Com
a chegada de 2025, muitas pessoas estão se perguntando como podem
contribuir de maneira significativa para um mundo mais justo e
equitativo. No entanto, a luta antirracista não deve ser tratada
como uma resolução de ano novo, mas sim como um compromisso diário.
O racismo estrutural é uma realidade que afeta a sociedade como um
todo e, para combatê-lo de maneira eficaz, é necessário mais do
que consciência; são necessárias ações práticas, consistentes e
transformadoras.
Grunec celebra 22 anos de luta antirracista. (FOTO/ Redes Sociais).
Por José Nicolau, editor
O
ano era 2001. Um grupo constituído por cerca de cinco pessoas se reuniram
depois de uma aula de natação na garagem da casa de uma delas e passaram a
dialogar sobre as mazelas que afligiam a sociedade brasileira e,de forma mais especifica, aqueles grupos que
sempre estiveram e ainda estão a margem – negros e negras.
Destes
diálogos sobre desigualdades surgiu a ideia de transformar discursos
individuais em ação coletiva e em luta organizada visando, sobretudo, promover
a igualdade étnica/racial e a autoestima da população negra do cariri e
difundir a consciência quanto a afrodescendência. O que caminha no sentido de
valorizar a nossa história. Com esse ideal nascia o Grupo de Valorização Negra
do Cariri (GRUNEC) que oficialmente (com registro) está com 21 anos.
O
GRUNEC se constituiu ao longo desses 22 anos como um coletivo que escolheu o
caminho da luta, da resistência e da persistência ao trabalhar de forma
comunitária e saindo da zona de conforto para visitar as comunidades de base,
as comunidades tradicionais, como o povo indígena e os grupos remanescentes de
quilombolas.
Enquanto
entidade organizativa, de combate a toda forma de discriminação, preconceito e
de racismo, tem atuado na proporção em que essas injustiças ocorrem. Como
exemplo, seja tendo sua organização, colaboração ou idealização, pode-se citar
a Caminhada contra a Intolerância Religiosa realizada anualmente em Juazeiro do
Norte, a Marcha Regional de Mulheres Negras do Cariri que visa denunciar formas
de discriminação, opressão e aniquilamento, além do Congresso Artefatos da
Cultura Negra que em 2019 chegou a sua décima edição e que tem se consagrado
como o maior evento de pesquisa sobre a população negra do país.
Nesta
ambiência de atuação, não se pode esquecer também de um dos trabalhos mais
colaborativos em que pese a educação voltada para as relações étnico-raciais: o
Mapeamento das Comunidades Rurais Negras e Quilombolas do Cariri feito junto a
Cáritas Diocesana de Crato – CE, tendo como resultado olançamento da “CartilhaCaminhos, Mapeamento das Comunidades Negras e
Quilombolas do Cariri Cearense”. Este trabalho contou com a participação de
cerca de 25 comunidades. Seis delas se autoreconheceram remanescentes de
quilombolas. Note-se ainda que comunidades comoas de Arruda (Araripe), Sousa (Porteiras), Serra dos Chagas
(Salitre) e Carcará (Potengi) já contam com certificado de
remanescentes de quilombolas adquirido junto da Fundação Cultural Palmares.
Outras
atuações colocam este coletivo negro como protagonista. Cita-se aqui a 1ª
Audiência Pública Federal no ano de 2007, onde discutiram a implementação da
Lei nº 10.639/03 ao reunirem representantes de 42 municípios da Região do
Cariri, o 1º Seminário no Crato em 2005, para discutir a Igualdade Racial e a
realização anualmente da Semana da Consciência Negra.
O
Grunec reúne sem seus quadros professores e professoras universitários/as,
docentes da educação básica, estudantes, pesquisadores/as, líderes
religiosos/as e ativistas sociais, dentre outros e continua firme e forte,
principalmente agora em tempos de cortes de direitos, legitimação desenfreada
do racismo, do machismo e de ofensas sem barreiras a comunidades LGBTs. Por
isso, os lemas mais apregoados do grupo são “Aquilombar é Preciso” e “Pelo Bem
Viver”.
Verônica
Neves, uma das fundadoras do GRUNEC, usou suas redes sociais para lembrar esses
22 anos de luta antirracista no cariri. Ao lembrar a trajetória do grupo,
Verônica cita que “não foi e não é fácil
viver, cotidianamente, o aniquilamento imposto ao povo preto, no País inteiro”.
Destacou
ainda a violência cometida contra a população preta e periférica. “Na nossa região do Cariri Cearense não é
diferente. Visualizamos nos índices oficiais e perversos da violência contra as
mulheres, no genocídio da população jovem negra periférica, no
"açoite" com o segmentp LGBTQIA+, na mortalidade infantil, no mais
Sagrado direito de professar a nossa fé, na violencia a queainda são submetidos as comunidades
quilombolas, na nossa ausência nos espaços de poder,na falta de acesso às políticas públicas,
enfim, no nosso direito de viver com dignidade”.
Dentro
desse contexto, ela mencionou ainda o não cumprimento da Lei 10.639/03 que
obriga escola públicas e particulares a trabalharem em todos os componentes curriculares
e em todo o ano letivo a História e Cultura Africana e Afro-brasileira. “É aí não posso deixar de citar o faz de
conta da implementação da Lei 10.639/03, da Política de Saúde Integral da
PopulaçãoNegra, da Lei de Cotas, o
impacto da pandemia do covid 19 no nosso povo, no adoečimento mental, na falta
de perspectivae por ai vai”, disse.
“Não é fácil, aliás, nunca foi. Então, hj 21
de abril, feriado pra nós, por nossa causa, por nossos heróis e heroínas tão
invizibilizados/as pela sociedade, celebro com muito orgulho a existência deste
coletivo aguerrido, rendo homenagens aos que passaram e aos que resistem. É no
Aquilombamento que transformarmos está sociedade num local lindo pra se viver.
Resistiremos, assim, eu creio”, asseverou a líder peta do cariri cearense.
Especial Dia do/a Professor/a: o papel fundamental do/a professor/a na luta antirracista. Na foto, o professor Nicolau Neto durante conversa com estudantes da Escola 18 de Dezembro, em Altaneira, sobre a falsa abolição da escravatura.
Quais
são as principais alegrias e os principais desafios da carreira das professoras
e dos professores brasileiros? E qual é a importância da promoção da educação
antirracista? Fizemos essas perguntas a quatro educadores participantes do
Edital Equidade Racial na Educação Básica, que tem como propósito fortalecer
coletivos de pesquisa nessa temática e mapear oportunidades estratégicas de
atuação.
O
Edital é uma iniciativado Itaú Social
com realização do Centro de Estudos das Relações de Trabalho e Desigualdades
(CEERT), em parceria com o Instituto Unibanco, a Fundação Tide Setubal e o
Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF).
Conheça
abaixo um pouco mais sobre os projetos e professores representantes de cada
etapa de ensino: Educação Infantil, Ensino Fundamental I, Ensino Fundamental II
e Ensino Médio:
Professora
Neli Edite dos Santos - Educação Infantil
“Ingressei
no magistério com 18 anos de idade. Hoje, passados 38 anos, posso dizer que
tenho marcas inscritas em mim por engajamentos, curiosidades, inquietações,
estudos, parcerias, comprometimentos políticos, indignações, descobertas, somas,
sonhos e transgressões poéticas. Em cada escola onde trabalhei, transpus muros,
arrisquei. Semeei desobediências inventivas entre estudantes, famílias,
comunidade e com colegas que toparam riscos.
Desde
os primeiros anos de atuação como alfabetizadora, passando pelas redes públicas
estadual e municipal, até ingressar no Colégio de Aplicação da Universidade
Federal de Uberlândia, em 2010, tenho sido inquieta, afetada por aquilo que tem
me constituído e atravessado. Cada escola tem seu jeito, seu ritmo, suas
riquezas, suas dificuldades, suas mazelas e potencialidades. Em cada uma delas,
afetei e fui afetada pelos coletivos: colegas, estudantes, famílias e
vizinhança. Em cada uma delas, busquei parcerias e encontrei conflitos
produtivos e improdutivos. Muitas geraram bons afetos e frutos. Algumas deram
em nada. Outras, dissabores e amarguras. Por isso, talvez, minha principal
alegria em continuar sendo professora é a disposição para arriscar,
principalmente quando o risco se confunde com travessura, travessias e
atravessamentos.
O
papel de professores e professoras no enfrentamento ao racismo depende de
vários elementos. Posso citar, por exemplo, seu reconhecimento étnico-racial,
de gênero e classe. Para enfrentar o racismo e contribuir para uma educação
antirracista, professores brancos precisam enfrentar o espelho, a historicidade
da branquitude em suas relações desumanizadas e desumanizantes com povos não
brancos: negros, indígenas, indianos, ciganos – entre outros.
Se
for uma pessoa negra e se for uma pessoa que pretende contribuir com a justiça,
com a igualdade de fato, com a democracia, ela poderá ser atravessada pelo
reconhecimento da sua condição de negritude e somará, assim, no enfrentamento
ao racismo. Uso o termo poderá, e não deverá.Isso porque, ao reconhecer-se e, mais ainda, assumir-se negra, a pessoa
é arremetida ao confronto com uma sociedade forjada e mantida pelo racismo
estrutural. Conhecer-se nessa arquitetura pode ser vivido como algo
extremamente pesado, sufocante e, a depender das circunstâncias, fatal.
É
comum a expectativa de que pessoas negras se posicionem em relação ao racismo,
denunciando-o, falando sobre ele, tendo-o como objeto de estudo. É comum também
que pessoas não negras, não indígenas, não indianas, não ciganas (entre outros
povos não brancos) considerem exageradas as denúncias de racismo, sobretudo
quando são praticantes dele (em geral, sem intenção de ofender).
Com
essa breve reflexão, quero dizer que o papel do(a) professor(a) no
enfrentamento ao racismo depende de vários elementos. A começar pela relação
que ele/a tenha com sua imagem nos espelhos da sua história, da história de seu
país e da história da humanidade”.
A
professora Neli Edite dos Santos é coordenadora geral do projeto ‘Construindo
uma escola antirracista: ingresso e permanência de cotistas na educação
básica’, realizado na Escola de Educação Básica, um colégio de aplicação da
Universidade Federal de Uberlândia, que oferece Educação Infantil, Ensino
Fundamental Regular e na Modalidade Educação de Jovens e Adultos.
Givânia
Maria da Silva - Ensino Fundamental I
“A
lista dos desafios de ser professor é grande, principalmente em uma sociedade
marcada pelo racismo e por um ensino que deixa tantas lacunas na nossa formação
inicial. A formação continuada também não dá conta de nos ajudar a superar
determinados déficits. No caso das comunidades quilombolas, as novas
tecnologias também se tornaram desafios, pois são desconhecidas por muitas
pessoas.
Precisamos
lidar com estruturas tão hierarquizadas dos estados e municípios, onde os
gestores não pautam a questão racial como fundamental e a gente sabe o quanto
isso é importante. Muitos quilombos não têm acesso à internet. Falta
investimento na compra de equipamentos, na formação dos profissionais e nas
escolas quilombolas. Tudo isso prejudica o trabalho do professor e a
aprendizagem dos alunos.
Mas
temos também as nossas alegrias. Sabemos que nada será feito sem nós. Somos
peças fundamentais no processo educacional. Mesmo com a tecnologia,o professor ainda é uma peça muito importante
e nunca vai deixar de ser. Precisamos avançar e construir comunidades de
aprendizados.
Também
sentimos profunda alegria quando vemos que inspiramos outras pessoas. Somos um
instrumento da luta e da resistência para uma educação antirracista. Por isso
seremos sempre um instrumento de transformação e emancipação, apesar do modelo
social. Devemos ocupar o lugar de instrumento e ferramenta da luta
antirracista, seja na sala de aula ou no cotidiano.”
A
professora Givânia é coordenadora do projeto Quilimbos e Educação: Políticas
Públicas e Práticas Pedagógicas, com foco na análise dos dados do Censo do
Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira para
identificar os desafios da educação quilombola enfrenta e em estudos de casos
em duas comunidades quilombolas: Povoado de Mesquita, em Cidade Ocidental (GO)
e Quilombo de Conceição das Crioulas, em Salgueiro (PE).
Erisvaldo
Pereira dos Santos - Ensino Fundamental II
“O
principal desafio de ser professor está relacionado com o lugar social da
profissão docente em nossa sociedade. Embora todos as outras profissões
dependam do trabalho docente, há uma falta de compromisso político com a
valorização desse profissional em nossa sociedade em termos de remuneração. A
principal alegria de ser professor é a de saber que sem o seu trabalho as
transformações no mundo em prol da justiça social e do bem-estar não
acontecerão. Mesmo porque, todo(a) professor(a) está investido de uma
autoridade comprometida com o curso do mundo na ordem do bem viver social. Por
isso Paulo Freire afirma que educar é uma prática política.
O
desafio principal do (a) professor (a) diante do enfrentamento ao racismo é o
de não naturalizar esse fenômeno que estrutura nossas relações sociais. Ao
naturalizar o racismo, o(a) professor(a) contribui para que não haja mudanças
nas relações sociais e raciais. Para não cair na armadilha da naturalização,
seu trabalho docente carece, portanto, de uma sólida formação teórica e de uma
postura ética de acolhimento e valorização da alteridade.
A
partir daí, ele(a) não enfrentará apenas o racismo, sendo uma pessoa
antirracista, mas também enfrentará todas as mazelas que envolvem os sujeitos
subalternizados e discriminados. A interseccionalidade entre raça, gênero e
classe é a base que organiza essa prática. Dessa maneira, o (a) docente
contribuirá para a formação de um sujeito autônomo, crítico e ético.”
Erisvaldo
é coordenador do projeto Epistemologias Antirracistas e Projeto Político
Pedagógico: Uma Pesquisa Aplicada no Âmbito da Secretaria de Educação de
Contagem (MG). O objetivo do projeto foi oferecer aportes epistemológicos do
feminismo negro e antirracista, afim de contribuir para a reflexão sobre a
fundamentação de Projetos Políticos Pedagógicos (PPP’s), na perspectiva das
Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e
para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana.
Gerson
Alves dos Santos - Ensino Médio
“O
grande desafio de ser professor é atuar em um ambiente cada vez mais
precarizado e deixado de lado pelas políticas públicas. O tempo todo
enfrentamos uma realidade desestimuladora e que acaba por consumir nossas esperanças
e anseios quanto ao desejo de construir uma educação de fato transformadora.
Gestores
e colegas professores, em grande medida não se preocupam ou desconhecem a
importância da autonomia no processo de ensino. Algo que cria um ambiente pouco
politizado e pouco aberto a pautas que vão além de um conjunto de ações e
entendimento, preso a institucionalização burocratizada.
Já
a grande alegria é ouvir os alunos e suas experiências transformadoras no
ambiente escolar. É saber que alguns transformam sua realidade a partir do que
discutimos em sala. Isso reforça a esperança e refloresta a crença na educação
como um espaço de transformação de uma realidade tão adversa.
Penso
que o professor tem que ser protagonista, principalmente nesse contexto político
em que estamos vivendo. As políticas que garantem o ensino da história, cultura
afro-brasileira e indígena é uma realidade do ponto de vista institucional,
mas, ainda está longe do ideal quando se pensa o ambiente escolar e um conjunto
de práticas cotidianas que viabilizem um ensino antirracista.
Temos
de sair do plano institucional, isto é, da data enquanto momento folclórico e
por vezes romantizado. Algo muito comum entre nós brasileiros, sociedade em que
a lei por vezes acaba em si mesmo e não se transforma em realidade cotidiana.
No caso, o professor, sabedor dessa realidade, precisa se colocar enquanto
agente transformador, alguém capaz de questionar e instigar no ambiente escolar
a discussão sobre o racismo brasileiro e seu caráter estrutural. Alguém capaz
de ser protagonista nesse processo de questionamento das subjetividades
reprodutoras desse racismo estrutural que tende a desumanizar a população
negra.”
Gerson
é coordenador do projeto “O quilombo na escola: práticas pedagógicas,
identidade étnica e ancestralidade”, que tem como objetivo atuar na formação de
professores das escolas estaduais (Ensino Fundamental e Médio) de uma
comunidade quilombola na cidade de Moreilândia, Estado do Tocantins.
A
ideia é que a história da comunidade possa fazer parte do currículo de modo a
ser incorporada na realidade dessas escolas, fazendo com que a realidades dos
quilombolas e dos moradores da cidade possam fazer parte do cotidiano escolar,
potencializando, assim, uma educação inclusiva e antirracista.