Do BBC
"Quem sabe se com tantos casos de
microcefalia agora, as autoridades se sensibilizam para abrir mais centros de
reabilitação e nos dar mais recursos para cuidar melhor deles. Espero que
melhore para nós, que passamos por isso há mais tempo", diz a agricultora
pernambucana Cleciana Santos à BBC Brasil.
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Agricultora com filho de cinco anos diz esperar que aumento de casos signifique melhorias em infraestrutura para atender crianças. |
Cleciana,
de 35 anos, e sua família convivem com um caso grave de microcefalia há cinco
anos, quando nasceu seu segundo filho, Emanuel Eduardo. "Quando ele nasceu, a obstetra perguntou se
alguém na família tinha a cabeça pequena. Quando dissemos que não, ela falou
que deveríamos fazer acompanhamento", relembra.
"Mas só fomos quando ele teve a primeira
convulsão, 15 dias depois de nascer. Lá descobriram a microcefalia e a Síndrome
de West, que é responsável pelas convulsões."
A
neuropediatra Durce Gomes de Carvalho, que acompanha Emanuel no Hospital
Universitário Oswaldo Cruz, em Recife, explica que o tamanho da cabeça do
garoto ao nascer, por si só, não chamaria a atenção dos médicos.
Para
identificar os casos atuais de microcefalia em todo o país, relacionados ao
vírus da zika, o Ministério da Saúde e as secretarias estaduais usam a medida
de 32 cm, que é o padrão estabelecido pela Organização Mundial de Saúde (OMS).
Emanuel, no entanto, nasceu com 34 cm.
No
entanto, outros fatores podem guiar a observação, como a proporcionalidade da
cabeça em relação o corpo da criança. Eduardo era um bebê grande, com quatro
quilos e 51 cm, ao nascer. Por isso, sua cabeça parecia menor do que deveria
ser.
"Existe sempre a possibilidade de erro na
medida, que tenha mostrado um tamanho maior. Mas ele nasceu com peso e o
comprimento acima da média e perímetro cefálico levemente abaixo da média. Dá
para perceber bem a diferença", disse a neuropediatra à BBC Brasil.
A
microcefalia, que pode ser causada por problemas genéticos ou infecções que
atingem os bebês ainda na gravidez, é uma má-formação que dificulta o
desenvolvimento do cérebro.
Por
causa disso, a criança pode ter desde problemas cognitivos, passando por
deficiências visuais, motoras e auditivas, até sofrer de síndromes mais sérias.
A
investigação médica apontou um problema genético como causa da má-formação em
Emanuel, que veio acompanhada de paralisia cerebral e da Síndrome de West, um
tipo de epilepsia que faz com que ele sofra cerca de 20 convulsões todos os
dias.
Caso grave
Especialistas
ouvidos pela BBC Brasil afirmam que é difícil fazer prognósticos completamente
precisos para crianças com microcefalia. Os casos – e suas consequências –
variam muito. Exames de imagem como as tomografias revelam a extensão dos danos
que o cérebro do bebê sofreu.
Casos
em que a microcefalia tem origem genética, explica Durce Gomes, podem ser mais
leves do que aqueles causados por infecções que atingem os bebês ainda na
barriga da mãe – como a rubéola, a sífilis, a toxoplasmose e a zika.
Mas
a má-formação em Emanuel significou um prejuízo muito grande em todas as áreas
do cérebro. Ele não anda, não fala, quase não enxerga e tem dificuldade para
engolir. Por isso, precisa que os líquidos que vai consumir sejam misturados
com um pó que os torna mais espessos.
"Há alguns tipos de microcefalia genética em
que o cérebro não se desenvolve tão bem, mas possui todas as suas camadas. Elas
só não estão no tamanho normal. Por isso, as crianças podem se desenvolver
mais. No caso dele, o problema já começou na formação das estruturas cerebrais”,
diz a neuropediatra, que também atende os novos casos de microcefalia em
Recife.
"Há muitas novas crianças que têm alterações
bem maiores no cérebro e são como ele."
Para
a família de Cleciana, que na época vivia em Passira (a 120 km de Recife), a
notícia significou uma mudança completa na rotina e o aumento das dificuldades
financeiras.
"Quando descobriram a microcefalia e eu saí
do hospital, chorei muito. Eu queria meu filho bom. Mas com o passar do tempo,
Deus foi dando forças pra a gente se conformar com a situação. Estamos aqui há
5 anos na luta. Não é fácil, são muitas dificuldades", diz a
agricultora.
Terapias
Ao
confirmar a microcefalia, os médicos recomendam que os bebês comecem a ser
estimulados o mais cedo possível, com sessões de fisioterapia, fonoaudiologia e
outras terapias.
Elas
ajudam a descobrir quais são as limitações da criança, já que muitas só se
revelam com o passar do tempo, na medida em que o cérebro encontra obstáculos
ao seu desenvolvimento. Ao mesmo tempo, tentam auxiliar o amadurecimento do
cérebro do bebê.
"A cada terapia que era feita, elas
descobriam outro problema que ele tinha. A terapeuta ocupacional mostrava
brinquedos coloridos e ele não seguia com os olhos, então fizemos o exame e percebemos
que ele não enxergava", diz Cleciana.
Para
ficar mais próxima dos centros de reabilitação que Emanuel tinha que
frequentar, a família vendeu a maior parte dos bens e mudou-se para Recife, mas
a rotina exaustiva de tratamentos e os custos com remédios se multiplicaram.
"Chegou um momento em que a gente não tinha
dinheiro pra nada. Não ficamos piores porque meu sogro nos ajudou
financeiramente", diz Cleciana.
"Emanuel ficou doente e a nutricionista falou
sobre usar o espessante para que ele pudesse engolir alimentos sem precisar de
sonda. Cada lata custava R$ 57 e ele usava 6 latas por mês. Só depois descobri
que teria direito a receber espessante pelo Estado, mas ainda tenho que comprar
os medicamentos caros."
'Potencial pequeno'
Três
anos depois, Cleciana e o marido decidiram voltar para Passira, onde teriam
apoio dos pais para cuidar de Emanuel e da filha mais velha do casal. Mas os
poucos sinais de melhora do filho, mesmo com a ajuda das terapias, também foi
determinante.
"Cerca de um ano depois de começar uma
terapia, as médicas davam alta, porque ele não evoluía ou a evolução era muito
lenta. E elas precisavam abrir vagas para outras crianças", diz a mãe.
"Ele chegou a fazer ecoterapia, em que andava
a cavalo. Ele adorava, mas a médica achou melhor suspender, porque ele poderia
cair ao ter uma convulsão."
Segundo
Durce Gomes, as crianças microcéfalas podem receber alta dos centros de
reabilitação quando atingem objetivos específicos, de acordo com o potencial
que elas têm, ou seja, com o quanto a má-formação permite que eles se
desenvolvam.
"O potencial dele é pequeno e os centros de
reabilitação trabalham com objetivos, que podem ser muito diferentes: andar com
o andador, andar sem ajuda ou sustentar a própria cabeça, por exemplo."
A
partir daí, as terapias podem não fazer com que a criança evolua, mas são
essenciais para melhorar sua qualidade de vida, especialmente em casos graves
como o de Emanuel.
Preconceito
De
sessão em sessão, Cleciana teve que superar problemas de acessibilidade, falta
de recursos dos serviços de saúde e preconceito, que devem atingir também as
novas mães de bebês com microcefalia – Pernambuco é o Estado com mais casos
suspeitos da má-formação no Brasil, com 1.185.
"A acessibilidade daqui deixa muito a
desejar, principalmente em ônibus. Os elevadores estão sempre quebrados, eu
passava muito tempo nas paradas esperando um ônibus adaptado que funcionasse e
chegava atrasada nas consultas", diz.
"Uma vez fui pegar o ônibus, o motorista
desceu para ajudar o cobrador na plataforma (que permite que deficientes
físicos subam a bordo), que estava enganchada. Eles perderam um bom tempo.
Quando entramos, o cobrador disse: 'Esses deficientes atrapalham a vida da
gente'. Aquilo me doeu muito", relata.
Depois
de se mudar de volta a Passira, Cleciana passou a depender de carros da
prefeitura – que costumam ser disponibilizados para levar pacientes que
necessitam de acompanhamento especializado – para ir às sessões de fisioterapia
em Recife. Em sua cidade, Emanuel não tem acesso a todos os tratamentos de que
precisa.
"A gente vem (para Recife) em vans muitas
vezes superlotadas e temos que ficar o dia lá esperando os outros pacientes.
Para ele é difícil, ele adoece", diz.
"Agora, a prefeitura diz que os carros estão
quebrados e ele está há quase dois meses sem ir para fisioterapia. Percebo que
os braços e pernas estão mais atrofiados."
A
Secretaria de Saúde de Passira foi procurada pela reportagem para responder
sobre o problema, sem sucesso.
Em
entrevista à BBC Brasil, o secretário de Saúde de Pernambuco, Iran Costa,
reconheceu que o aumento de casos de microcefalia exigirá a adaptação do Estado
para atender melhor, em diversas áreas, as crianças e suas famílias.
"O número de obstáculos é infinito.
Infelizmente, isso é um retrato de Pernambuco e do Brasil", disse.
Segundo
ele, o Estado já conta com cinco centros especializados no acompanhamento das
crianças e trabalha para que 19 Unidades de Pronto Atendimento (UPAs) no
interior e na capital possam oferecer fisioterapia e fonoaudiologia.
A
secretaria de Transportes, diz Costa, também faz parte de um comitê do governo
para lidar com a crise e discute medidas para melhorar o acesso das famílias
aos centros. "Essas crianças vão ter
que ter uma certa prioridade pela gravidade da sua situação", afirmou.
Pequenas vitórias
Diante
dos problemas, Cleciana e sua família encontram estímulo ao observar os
pequenos progressos de Emanuel no dia a dia e seu carinho com a irmã,
Emanuelle, de 10 anos. "Eles são
muito unidos. Ela diz que quer ser médica para cuidar dele e sabe explicar para
as pessoas o que ele tem."
Através
da audição, o menino reconhece a presença dos familiares e demonstra através de
gestos a alegria em estar perto deles.
"Cada coisa que ele faz é uma alegria pra a
gente. Para uma criança normal pode não ser assim, mas para nós cada movimento
que ele consegue fazer, por mais simples que seja, é uma vitória."
"Quando a gente tem uma criança dessas, tem
que ter muito amor porque os obstáculos virão dia após dia. O segredo é não
desistir", afirma.
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