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Imprensa negra sempre debateu desigualdade, violência e racismo no Brasil - WikiCommons |
Não
é exagero dizer que a imprensa brasileira deve boa parte de sua evolução ao
movimento negro. Poucas décadas após o início da prática jornalística no país,
a partir da chegada da coroa portuguesa, em 1808, a luta contra o racismo
esteve presente e, muitas vezes, chegou a ter papel central no desenvolvimento
crítico do setor.
Essa
importância, no entanto, não se traduziu em espaço, apoio ou fortalecimento.
Embora tenha sido essencial para a construção da comunicação no Brasil, a luta
do povo preto foi marginalizada, o que é traduzido na abordagem ainda tímida do
racismo e na presença pequena de pessoas negras nas redações e agências.
Em
uma pesquisa realizada por iniciativa dos Jornalistas&Cia, Portal dos
Jornalistas, Instituto Corda e I’MAX, dados mostram que, entre jornalistas que
se declaram pretos, pretas, pardos e pardas, 98% relatam dificuldades para se
desenvolver na carreira.
Ainda
de acordo com o estudo, a sub-representação é expressiva. Apenas 10% dos e das
profissionais de imprensa se autodeclararam negros ou negras. A maior parte dos
cargos de coordenação e chefia é ocupado por pessoas brancas, que estão em mais
de 60% dessas posições. O cenário se inverte na realidade de trabalhadores e
trabalhadoras pretos e pretas, mais de 60% estão na linha de frente da produção
de notícias, são repórteres, editoras, editores, produtoras e produtores.
Há
disparidade também nos salários. Pouco mais de 20% das pessoas brancas estão na
faixa de remuneração mais baixa, entre as pretas, esse percentual ultrapassa
40%. O cenário é resultado de uma realidade que tem suas estruturas baseadas no
racismo e que pouco avançou na reparação por séculos de desumanização e
escravidão.
No
cotidiano de profissionais, esses números viram experiências dolorosas e
esforços multiplicados para o crescimento profissional, "tem microagressões que a gente não sabe nem
como nomear. É tão sofisticado, que parece que está na nossa cabeça",
relata a jornalista Yasmin Santos, pesquisadora em direitos humanos e em
questões raciais.
Ela
percebe uma melhora gradual na representatividade nas redações, mas lembra que
os cargos de chefia e as funções com autonomia para tomada de decisões seguem
ocupados predominantemente por homens brancos.
"Existe a sensação de que está melhorando,
mas isso não quer dizer que a gente não tem muito a caminhar. Se a gente pega
quem são os chefes dessas empresas, a porcentagem de profissionais negros e que
cargos eles ocupam, a gente vê ainda uma desigualdade muito grande".
A
pesquisadora ressalta que o cenário ideal também passa por remunerações mais
justas, "Se a gente vê, por essa pesquisa,
que profissionais negros têm dificuldade de crescer dentro da carreira, temos
que construir um ambiente de trabalho em que profissionais possam crescer por
seus próprios méritos. Que não precisem trabalhar duas, três, quatro, cinco
vezes mais, para conseguir o primeiro aumento da carreira cinco anos depois".
A reação
Tentativas
de contraponto a essa dinâmica crescem com a internet, espaço que hoje abriga
boa parte das experiências de jornalismo negro no país. O Brasil de Fato
conversou com jornalistas responsáveis por veículos online que tratam
exclusivamente das pautas negras. As mudanças e avanços são celebrados, mas
ainda há obstáculos econômicos e políticos.
Uma
dessas profissionais, Tânia Regina Pinto, criou o site Primeiros Negros, que
nasceu de “um blog sobre o pioneirismo do povo negro” e, hoje, se dedica à
promoção do antirracismo, da igualdade e do desenvolvimento das potencialidades
de pretos e pretas. Por mais de dez anos, ela escreveu sobre “como é existir”.
No
início da pandemia, em conversas com o filho Pedro Otávio sobre os impactos que
a crise sanitária causaria ao povo preto, ela decidiu transformar o projeto em
um site. De início, Tania e o filho, que é designer e DJ, definiram que a
iniciativa operaria com uma equipe totalmente preta.
“Eu tenho mais de 40 anos de jornalismo e é a
primeira vez que eu trabalho com uma redação totalmente preta. Isso nunca
aconteceu. Eu sempre fui a única. Essa meninada que está chegando hoje traz um
olhar novo”, celebra.
Pedro
Borges, co-fundador e editor-chefe do site Alma Preta, agência de jornalismo
especializada na temática racial, também destaca a coletividade preta como
ponto fundamental para existência e manutenção do projeto.
O
site nasceu a partir de um coletivo de estudantes pretos da Unesp, que se
juntou impulsionado pelas discussões sobre cotas raciais em 2014. O nome da
página surgiu como um contraponto à expressão racista “preto de alma branca”.
“As coisas que estão acontecendo hoje, são
coisas que a gente sonhava no começo. Que era a gente, de alguma maneira, criar
um espaço para produzir sobre o tema. Mais do que isso, trazer um pouco da
centralidade da questão racial e olhar como pano de fundo das desigualdades do
país”.
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Com
informações do Brasil de Fato. Clique aqui e leia o texto na íntegra.