23 de julho de 2023

Conheça Beatriz Nascimento, intelectual negra que inspira cientistas

 

Beatriz Nascimento. (FOTO | Arquivo Nacional).


Negra, migrante, nordestina e mulher, a historiadora Beatriz Nascimento (1942-1995) foi uma das principais intelectuais do país, com contribuições fundamentais para entender a identidade negra como instrumento de autoafirmação racial, intelectual e existencial. Ela desenvolveu pesquisas sobre o que denominou de “sistemas sociais alternativos organizados por pessoas negras”, investigando dos quilombos às favelas. A partir desta quinta-feira (20), Beatriz dá nome ao "Atlânticas - Programa Beatriz Nascimento de Mulheres na Ciência", primeiro programa do governo federal direcionado exclusivamente a mulheres cientistas negras, indígenas, quilombolas e ciganas.

Segundo a Enciclopédia de Antropologia da Universidade de São Paulo, Maria Beatriz Nascimento nasceu em Aracaju. É a oitava filha de Rubina Pereira do Nascimento e Francisco Xavier do Nascimento, que migraram para a cidade do Rio de Janeiro no final de 1949.

Beatriz ingressou no curso de História da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) no ano de 1968, concluindo a graduação em 1971, aos 29 anos de idade. Sob orientação do historiador José Honório Rodrigues, ela realizou estágio de pesquisa no Arquivo Nacional e trabalhou como professora de história da rede estadual de ensino do Rio de Janeiro.

A historiadora se especializou em História do Brasil pela Universidade Federal Fluminense (UFF) quando, em 1974, participou da criação do Grupo de Trabalho André Rebouças e, em 1975, do Instituto de Pesquisa das Culturas Negras (IPCN). Com o sociólogo Eduardo de Oliveira e Oliveira (1923-1980), a filósofa e antropóloga Lélia Gonzalez (1935-1994) e o jornalista Hamilton Cardoso (1953-1999), ela partilhou pesquisas e militâncias.

Durante a Quinzena do Negro, evento ocorrido na Universidade de São Paulo (USP) em 1977, Beatriz apresentou a conferência Historiografia do quilombo, delineando os contornos do que ela desenvolveria, posteriormente, como espaços de resistência cultural negra: dos bailes blacks aos territórios de favelas, esses espaços constituiriam uma identidade negra como instrumento de autoafirmação racial, intelectual e existencial, além de território simbólico ancorado no próprio corpo negro.

Em 1979, em viagem ao continente africano, a autora conheceu territórios de antigos quilombos angolanos e reafirmou a vinculação entre as culturas negras brasileira e africana. No documentário Ôrí, lançado em 1989, dirigido pela cineasta e socióloga Raquel Gerber, Beatriz narra parte da trajetória dos movimentos negros no Brasil entre 1977 e 1988, ancorando-se no conceito do quilombo como ideia fundamental, que atravessa sua própria narrativa biográfica, para retraçar continuidades históricas entre o quilombo e suas redefinições nos dias atuais.

Beatriz escreveu uma série de textos, poemas, roteiros, ensaios e estudos teóricos, entre os quais se destacam Por uma história do homem negro (1974); Kilombo e memória comunitária: um estudo de caso (1982) e O conceito de quilombo e a resistência cultural negra (1985).

Em 1995, a historiadora é vítima de feminicídio, aos 52 anos de idade. Pelas suas importantes contribuições à pesquisa acadêmica, em outubro de 2021 é outorgado a ela o título póstumo de Doutora Honoris Causa in Memoriam pela UFRJ. Ao lado de Lélia Gonzalez (1935-1994), Sueli Carneiro (1950-) e Luiza Bairros (1953-2016), Beatriz figura como umas das mais importantes intelectuais negras brasileiras.

Beatriz Nascimento é uma das intelectuais mais brilhantes que esse país já teve e que, infelizmente, teve a vida interrompida de maneira muito precoce em razão do feminicídio”, ressalta a professora de História e mestra em Educação pela Universidade Federal de Ouro Preto Luana Tolentino.

Segundo Luana Tolentino, a historiadora é uma grande inspiração para as pesquisadoras negras. “Beatriz Nascimento abriu portas para que a minha geração pudesse entrar. Sou da década de 1980, então sou dessa geração que tem tido a oportunidade de exercer o direito de estar na universidade também em função da política de cotas. A luta contra o racismo da Beatriz Nascimento foi fundamental para construção dessas políticas públicas de promoção da igualdade racial e também como um incentivo, como farol para nós pesquisadoras negras, mulheres negras”.

As pesquisadoras negras precisam enfrentar diversos desafios, afirma Luana. “O primeiro desafio é justamente o racismo que orienta a sociedade brasileira, que dificulta de todas as maneiras o acesso das mulheres negras à universidade. Temos a política de cotas, que é um marco na história do país e que sem sombra de dúvidas tem sido fundamental para dar novos contornos, novas cores à universidade, mas ao mesmo tempo, há uma série de barreiras que dificultam o acesso das mulheres negras ao ensino básico. Entre os grupos sociais que não tiveram oportunidade de frequentar a escola, as mulheres negras são maioria”, explica Luana Tolentino.

O outro ponto destacado pela professora, é que ao chegar na universidade as pesquisadoras precisam enfrentar o olhar de desconfiança com o qual as são vistas, também motivado pelo racismo.

Vivemos em um país em que ainda há uma expectativa de que, nós mulheres negras, estamos nesse mundo apenas para servir e limpar a sujeira dos outros. Estamos em um país que ainda tem dificuldade de pensar nas mulheres negras como pesquisadoras, como intelectuais, como produtoras de conhecimento. Mas, a despeito de tudo isso, nós estamos em um número muito significativo na universidade, acho que como Beatriz Nascimento sonhou. Nós que já estamos [na universidade] precisamos assumir o compromisso de abrir tantas outras portas para que outras mulheres negras possam entrar e garantir o direito humano à educação e ao ensino superior”.

Luana Tolentino é autora dos livros Outra educação é possível: feminismo, antirracismo e inclusão em sala de aula (Mazza Edições) e Sobrevivendo ao racismo: memórias, cartas e o cotidiano da discriminação no Brasil (Papirus 7 Mares).

Programa

O Atlânticas - Programa Beatriz Nascimento de Mulheres na Ciência quer fortalecer as trajetórias acadêmicas dessas mulheres oferecendo bolsas de doutorado e pós-doutorado sanduíche no exterior. O governo federal vai investir aproximadamente R$ 7 milhões, resultado da parceria entre o Ministério da Igualdade Racial com o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), o Ministério dos Povos Indígenas (MPI) e o Ministério das Mulheres (Mmulheres).

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Texto de Ludmilla Souza, na Agência Brasil.

22 de julho de 2023

“Barbie para mim nunca foi inspiração, apenas frustração mesmo”, diz bonequeira do Cariri

 

Atriz e professora, essa jovem bonequeira diz que a “Barbie para mim nunca foi inspiração, apenas frustração mesmo”. (FOTO | Arquivo pessoal).


Durante a travessia dessa onda rosa que inunda o país com o lançamento do filme Barbie, trago aos leitores um socorro capaz de evitar o afogamento em tanto colonialismo.

É possível entender o fenômeno com a ajuda das bonequeiras do Cariri. São artesãs que tecem bonecas de pano sob a sombra de nossos telhados sem forro, alpendres e mangueiras.

Elas têm algumas palavras a dizer sobre a boneca criada nos EUA pelo casal Ruth e Elliot Handler no final da década de 1950 como forma de materializar a mulher que deixava os afazeres domésticos para ser dona do seu tempo e conquistar o seu espaço.

Se naquele país a Barbie pode ter representado um avanço sobre o patriarcado, a chegada dela ao Brasil — com o seu corpo longilíneo e cabelos loiros — teve outros significados para milhões de brasileiras que não se viam naquele ideal de beleza.

“Barbie para mim nunca foi inspiração, apenas frustração mesmo”, afirma Simony Vieira.

Atriz e professora, essa jovem bonequeira precisa ser ouvida mais atentamente, porque o seu trabalho despertou o sonho infantil de milhões de brasileiras e o dela própria.

Simony Vieira cria bonecas negras como ela. São pretas e pardas, nos detalhes: cabelo crespo, nariz e lábios grossos. Mulheres não brancas, não loiras, como são a maioria das brasileiras.

Respondendo a demandas do mercado, a Barbie foi ganhando versões com diversidade, inclusive com deficiência, mas a loira permaneceu como o estereótipo.

Sabemos que existe a Barbie negra, mas precisamos analisar. Essa boneca é como se eles tivessem pego boneca branca e apenas pintado de preto. O nariz, os olhos são os mesmos. Não tem as características dos nossos ancestrais, nosso nariz, nosso cabelo, o formato da curva do corpo, diz Simony.

Realmente, o formato do corpo da Barbie é tão idealizado que, se fosse realmente humana, talvez nem parasse em pé. Mas num país como o Brasil, cuja população padece de sintomas graves de colonialismo, a Barbie dobrou a aposta na exclusão.

Já houve um tempo em que assistir à TV neste país era como estar na Suécia. Hoje, com um pouco de inclusão, já estamos ficando parecidos com, ironicamente, os EUA, onde a principal apresentadora é uma preta, Oprah Winfrey. Mas estamos longe de sermos nós mesmos, pardos, negros, miscigenados em maioria, loiros em minoria.

Porém, quando se vê uma correria ao cinema de forma tão acrítica, com uma explosão de conteúdo de marketing na cor rosa, parece que os passos dados à frente no processo civilizatório carecem de firmeza.

Como negra e como mãe de uma menina negra, que está para nascer, eu me preocupo com esse ideal de beleza”, disse Simony.

Felizmente, a brasileira que está por nascer terá para brincar bonecas feitas pela própria mãe nas quais vai poder inspirar-se de forma real, confortável e inclusiva.

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Texto de Paulo Henrique Rodrigues, no Diário do Nordeste.

Governo federal propõe que ataques a escolas se tornem crimes hediondos

 

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva participa de cerimônia de lançamento do Programa de Ação na Segurança (PAS), no Palácio do Planalto. (FOTO |Marcelo Camargo |Agência Brasil).


Como parte do Programa de Ação na Segurança (PAS), o governo federal vai encaminhar um projeto de lei (PL) ao Congresso Nacional. O anúncio da proposta foi feita em cerimônia no Palácio do Planalto nesta sexta-feira (21).

Segundo o governo, a proposta acata um pedido das famílias das quatro vítimas do ataque a uma creche em Blumenau (SC), ocorrido em abril deste ano. Em 2023, ao menos sete pessoas foram mortas em ações deste tipo.

No texto - cujo encaminhamento ao Congresso ainda deve ser formalizado - homicídios e lesões com resultado morte ocorridos em unidades escolares entram no rol de crimes hediondos, estabelecido na Lei 8.072 de 1990. A principal diferença entre crimes hediondos outros crimes é a inexistência de possibilidade de fiança e a vedação de concessão de graça, indulto ou anistia. Além disso, os prazo para progressão de regime são maiores.

Além de ingresso no rol de crimes hediondos, o texto prevê também que esse tipo de ação seja tipificada como crime qualificado - o que implica em pena maior. Com isso, a pena deverá aumentar em um terço para mortes em escolas. Caso a vítima seja pessoa com deficiência ou com doença que implique maior vulnerabilidade, a sanção pode aumentar em até 50%. No caso do autor ser ascendente, padrasto ou madrasta, tio, irmão, cônjuge, companheiro, tutor, curador, preceptor ou empregador da vítima, a pena pode crescer em dois terços.

No caso de agressões, a ideia é que um novo tipo penal seja criado, chamado Violência em Instituições de Ensino. A proposta é que nas modalidades grave, gravíssima, lesão corporal seguida de morte ou cometido contra pessoa com deficiência, a pena deste novo crime seja aumentada em um terço.

De acordo com o Lula, o pacote da segurança pública é mais um dos esforços do governo federal para "trazer o país de volta à normalidade", uma das tônicas da campanha eleitoral em 2022.

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Com informações do Brasil de Fato.

Potengi - CE: população reclama de más condições de transportes

 

(FOTO | Reprodução | encaminhado à redação do blog).

Circula nas redes sociais um vídeo que mostra o prefeito de Potengi, Edson Veriato (PT) denunciando o descaso do transporte escolar, em um movimento na cidade, em 2020.

No vídeo, Edson começa dizendo que não podia “ficar calado” diante do descaso com o transporte escolar no Potengi.

É extremamente importante essa manifestação, pra tentar garantir pelo menos respeito, já que muito tempo essa situação vem se arrastando. Além de estar na rua, é preciso também garantir documentos que venha efetivar esse direito que é ter transporte escolar de qualidade”, afirma.

Em um segundo trecho, Edson comenta sobre o estado dos ônibus escolares. “Deparamos hoje com uma situação terrível por conta da má condição dos transportes escolares, na sua maioria com pneus carecas, portas são trancadas com cadeados por fora, tetos são segurados com cabos de vassouras.”

Segundo alguns moradores do município, o desrespeito com Potengi vem de muito tempo. “Esse prefeito aí [Edson Veriato] denunciou a falta de transporte escolar de qualidade pela gestão passada. Só que ele tá fazendo do mesmo jeito. Não somos bestas!”, afirmou uma moradora.

As crianças sendo prejudicadas por falta de transporte p levar elas para escola. Quando chega algum ônibus, é sucateados, sem o mínimo de segurança. Eu fico com o coração na mão quando minha neta entra em um ônibus escolar de Potengi pra escola. O povo não aguenta mais tanta mentira prefeito. O senhor tá fazendo do mesmo jeito da gestão passada. O senhor tá mentindo para o povo”, disse uma moradora que preferiu não se identificar.

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Texto encaminhado a redação do blog por Gabrielly, do blog do Boa.

Em tempo: a redação do blog informa que o espaço está aberto caso a administração de Potengi queira se manifestar.

21 de julho de 2023

Nzinga Mbandi, a saga e o trono da rainha resistente

 

Figura 01. Retrato de Nzinga Mbandi em um pergaminho conservado no mosteiro de Coimbra, ilustração presente na obra: BRÁSIO, Antônio. Monumenta Missionária Africana. Lisboa: A.G.U. 1952, 11vol. 

Por César Pereira, Colunista

Em 1571 o rei de Portugal Dom Sebastião determinou a organização de uma política colonizadora para as terras portuguesas nos territórios africanos conhecidos hoje como Angola. O objetivo do monarca europeu era criar uma estrutura colonial semelhante àquela que já estava em desenvolvimento no Brasil desde 1530.

20 de julho de 2023

Professora Cícera Nunes e Valéria Carvalho, do Grunec, receberão comenda Maria do Espírito Santo

 

Professora Cícera Nunes e Valéria Carvalho. (FOTO | Montagem | blog Negro Nicolau).

Por Nicolau Neto, editor

A prefeitura do Crato, na região metropolitana do cariri, promoverá no próximo dia 25 de julho, Dia Internacional da Mulher Negra Latino-Americana e Caribenha, a solenidade de entrega da Comenda Maria do Espírito Santo.

O evento visa homenagear mulheres que sejam referência no desenvolvimento de ações de combate as desigualdades de estruturais de raça e de gênero. Este ano as homenageadas com a medalha serão a professora Drª Cícera Nunes, do Departamento de Educação da Universidade Regional do Cariri (URCA) e Coordenadora do Núcleo de Estudos e Pesquisas em Educação, Gênero e Relações Étnico-Raciais (NEGRER) e a professora aposentada e ativista dos direitos civis e humanos das populações negras com atuação pelo Grupo de Valorização Negra do Cariri (GRUNEC), Valéria Carvalho. Além delas, receberá a comenda a líder religiosa Raimundo dos Santos, a Mãe Kum.

O evento ocorrerá no auditório da prefeitura a partir das 18h30 e foi divulgada nas redes sociais tanto do NEGRER quanto do GRUNEC.

Sobre Maria do Espírito Santo

A comenda leva o nome de Maria do Espírito Santo, conhecida popularmente por “Madrinha Espírito Santo”, que era mulher negra que pautou sua vida em prol da defesa e propagação das religiões de matriz africana, sobretudo da Umbanda – da qual foi líder (mãe de santo) em Crato. Ela foi benzedeira e atuou também como servidora pública deste município onde viveu por cerca de seis décadas.

Mulher negra no STF, nove nomes

Thiago Amparo é advogado. (FOTO | Reprodução | Twitter).

Escolha não é identitarismo, é ocupar o poder para reparação histórica.

Pessoas negras têm nome e sobrenome e trajetórias construídas coletivamente, por vezes longe dos tapinhas nas costas em Brasília ou das rodas de vinho em Portugal. É hora de pararmos de demandar em abstrato que Lula nomeie uma jurista —e, sobretudo, negra— ao STF; devemos dizer seus nomes. Escolher uma mulher negra progressista não é identitarismo. É política em sentido puro; é ocupar o poder para reparação histórica.

Listo aqui nove juristas, sem prejuízo de outras. Começo com três nomes de juízas negras, que já destoam da regra: estima-se que mulheres negras ocupem apenas 7% do Judiciário e tão somente 2% na segunda instância.

Minha favorita, Adriana Cruz é juíza titular no Rio de Janeiro, doutora em direito penal pela Uerj e professora na PUC-Rio —deverá ser secretária-geral do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Outras duas juízas negras despontam como excelentes nomes: Karen Luise Souza, do TJ-RS, que ocupa o Comitê Executivo do Observatório de Direitos Humanos do Poder Judiciário no CNJ e auxilia Rosa Weber; e Flávia Martins de Carvalho, do TJ-SP, diretora de Promoção da Igualdade Racial da Associação de Magistrados do Brasil.

Tirar o foco do eixo sudestino também é fundamental. Outra favorita, Lívia Sant’Anna Vaz é promotora de Justiça no Ministério Público da Bahia, doutora em ciências jurídico-políticas em Lisboa e foi nomeada uma das 100 pessoas de descendência africana mais influentes do mundo. Já Vera Lúcia Araújo é advogada baiana com longa e respeitada trajetória, chegando a ter integrado a lista tríplice do TSE em 2022. Dentro da academia e advocacia pretas, não posso deixar de citar Thula Pires, Silvia Souza e Alessandra Benedito.

Já Joenia Wapichana se destaca como a primeira advogada indígena a fazer sustentação oral no Supremo, e sua nomeação seria uma reparação aos anos de morticínio.

O STF somente será equânime quando tivermos 11 mulheres na corte e ninguém achar isso estranho: não achavam quando eram apenas homens por 110 anos até os anos 2000.

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Texto de Thiago Amparo, originalmente na Folha de São Paulo e replicado no Geledés.

19 de julho de 2023

A história do Brasil nas Copas do Mundo de Futebol Feminino

 

Primeira Seleção Brasileira Feminina de futebol, em 1988. (FOTO  | Reprodução | CBF).


Faltam poucos dias para a 9ª edição da Copa do Mundo e a expectativa pela Seleção Brasileira aumenta diariamente. Relembre a história do Brasil no torneio.

As Copas do Mundo de Futebol Feminino começaram em 1991, no entanto, é essencial contextualizar que o futebol feminino foi proibido no Brasil de 1941 a 1979. Os primeiros torneios nacionais começaram em 1983 e o futebol feminino brasileiro ainda iniciava a sua profissionalização em meio a poucos recursos, muita resistência e estigmas ainda mais fortes.

O início da seleção (1991)

Em 1991, a Seleção Brasileira tinha como base a equipe do Radar, que durou até 1990 e que dominou grande parte dos campeonatos nacionais nos anos 80. Em torneios internacionais, a principal experiência do Brasil foi a Invitations Cup em 1988, torneio teste para a Copa do Mundo de 91. A Seleção foi bem e terminou em 3º lugar.

A Copa de 91 foi realizada na China com 12 equipes. O Brasil caiu em um difícil grupo B, junto com Estados Unidos, Suécia e Japão. No 1º jogo brasileiro na história do torneio, vitória contra o Japão por 2 x 0. Nos dois jogos seguintes o Brasil foi superado pelos futuros campeões Estados Unidos, por 5 x 0, e pela Suécia, por 2 x 0 (com gol de Pia Sundhage, atual técnica do Brasil).

Sissi e a mudança de patamar (1995-99)

Quatro anos mais tarde, o Brasil chegou à Copa com 3 nomes históricos: Sissi, Formiga e Michael Jackson. A Seleção novamente estava em um difícil grupo, com Alemanha, Japão e as suecas, que eram as anfitriãs. Na estreia, venceram a Suécia por 1 x 0, porém nos jogos seguintes a equipe foi derrotada pelo Japão por 3 x 1 e pela Alemanha, por 6 x 1. O futebol feminino brasileiro estava no início do seu desenvolvimento, mas começava a montar uma base importante para as Copas seguintes.

Em 1999, a Copa do Mundo foi sediada nos Estados Unidos. O Brasil tinha Formiga, Pretinha, Kátia Cilene e a artilheira do torneio: Sissi, que fez 7 gols e foi eleita Bola de Ouro do torneio. A Seleção estava no Grupo B, com a Alemanha, Itália e México. Na estreia, o Brasil goleou as mexicanas por 7 x 1 e, na sequência, venceu as italianas por 2 x 0. Elas passaram em 1º no grupo ao empatar com o forte time alemão em 3 x 3.

Nas quartas, as brasileiras venceram a Nigéria por 4 x 3. Chegando pela primeira vez à semifinal, a Seleção parou nos Estados Unidos, que seriam campeão, por 2 x 0. O Brasil conquistou o 3º lugar, após empatar com a Noruega em 0 x 0 e triunfar nos pênaltis. O futebol feminino brasileiro estava oficialmente em um degrau acima das Copas anteriores, algo que perdurou nos anos 2000.


Sissi após levar o Brasil ao 3º lugar em 1999. (FOTO | FIFA).

Marta e o auge da seleção (2003-11)

Após o protagonismo de Sissi, uma jovem alagoana de 17 anos assumiu a camisa 10 da Seleção em 2003: Marta. Além dela, a jovem Cristiane também estreava e tinha ao seu lado nomes como Formiga, Daniela Alves, Rosana e Katia Cilene, que foi a artilheira brasileira com 4 gols. Em mais uma Copa sediada nos Estados Unidos, o Brasil fez uma grande primeira fase: venceu a Coreia do Sul por 3 x 0, a Noruega por 4 x 1 e empatou com a França em 1 x 1. Nas quartas o Brasil foi superado pela Suécia, que seria vice-campeã, por 2 x 1. A base de uma equipe cada vez mais forte estava formada e o auge daquele time viria em breve.

O Brasil chegou à Copa de 2007 embalado pelo título Pan-Americano, onde goleou os Estados Unidos na final. Além disso, a Seleção vinha de um vice-campeonato olímpico em 2004 e tinha Marta eleita a melhor jogadora do mundo pela primeira vez. Além disso, Cristiane estava entre as melhores do mundo, completando uma forte Seleção com Formiga, Pretinha, Rosana , Daniela Alves e muitas outras.

A Seleção foi irretocável na primeira fase: fez 5 x 0 na Nova Zelândia, 4 x 0 na China e 1 x 0 na Dinamarca. Nas quartas, o Brasil venceu a Austrália por 3 x 2. Na semifinal, um dos jogos mais icônicos dessa geração: pouco após golear os Estados Unidos no Pan, o Brasil voltou a vencer as estadunidenses, na casa delas, por 4 x 0.

Na final, o Brasil infelizmente parou na Alemanha por 2 x 0. Entretanto, a mobilização nacional rumo à maior popularização e investimentos no futebol nacional ganhavam força. Marta, que se consolidou ainda mais como o maior nome do futebol, foi artilheira com 7 gols e ganhou todos os prêmios de melhor do mundo até 2010.

A geração vice-campeã do mundo manteve boa parte de sua base em 2011 e foi renovada com nomes como Thaisinha e Maurine. Na Copa da Alemanha, o Brasil fez mais uma grande primeira fase, vencendo a Austrália por 1 x 0, a Noruega por 3 x 0 e Guiné Equatorial também por 3 x 0. O Brasil era um dos favoritos e tinha boas chances de ser campeão. Porém nas quartas enfrentou o forte time dos Estados Unidos, empatando por 0 x 0 e caindo nos pênaltis.

Jogadoras brasileiras pedem mais apoio após a final em 2007. (FOTO | Reprodução).

Renovações e novos ciclos (2015-23)

Em 2015, o Brasil foi renovado com jogadoras como Gabi Zanotti, Andressinha, Tamires e Maurine, além da manutenção da geração Marta, Cristiane e Formiga. Na Copa sediada no Canadá, o Brasil venceu: a Coreia do Sul por 2 x 0, a Espanha por 1 x 0 e Costa Rica, também por 1 x 0. Nas oitavas, a Seleção parou na Austrália, com 1 x 0.

Em 2019 o futebol feminino brasileiro vivia um outro momento: cada vez mais profissionalizado e com mais espaço para os clubes midiaticamente. Este crescimento, que deve se tornar cada vez maior, tem grande influência da geração comandada por Marta, Cristiane e Formiga.

A Copa de 2019 foi a última dessa geração e, em 2023, Marta se despedirá das Copas. Em 2019, o Brasil também teve novidades como Debinha, Geyse, Bia Zaneratto e Ludmila. Na última Copa, realizada na França, o Brasil estreou com vitória de 3 x 0 sobre a Jamaica, com 3 gols de Cristiane. Na 2ª rodada, a Seleção perdeu por 3 x 2 para a Austrália e, na sequência, venceu a Itália por 1 x 0. Nas oitavas, diante das anfitriãs, o Brasil caiu apenas na prorrogação, por 2 x 1.

Em 2023 a Seleção chega renovada e terá a última Copa de Marta, a maior de todos. Debinha e Geise chegam à segunda Copa do Mundo em grande momento e uma nova geração se constrói após os avanços das últimas 3 décadas.

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Texto de Patrick Simão, do @alemdaarena e reproduzido na Mídia Ninja.