Que
tempos, meu Deus! Que tempos vivemos!
Podemos
dizer que tudo começou com aquela frase fatídica de Rosa Weber: não tenho
provas para condenar José Dirceu, mas a literatura me permite fazê-lo.
Aquela
frase marca uma era, é o resumo de toda uma época histórica, que começa em
meados de 2005, com a midiatização judicial do escândalo do mensalão,
culminando com o golpe de Estado de 2016 e a caça midiático-judicial a Lula.
Por
Miguel do Rosário, no O Cafezinho
A
declaração de um dos procuradores da Lava Jato, durante a coletiva de hoje, de
que não tem provas, mas tem convicção, é uma variável literária da frase de
Weber.
Não
há personagem histórico no Brasil que se compare a Lula. A perseguição a ele,
feita desta maneira, meio desesperada, meio porca, acusando-o de ser o
"comandante máximo" de um grande sistema de corrupção, e usando, como
prova de propina recebida, um apartamento vagabundo em Guarujá que não pertence
a ele e no qual ele nunca sequer passou uma noite de sua vida, ou então, pior,
uma chácara simples em Atibaia, que também não está em seu nome, apenas serve
para desmascarar uma farsa. Uma grande farsa, tão surreal e ridícula que
duvidamos de que seja realidade.
A
ironia da história é que a perseguição a Lula serve também ao propósito inverso
ao pretendido pelos golpistas: esculpe o mito. Eles recriam os mais antigos e
poderosos arquétipos do heroi, que luta, vence mas termina perseguido e
humilhado.
Cristo,
Julio Cesar, Oliver Crowell, Joana D'Arc, Che Guevara, Napoleão, Vargas. Todos
os grandes nomes, da política e da religião (que já foi, para muitos povos, um
universo político), passaram pela mesma trajetória.
Entretanto,
no caso brasileiro, há um toque de comédia. Uma tragicomédia.
A
coletiva de imprensa da Lava Jato hoje, com a apresentação de um power point
com o nome de Lula, em letras garrafais, no meio, é mais um capítulo grotesco
do golpe, comparável inclusive à votação na Câmara, onde vimos um deputado
dedicar o impeachment a um torturador da ditadura.
É
positivamente inacreditável. Eu vou listar aqui o que está escrito dentro dos
círculos que apontam para Lula.
Vértice
comum.
José
Dirceu.
Pessoas
próximas no mensalão.
Mensalão.
Pessoas
próximas na Lava Jato.
Poder
de decisão.
Governabilidade
corrompida.
Petrolão
+ proinocracia (sic) [ queria dizer propinocracia].
Depoimentos.
Reação
de Lula.
Expressividade.
Maior
beneficiado.
Enriquecimento
ilícito.
São
13 pontos. Não me espantaria se escolheram o número 13 de propósito.
Pode
haver coisa mais ridícula? Gastar milhões e milhões de reais de verba pública
para apresentar isso à sociedade?
Em
carta aberta recente, Eugênio Aragão mencionou uma conversa que teve com
Rodrigo Janot, procurador-geral da república. Nela, Aragão argumentava sobre a
irracionalidade da Lava Jato, de paralisar ou quebrar simultaneamente todas as
grandes empresas de construção civil do país. Janot sugeriu a Aragão a não se
meter naquilo, porque a Lava Jato era muito maior que eles. Maior que eles?
Ora, se Janot, ocupando a função máxima de uma corporação tão incrivelmente
poderosa como o Ministério Público Federal, afirma que a Lava Jato "era
muito maior que eles", então a gente tem uma pista de onde isso vem.
Enquanto
o foco das conspirações midiático-judiciais - que não se encerraram com o golpe
de Estado, porque ainda não mataram Lula politicamente nem terminaram de
destruir o PT - se concentra em Lula, os golpistas que assaltaram o governo
podem seguir com sua agenda ultraneoliberal.
A
nova presidenta do BNDES tem feito declarações incríveis à imprensa. Disse que
as novas concessões de serviços públicos não mais considerarão a
"modicidade" das tarifas. Ou seja, a preocupação, que era central com
Dilma, de oferecer tarifas baratas à população, não é mais importante no
processo de concessões.
Hoje,
ela falou que o BNDES oferecerá, com dinheiro dele e dos bancos públicos, mais
de 30 bilhões de reais para que empresários adquiram concessões públicas de
saneamento nos estados. Ou seja, os ultrarricos voltarão a comprar patrimônio
público sem gastar um tostão do próprio bolso. O Estado vai dar o dinheiro de
que eles precisam. Aí eles impõem tarifas altíssimas, já que a modicidade delas
não será uma prioridade nas concessões, e pagam o Estado, com juros subsidiados.
O
BNDES e os bancos públicos que usavam dinheiro para financiar infra-estruturas,
indústria e serviços sociais, agora voltarão a financiar o processo de
transferência de renda da maior parte da população para os nababos de sempre.
Mas
o Brasil sequer tem a oportunidade de discutir a si mesmo. O Jornal Nacional
concentra seus holofotes em Lula, que está no "centro de tudo", por
causa de um triplex e um sítio que não estão em seu nome...
Entretanto,
não nos enganemos com os aspectos ridículos da perseguição ao ex-presidente. As
manchetes garrafais que passaram o dia inteiro ocupando os principais portais
do país, o ataque midiático maciço, tem um grande poder de destruição política.
Esse é o objetivo: eles não se preocupam em posarem de ridículos por não
oferecerem provas. Provas, arruma-se! Uma delação premiada aqui, outra ali,
mais devassa em telefones, contas, emails. Na falta de provas, vaza-se mais uma
conversa íntima do presidente ou de sua esposa.
A
Lava Jato atira antes e pergunta depois, como fazem os Estados totalitários. E
não esqueçamos: os procuradores da Lava Jato estão sendo incensados pela grande
imprensa, já ganharam prêmios nos Estados Unidos. Sergio Moro já ganhou prêmio
da Globo e da Times. Eles estão sendo regiamente apoiados e premiados para
fazerem o que estão fazendo.