantamos em humanas, na ANPOCS.
Os
surdos costumam brigar entre si, os implantados, os usuários de Libras, os
oralizados, e acredito que essas brigas são construídas pelos agentes do campo
que os querem isolados do mundo. Sem poder. Eles precisam se unir.
Seu
discurso, de que não são pessoas com deficiência, mas uma forma de diversidade
humana, nos mostra como a deficiência é um conceito que desagrada, e precisa ser
discutido, ontologicamente.
A
presença do tema no Enem fará o Ensino Médio provavelmente prestar atenção em
subgrupos da discussão da deficiência, discutindo cegueira, doenças raras,
deficiência intelectual, eugenia, autismo, síndromes, acessibilidade, desenho
universal, gênero e deficiência, ente outros. Mais que discutir o tema,
altamente específico, a proposta revela o despreparo que todos temos em lidar
com a questão da diversidade humana. (Por
Adriana Dias, na Revista Fórum).
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(Foto: Reprodução/ Revista Fórum). |
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