17 de setembro de 2016

Negro Nicolau: Por que estudar História?, por Laura de Mello e Souza


Para responder esta pergunta, a primeira frase que me ocorre é a resposta clássica dada pelo grande Marc Bloch a seu neto, quando o menino lhe perguntou para que servia a História e ele disse que, pelo menos, servia para divertir. Após 35 anos de vida profissional efetiva, como pesquisadora durante seis anos e, desde então – 29 anos – também como docente na Universidade de São Paulo, considero que a diversão é essencial, entendida no sentido de prazer pessoal: a melhor coisa do mundo é fazer algo que gostamos de fato, e eu sempre adorei História, sempre foi minha matéria preferida na escola, junto com as línguas em geral, sobretudo italiano e português, e sempre mais a literatura que a gramática.

Publicado originalmente em A Folha de Gragoatá

Mas a História é, tenho certeza disso, uma forma de conhecimento essencial para o entendimento de tudo quanto diz respeito ao que somos, aos homens. Os humanistas do renascimento diziam que tudo o que era humano lhes interessava. A História é a essência de um conhecimento secularizado, toda reflexão sobre o destino humano passa, de uma forma ou de outra, pela História. Sociologia, Antropologia, Psicologia, Política, todas essas disciplinas têm de se reportar à História incessantemente, e com tal intensidade que o historiador francês Paul Veyne afirmou, com boa dose de provocação, que como tudo era História, a História não existia (em Como escrever a História). Quando os homens da primeira Época Moderna começaram a enfrentar para valer a questão de uma história secular, que pudesse reconstruir o passado humano independente da história da criação – dos livros sagrados, sobretudo da Bíblia – eles desenvolveram a erudição e a preocupação com os detalhes, os fatos, os vestígios humanos – as escavações arqueológicas, por exemplo – e criaram as bases dos procedimentos que até hoje norteiam os historiadores. Mesmo que hoje os historiadores sejam descrentes quanto à possibilidade de reconstruir o passado tal como ele foi, qualquer historiador responsável procura compreender o passado do modo mais cuidadoso e acurado possível, prestando atenção aos filtros que se interpõem entre ele, historiador, e o passado. Qualquer historiador digno do nome busca, como aprendi com meu mestre Fernando Novais, compreender, mesmo se por meio de aproximações. Compreender importa muito mais do que arquitetar explicações engenhosas ou espetaculares, e que podem ser datadas, pois cada geração almeja se afirmar com relação às anteriores ancorando-se numa pseudo-originalidade.

Sem querer provocar meus companheiros das outras humanidades, eu diria que a Antropologia nasce a partir da História, e porque os homens dos séculos XVI, XVII e XVIII começaram a perceber que os povos tinham costumes diferentes uns dos outros, e que esses costumes deviam ser entendidos nas suas peculiaridades sem serem julgados aprioristicamente. É justamente a partir desse conhecimento específico que os observadores podem estabelecer relações gerais comparativas e tecer considerações, enveredar por reflexões mais abstratas. Portanto, a História permite lidar com as duas pontas do fio que possibilita a compreensão do que é humano: o particular e o geral.

Professora titular de História Moderna da
Universidade de São Paulo. É autora de O Diabo
e a Terra de Santa Cruz (1986) e O Sol e a Sombra
(2006), entre outros livros. Organizou e foi
co-autora do 1º volume de A História da Vida
Privada no Brasil.
A História é fundamental para o pleno exercício da cidadania. Se conhecermos nosso passado, remoto e recente, teremos melhores condições de refletir sobre nosso destino coletivo e de tomar decisões. Quando dizemos que tal povo não tem memória – dizemos isso frequentemente de nós mesmos, brasileiros – estamos, a meu ver, querendo dizer que não nos lembramos da nossa história, do que aconteceu, por que aconteceu, e daí escolhermos nossos representantes de modo um tanto irrefletido – na história recente do país, o caso de meu estado e de minha cidade são patéticos - de nos sentirmos livres para demolirmos monumentos significativos, fazermos uma avenida suspensa que atravessa um dos trechos mais eloquentes, em termos históricos, da cidade do Rio de Janeiro, o coração da administração colonial a partir de 1763, o palácio dos vice-reis. Quando olho para a cidade onde nasci, onde vivo e que amo profundamente fico perplexa com a destruição sistemática do passado histórico dela, que foi fundada em 1554 e é dos mais antigos centros urbanos da América: refiro-me a São Paulo. Se administradores e elites econômicas tivessem maior consciência histórica talvez São Paulo pudesse ter um centro antigo como o de cidades mais recentes que ela – Boston, Quebec, até Washington, para falar das cidades grandes, que são mais difíceis de preservar.


Não acho que se toda a humanidade fosse alimentada desde o berço com doses maciças de conhecimento histórico o mundo poderia estar muito melhor do que está. Mas a falta do conhecimento histórico é, a meu ver, uma limitação grave e, no limite, desumanizadora. Acho interessante o fato de muitas pesquisas indicarem que, excluindo os historiadores, obviamente, o segmento profissional mais interessado em História é o dos médicos. Justamente os médicos, que lidam com pessoas doentes, frágeis e amedrontadas diante da falibilidade de seu corpo e da inexorabilidade do destino humano. E que têm que reconstituir a história da vida daquelas pessoas, com base na anamnese, para poder ajudá-las a enfrentar seus percalços. Carlo Ginzburg escreveu um ensaio verdadeiramente genial, sobre as afinidades do conhecimento médico e do conhecimento histórico, ambos assentados num paradigma indiciário (refiro-me ao ensaio “Sinais – raízes de um paradigma indiciário”, que faz parte do livro Mitos – emblemas – sinais). Portanto, volto ao início, à diversão, e acrescento: o conhecimento histórico humaniza no sentido mais amplo, porque ajuda a enxergar os outros homens, a enfrentar a própria condição humana.


Rádio Comunitária Altaneira FM promoverá debate entre candidatos a prefeito



A Rádio Comunitária Altaneira FM, através do programa “Esperança do Sertão” veiculado todos os sábados a partir das 09h00 da manhã promoverá debate com os dois candidatos a prefeito do município de Altaneira.

Segundo o professor universitário Carlos Alberto Tolovi e um dos apresentadores do “Esperança do Sertão”, as duas coligações “Com a Força do Povo” (PT, PDT e SD) e “Mudança e Trabalho Já” (PMDB, PSDB, PCdoB, PTB, PRP, PSD e PR), já foram comunicadas e confirmaram informalmente a participação dos prefeituráveis Dariomar Soares (PT) e Ricardo Arrais (PMDB).

Ainda de acordo com Tolovi, o debate está marcado para o próximo sábado (24/09) a partir das 08h00 e será estruturado em três blocos. No primeiro serão feitas três perguntas do programa aos dois candidatos. No segundo, os concorrentes ao paço municipal farão perguntas entre si com direitos a réplica e tréplica. A comunidade não ficará apenas ouvindo o debate, pois sua participação estará assegurada, podendo enviar perguntas a equipe de ética deste momento. Estas perguntas serão analisadas e se não tiver nenhum conteúdo agressivo passarão por sorteio e poderão ser lidas durante o programa, vindo a compor o terceiro bloco. Aqui Dariomar e Ricardo não terão réplica e nem tréplica, pois o/a eleitor/a autor/a da pergunta não estará no estúdio.

As coligações poderão contar no momento do debate com seus/as candidatos/as a vice e assessorias.

A Rádio Comunitária Altaneira FM, por meio do informativo “Notícias em Destaque” já está desenvolvendo uma série de entrevistas com os 24 nomes que concorrem a uma das nove vagas na Câmara de Vereadores/as. Já passaram pelos estúdios da emissora os (as) candidatos (as) Iran do Sindicato (PDT), Devaldo Nogueira (PMDB), Genival Ponciano (PTB), Zuleide (PSDB), Paulo Henrique (PR), Flávio (SD), Francisca Maurício (PCdoB), Professor Adeilton (PSD), Ciê Bastos (PDT), Gilson Cruz (PT) e Antonio Leite (PDT), Lélia de Oliveira (PCdoB) e Thiago Cardozo (PSD).
 
Candidatos a prefeito Dariomar (PT) e Ricardo (PMDB) da forma como aparecerão na urna eletrônica dia 02 de outubro.


Ministro da educação anuncia fim de várias disciplinas com “enxugamento do ensino médio”


O ministro Mendonça Filho anunciou ontem (15.09) que a reforma do Ensino Médio é uma das prioridades do Ministério da Educação. Matéria da Folha de S. Paulo de hoje (16.09) aponta que o governo quer mudanças nessa área até o final de 2016. Se necessário, será usada inclusive uma Medida Provisória para isso, dizem técnicos do governo.

Publicado originalmente na Mídia Popular

De acordo com informações de assessores do MEC, os pontos centrais da reforma preveem um Ensino Médio "enxuto" e um currículo mais "flexível".

Na prática, isto pode significar o fim ou fusão de várias disciplinas, como Filosofia, Sociologia, História e Geografia.

Na verdade, esse "enxugamento" já havia sido proposto na campanha presidencial de 2014 por Aécio Neves (PSDB), hoje um dos principais aliados do governo Temer. A presidenta Dilma Rousseff (PT) também mostrou-se simpatizante da medida.

A proposta do governo deve encontrar forte resistência entre os educadores de todo o país. "Cortar disciplinas é algo inaceitável", diz Sandra Marques, professora da Rede Estadual de Pernambuco.

Ministro da Educação Mendonça Filho. Foto: Agência Brasil.

16 de setembro de 2016

VII Artefatos da Cultura Negra tem início nesta segunda-feira(19)



Começa na próxima semana, de 19 a 23 de setembro, em Juazeiro do Norte e Crato, no Ceará, e em Bodocó, no Pernambuco, o Seminário VII Artefatos da Cultura Negra. O evento é fruto de uma articulação entre URCA, UFC, UFCA e o Instituto Federal do Ceará-Campus Juazeiro do Norte, juntamente com o GRUNEC.

Publicado originalmente no sítio da URCA

O cadastramento será realizado no primeiro dia do evento no Salão da Terra da URCA campus Pimenta, das 14h às 18h. A primeira edição foi realizada em 2010 e ao longo dos anos reuniu acadêmicos, professores, ativistas de movimentos sociais e pesquisadores de diversas áreas que têm feito uma releitura das relações raciais no Brasil e sua articulação com a educação.

A ideia de criar o evento surgiu do contexto de reivindicações, questionando o papel da escola e da universidade, os processos de formação docente, os currículos e a produção do conhecimento, na reversão das desigualdades.

A programação completa do evento está disponível no site oficial do Seminário, neste endereço eletrônico. Lá também estão disponíveis informações como locais para se hospedar, comissões, certificados, entre outras, além de ter um canal de contato com os organizadores do evento.


15 de setembro de 2016

Negro Nicolau: Não tinham alma. Não havia provas. Mas, por convicção, a escravidão se fez


Diziam que meu povo não tinha alma.

Não havia provas. Mas, por convicção, a escravidão se fez. Quase 400 anos!

Não havia provas mas havia convicção de que o Brasil seria tomado por comunistas, comedores de criancinhas. Resultado: duas ditaduras. A última durou quase 30 anos.

Publicado originalmente no Negro Belchior

Sem provas e por convicção, o genocídio é promovido: Chacina do Carandiru, Candelária, Vigário Geral, Eldorado dos Carajás, Crimes de Maio de 2006 e tantos outros.

Sem provas, mas por convicção, 111 tiros num carro e o assassinato de 5 jovens negros; um tiro de fuzil seguido de arrastamento no asfalto, de Cláudia Ferreira no Rio de Janeiro; O espancamento e a morte de Luana dos Reis no interior de São Paulo. Sem provas e por convicção se deu também a chacina do Cabula, em Salvador.

Pela mais pura convicção e sem nenhuma prova, Rafael Braga continua preso.

Por convicção a polícia continua esculachando, desrespeitando cidadãos em suas abordagens em cada esquina de quebradas, periferias e favelas desse país. Quando não somem com corpos; Quando não assassinam sobretudo a juventude e as crianças negras país afora.

Sem provas, mas por convicção, depuseram uma presidenta eleita pelo voto direto.

Não podemos permitir que sem provas e por pura convicção a política se faça, como tem acontecido no Brasil. Sabemos que a convicção que não requer prova, é uma convicção de classe, uma convicção ideológica, política e a serviço das elites atrasadas desse país. Trata-se de uma convicção de explícito traço fascista, racista e autoritário.

Não podemos permitir que essa prática se dê contra quem quer que seja. Práticas autoritárias contra pessoas famosas, empoderadas ou lideranças políticas do campo progressista quase sempre servem para endossar, justificar, naturalizar e aprofundar ainda mais a violência e a negação de direitos na base da pirâmide, entre os trabalhadores pobres, moradores de periferias, negras e negros, jovens e crianças em todo o país.

Sem provas, apenas por convicção reacionária, nós não vamos permitir. Não vamos aceitar. Ao contrário, deste lado de cá há sim convicção. Mas há provas!

Provas de nossa resistência, de nossa ancestralidade, da resiliência de um povo que, apesar do massacre imposto desde a invasão europeia, se reinventa, se organiza e luta.

Nós vamos reagir, afinal, com a licença de Albert Camus: “A violência não é patrimônio dos exploradores. Os explorados, os pobres, os oprimidos também podem emprega-la!”


Vamos enfrentar o fascismo nas ruas, no judiciário, na política e nas urnas!


Conheça o programa privatização de Temer e que ele denomina de projeto “crescer”



O presidente Michel Temer avança com projeto de venda do Brasil com seu programa de privatizações e concessões, iniciado por Dilma Rousseff. O Programa de Parcerias e Investimentos (PPI), discutido pela primeira vez na última terça-feira (13/09) no Palácio do Planalto, prevê 25 concessões desde a produção de energia até aeroportos. Os leilões já começam ano que vem e a promessa do presidente ilegítimo é que, com as medidas, a criação de empregos volte a crescer. Os impactos mais notórios para o trabalhador, porém, vão ser a precarização dos serviços e o aumento das tarifas. Além disso, não haverá restrição para que empresas estrangeiras participem das licitações, entregando o direito sobre a economia do país.

Publicado originalmente no sítio do Psol

A lista da privatização, denominado como projeto “Crescer”, inclui rodovias, ferrovias, terminais portuários, mineração, geração e distribuição de energia e saneamento. Segundo informações divulgadas pelo jornal Folha de S. Paulo, excluindo as empresas de saneamento de três Estados e a venda de ativos da CPRM (Companhia de Pesquisa e Recursos Minerais), todos os bens já constavam de programas anteriores do governo Dilma, mas os serviços não chegaram a ser licitados. Agora, ao que tudo indica, serão colocados em prática e ampliados pelo governo Temer.

Crédito da foto: Fábio Pozzembbom/Agência Brasil.
Entre os aeroportos que serão alvos do programa, estão o de Porto Alegre (RS), Salvador (BA), Florianópolis (SC) e Fortaleza (CE). Também faz parte do pacote as ferrovias Norte-Sul, Fiol e Ferrogrão e as rodovias BR-364/365 e BR-101/116/290/386.

Confira, abaixo, as obras que serão concedidas ou vendidas à iniciativa privada:

Aeroportos – 1º semestre de 2017
Porto Alegre
Salvador
Florianópolis
Fortaleza

Ferrovias – 2º semestre de 2017
Norte-Sul (SP/MG/GO/TO)
Fiol (BA)
Ferrogrão (MT/PA)

Portos – 2º semestre de 2017
Terminais de combustíveis de Santarém
Terminal de trigo do Rio de Janeiro

Rodovias – 2º semestre de 2017
BR-364/365 (Goiás / Minas Gerais)
BR-101/116/290/386 (Rio Grande do Sul)

Minas e Energia

4ª Rodada de licitações de campos marginais (terrestres) de petróleo e gás – 1º semestre de 2017
14ª Rodada de licitações de blocos exploratórios de petróleo e gás – 2º semestre de 2017
2ª Rodada de licitações sob regime de partilha da produção (áreas unitizáveis) – 2º semestre de 2017
Ativos da Companhia de Pesquisa e Recursos Minerais (CPRM) – 2º semestre de 2017
Amazonas Distribuidora de Energia – 2º semestre de 2017
Boa Vista Energia – 2º semestre de 2017
Cia de Eletricidade do Acre – 2º semestre de 2017
Cia Energética de Alagoas – 2º semestre de 2017
Cia de Energia do Piauí – 2º semestre de 2017
Usinas hidrelétricas – 2º semestre de 2017
Centrais Elétricas de Rondônia – 1º semestre de 2018

Saneamento (BNDES) – 1º semestre de 2018

Cedae – RJ
Caerd – RO
Cosanpa – PA

Outros projetos de privatização

O setor elétrico também está na mira de Michel Temer. Ele enviou ao Congresso a Medida Provisória (MP) 735/16, que diminui o subsídio estatal na produção de energia. A proposta é que empresas assumam a função por até 30 anos. Uma comissão mista foi formada para avaliar a proposta e nos próximos dias deve ser votado o parecer do relator, José Carlos Aleluia (DEM-BA).

Outro projeto de privatização recente foi apresentado por José Serra (PSDB-SP) e retira da Petrobras a exclusividade na exploração do pré-sal, alterando a Lei do Pré Sal sancionada em 2010. O projeto está pronto para ir a plenário e o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), afirmou que a votação ocorre após o primeiro turno das eleições municipais. Para Ivan Valente (PSOL-RJ), líder do PSOL na Câmara, o projeto de lei é uma tentativa de vincular a figura do Estado à corrupção. O relator do projeto também foi José Carlos Aleluia.


A medida, proposta pelo senador tucano, já era prevista desde o programa de governo de Temer, Uma Ponte para o Futuro, divulgado em outubro do ano passado. Aprovado no Senado, o projeto começou a ser discutido no início do mês na Câmara, mas não houve quórum para votação. O deputado Chico Alencar (PSOL-RJ) lembra que o projeto é inconstitucional e que os países desenvolvidos tiveram suas riquezas reguladas pelo poder estatal:

           

Negro Nicolau: O papelão tragicômico da Lava Jato. “Não temos como provar, mas temos convicção”


Que tempos, meu Deus! Que tempos vivemos!

Podemos dizer que tudo começou com aquela frase fatídica de Rosa Weber: não tenho provas para condenar José Dirceu, mas a literatura me permite fazê-lo.

Aquela frase marca uma era, é o resumo de toda uma época histórica, que começa em meados de 2005, com a midiatização judicial do escândalo do mensalão, culminando com o golpe de Estado de 2016 e a caça midiático-judicial a Lula.
Por Miguel do Rosário, no  O Cafezinho

A declaração de um dos procuradores da Lava Jato, durante a coletiva de hoje, de que não tem provas, mas tem convicção, é uma variável literária da frase de Weber.

Não há personagem histórico no Brasil que se compare a Lula. A perseguição a ele, feita desta maneira, meio desesperada, meio porca, acusando-o de ser o "comandante máximo" de um grande sistema de corrupção, e usando, como prova de propina recebida, um apartamento vagabundo em Guarujá que não pertence a ele e no qual ele nunca sequer passou uma noite de sua vida, ou então, pior, uma chácara simples em Atibaia, que também não está em seu nome, apenas serve para desmascarar uma farsa. Uma grande farsa, tão surreal e ridícula que duvidamos de que seja realidade.

A ironia da história é que a perseguição a Lula serve também ao propósito inverso ao pretendido pelos golpistas: esculpe o mito. Eles recriam os mais antigos e poderosos arquétipos do heroi, que luta, vence mas termina perseguido e humilhado.

Cristo, Julio Cesar, Oliver Crowell, Joana D'Arc, Che Guevara, Napoleão, Vargas. Todos os grandes nomes, da política e da religião (que já foi, para muitos povos, um universo político), passaram pela mesma trajetória.

Entretanto, no caso brasileiro, há um toque de comédia. Uma tragicomédia.

A coletiva de imprensa da Lava Jato hoje, com a apresentação de um power point com o nome de Lula, em letras garrafais, no meio, é mais um capítulo grotesco do golpe, comparável inclusive à votação na Câmara, onde vimos um deputado dedicar o impeachment a um torturador da ditadura.

É positivamente inacreditável. Eu vou listar aqui o que está escrito dentro dos círculos que apontam para Lula.


Vértice comum.
José Dirceu.
Pessoas próximas no mensalão.
Mensalão.
Pessoas próximas na Lava Jato.
Poder de decisão.
Governabilidade corrompida.
Petrolão + proinocracia (sic) [ queria dizer propinocracia].
Depoimentos.
Reação de Lula.
Expressividade.
Maior beneficiado.
Enriquecimento ilícito.


São 13 pontos. Não me espantaria se escolheram o número 13 de propósito.

Pode haver coisa mais ridícula? Gastar milhões e milhões de reais de verba pública para apresentar isso à sociedade?

Em carta aberta recente, Eugênio Aragão mencionou uma conversa que teve com Rodrigo Janot, procurador-geral da república. Nela, Aragão argumentava sobre a irracionalidade da Lava Jato, de paralisar ou quebrar simultaneamente todas as grandes empresas de construção civil do país. Janot sugeriu a Aragão a não se meter naquilo, porque a Lava Jato era muito maior que eles. Maior que eles? Ora, se Janot, ocupando a função máxima de uma corporação tão incrivelmente poderosa como o Ministério Público Federal, afirma que a Lava Jato "era muito maior que eles", então a gente tem uma pista de onde isso vem.

Enquanto o foco das conspirações midiático-judiciais - que não se encerraram com o golpe de Estado, porque ainda não mataram Lula politicamente nem terminaram de destruir o PT - se concentra em Lula, os golpistas que assaltaram o governo podem seguir com sua agenda ultraneoliberal.

A nova presidenta do BNDES tem feito declarações incríveis à imprensa. Disse que as novas concessões de serviços públicos não mais considerarão a "modicidade" das tarifas. Ou seja, a preocupação, que era central com Dilma, de oferecer tarifas baratas à população, não é mais importante no processo de concessões.

Hoje, ela falou que o BNDES oferecerá, com dinheiro dele e dos bancos públicos, mais de 30 bilhões de reais para que empresários adquiram concessões públicas de saneamento nos estados. Ou seja, os ultrarricos voltarão a comprar patrimônio público sem gastar um tostão do próprio bolso. O Estado vai dar o dinheiro de que eles precisam. Aí eles impõem tarifas altíssimas, já que a modicidade delas não será uma prioridade nas concessões, e pagam o Estado, com juros subsidiados.

O BNDES e os bancos públicos que usavam dinheiro para financiar infra-estruturas, indústria e serviços sociais, agora voltarão a financiar o processo de transferência de renda da maior parte da população para os nababos de sempre.

Mas o Brasil sequer tem a oportunidade de discutir a si mesmo. O Jornal Nacional concentra seus holofotes em Lula, que está no "centro de tudo", por causa de um triplex e um sítio que não estão em seu nome...

Entretanto, não nos enganemos com os aspectos ridículos da perseguição ao ex-presidente. As manchetes garrafais que passaram o dia inteiro ocupando os principais portais do país, o ataque midiático maciço, tem um grande poder de destruição política. Esse é o objetivo: eles não se preocupam em posarem de ridículos por não oferecerem provas. Provas, arruma-se! Uma delação premiada aqui, outra ali, mais devassa em telefones, contas, emails. Na falta de provas, vaza-se mais uma conversa íntima do presidente ou de sua esposa.


A Lava Jato atira antes e pergunta depois, como fazem os Estados totalitários. E não esqueçamos: os procuradores da Lava Jato estão sendo incensados pela grande imprensa, já ganharam prêmios nos Estados Unidos. Sergio Moro já ganhou prêmio da Globo e da Times. Eles estão sendo regiamente apoiados e premiados para fazerem o que estão fazendo.


14 de setembro de 2016

Negro Nicolau: Bolsonaro tumultua sessão da Câmara sobre violência contra a mulher


A reunião da comissão geral no plenário da Câmara, que ocorre na manhã de hoje (14) para discutir violência contra mulheres e meninas, teve seu início marcado por tumulto e bate-boca.

Em um dos discursos mais polêmicos da manhã, a presidente do coletivo de lésbicas Coturno de Vênus, Cláudia Macedo, provocou tumulto ao afirmar “que nesta Casa há pelo menos um deputado acusado de apologia ao estupro” e defender que o Parlamento o afaste, para sinalizar empenho em acabar com este crime. Ela não citou nomes.

Publicado originalmente na Agência Brasil

Entre os presentes, o deputado Jair Bolsonaro (PSC-RJ), um dos primeiros a chegar à sessão e se inscrever para falar, reagiu imediatamente e cobrou que ela revelasse quem era o deputado que estava acusando. Bolsonaro gritava "palhaça” fora dos microfones que estavam desligados. A tensão aumentou.

A deputada Maria do Rosário (PT-RS), que preside o debate, pediu para que a oradora continuasse seu discurso tentando ignorar Bolsonaro que, em sua frente, com dedo em riste, acusava a parlamentar de “defensora de estuprador”. Sem conseguir a palavra, Bolsonaro chegou a levantar o pedestal dos microfones do plenário e provocando a movimentação de seguranças, mas acabou voltando para sua cadeira pouco depois. Ela chamou diversos convidados para se manifestar, protelando os discursos dos políticos inscritos.

Ao obter a palavra, Bolsonaro lembrou que tem desavenças com Maria do Rosário desde 2003 e rebateu as acusações feitas por movimentos sociais presentes na sessão. Segundo ele, enquanto Maria do Rosário defendia Champinha (menor de idade que matou Liana Friedenbach e Felipe Caffé, em 2003 anos) ele estava na defesa das vítimas.


Tumulto

O clima estava tenso desde os primeiros momentos da sessão, quando Bolsonaro e seu filho Eduardo Bolsonaro (PSC-SP) – adversários ideológicos da petista – sentaram frente a frente com a parlamentar que foi a primeira a discursar. Ao reassumir a presidência da sessão, Eduardo Bolsonaro deu início às provocações questionando o tempo que oradores teriam para falar.

Maria do Rosário, visivelmente irritada, informou que responderia posteriormente e chamou a primeira oradora a falar. Bolsonaro lembrou que há previsão de Ordem do Dia às 13h de hoje e que uma sessão longa poderia prejudicar parlamentares que pretendem participar dessa segunda reunião da Câmara. Rosário respondeu citando o Regimento e o deputado começou a gritar ao ter tido o microfone fechado.

A deputada o ignorou, chamando outra convidada a falar na tribuna. Jair Bolsonaro então questionou falas de pessoas que não estavam na lista da sessão. “A senhora não manda aqui não. Segue o regimento”, gritou.

Jair Bolsonaro não conseguiu mudar a sessão, mas conseguiu tumultuar o clima ao ser abordado por um grupo de simpatizantes, principalmente estudantes, que se concentrou no meio do espaço gravando vídeos e tirando fotos ao lado do parlamentar.

Carla Zambelli Salgado, do Movimento Nas Ruas, convidada à tribuna, aumentou a temperatura do debate quando atacou partidos de esquerda na luta contra a violência contra a mulher e questionou que “espécie de proteção” legendas como PT e PCdoB defendem quando ignoram “um projeto verdadeiro. Por que não apoiam o projeto de castração química? Só porque foi apresentado por Jair Bolsonaro (PSC-RJ)?”, provocou. “É um projeto que pode acabar efetivamente com a violência contra a mulher e contra a cultura do estupro", disse.

A parlamentar não reagiu e Thiago André Pierobom de Ávila, promotor de Justiça do Ministério Público no Distrito Federal, respondeu: “Nós não promovemos a defesa de direitos humanos através da violação de outros direitos humanos”, disse sendo aplaudido pelos convidados.

Projetos de lei

Antes da confusão, Maria do Rosário já tinha se manifestado e defendeu mudança na legislação que trata de procedimentos policiais em casos de violência contra mulheres e meninas. Ela fez um apelo para que a Câmara conclua o Projeto de Lei (PL) 3.792, em tramitação desde o ano passado. Durante a comissão geral realizada no plenário da Câmara para discutir a violência contra mulheres e meninas, a deputada destacou que a proposta cria um sistema integral de proteção às vítimas.

O projeto prevê vários passos para que uma criança seja protegida quando chega a uma instituição. Prevê que a oitiva da criança seja gravada, que tenha o apoio de profissionais da psicologia atentos às necessidades da criança e que seja um depoimento único”, detalhou.

As memórias vão se confundindo. Outras podem aparecer depois. Se ela for ouvida e gravada uma vez, não passara pela revitimização de tantas oitivas”, disse.

Uma das autoras do pedido para que a sessão fosse realizada hoje, Maria do Rosário lembrou que, em seu primeiro mandato na Câmara, participou da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) sobre violência contra mulheres, adolescentes e crianças que resultou em novas leis que agravaram penas aplicadas nos casos de crimes sexuais.

“Todas as vezes que os senhores escutam no noticiário ou leem nos jornais a expressão 'estupro de vulnerável' ela é fruto do trabalho das mulheres e homens deste Parlamento. Não é mais possível pela lei uma criança e uma mulher ser julgada pela roupa que usa, pela festa a que compareceu”, exemplificou.

O deputado Jair Bolsonaro discute com a deputada Maria do Rosário durante comissão geral, no plenário da Câmara dos Deputados, que discute a violência contra as mulheres e meninas, a cultura do estupro, o enfrentamento à impunidade e políticas públicas de prevenção, proteção e atendimento às vítimas no Brasil. (Marcelo Camargo/Agência Brasil).