Do
DCM
Eis
a verdade que talvez doa (muito) em quem cresceu ouvindo a voz irritante de
Faustão aos domingos: A globo erra mesmo quando tenta acertar – se é que tenta.
Pelas
notícias – cada vez mais esdrúxulas – nas timelines da vida, tenho notado, há
algum tempo, um latente desespero da emissora. Outro dia, lésbicas se beijaram
no horário nobre, sob os reclames da intragável família tradicional brasileira:
“Como vou explicar isso aos meus filhos?”
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Sem noção: repulsa nas redes sociais. |
Vez
ou outra, eles tentam nos comprar: Uma cena gay aqui, uma tentativa de
abordagem do racismo ali – e sempre fazem besteira (vide a abordagem bizarra do
HIV na Malhação ou a intragável novela – ou minissérie, confesso que não sei bem
– Sexo & as negas).
Às
vezes me parece que a emissora finalmente entendeu que o cerco está se
fechando. As pessoas estão se politizando. A popularização da internet abriu
milhares de outras possibilidades, o machismo e o racismo estão sendo
problematizados como nunca antes, e a audiência da maior emissora brasileira só
despenca.
“Vamos
colocar um beijo gay no ar”, eles pensam. “Vamos colocar a Fernanda Montenegro
pra viver uma lésbica.”
Não
funciona, porque a essência de cada programa continua tendenciosa, burra,
vazia, e, por que não dizer, canalha.
Desta
vez passaram dos limites. Televisionaram o que deveria ser uma cena de
‘sedução’, mas foi, claramente, um estupro – mais uma vez a romantização da
violência adentrando a casa dos brasileiros que o permitem. Mais uma vez,
tentam naturalizar um crime repugnante – como se a cultura do estupro já não
fosse suficientemente devastadora.
A
indignação dos telespectadores foi quase inexpressiva – mas o que esperar dos
telespectadores da Globo?
Quase
nada perto do choque quando duas mulheres se beijaram no horário nobre. A
intragável família tradicional brasileira não consegue explicar aos filhos que
duas pessoas do mesmo sexo podem se apaixonar, mas deixa que uma cena de
estupro adentre suas casas sem a menor cerimônia ou estranhamento.
Convenciona-se,
do jeito mais nojento possível, que um estupro não é tão grave assim se estiver
envolto por uma proposital atmosfera de sedução. Fortalece-se a ideia de que
talvez a vítima quisesse, talvez ela estivesse envolvida, talvez o estuprador
fosse um galã global – e, na já terrível vida real, a culpabiliação da vítima
persiste, motivada pela alienação de massas que a rede globo insiste em
promover.
Mães
apontam armas para seus filhos no horário nobre, velhinhos são assassinados em
plena novela das oito, mulheres são estupradas por um garanhão sedutor no maior
estilo Christian Gray e quase ninguém se indigna – eis a razão pela qual este e
outros lixos televisivos permanecem vivos.
Desligue
a TV e descubra que há um mundo de entretenimento sadio pronto para ser
descoberto – boas produções cinematográficas, música independente de primeira,
peças teatrais a preços populares, livros incríveis prontos para serem
descobertos.
A
TV aberta só se afoga na própria lama. Absolutamente nada parece estar a salvo
no mar de lodo da programação global. Não há esperança: a plimplim é um poço de
racismo, hipocrisia, alienação e machismo romantizado.
E
isso sim é que é difícil de explicar aos nossos filhos.
*
Colunista, autora do
livro "As Mulheres que Possuo",
feminista, poetisa, aspirante a advogada e editora do portal Ingênua. Canta
blues nas horas vagas.
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