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A escritora Jarid Arraes nos estúdios da RFI Brasil, em Paris. (Foto: Elcio Ramalho - RFI Brasil). |
Em
turnê por várias cidades francesas para divulgar o lançamento de seu livro
sobre Dandara, uma personagem histórica pouco conhecida do movimento negro
brasileiro, a escritora Jarid Arraes se diz surpresa pelo interesse despertado
pela obra.
“Esse assunto tem despertado muito interesse,
não apenas pela curiosidade, pelo Brasil, a escravidão. Mas também porque a
França foi um país colonizador. A escravidão é um tema que também se relaciona
com a França, e aqui também é um tema tabu. É algo que acrescenta”,
garante.
Segundo
Jarid, os encontros com estudantes brasileiros e franceses, brasilianistas e o
público geral das cidades de La Rochelle, Rennes e Paris, tem gerado mais do
que a simples curiosidade por um capítulo ainda pouco explorado na história do
país. “É uma maneira de discutir esse
tema, sem culpa, polêmica, mas com diálogo”, acrescenta.
Companheira
de Zumbi dos Palmares, grande líder quilombola do século 17 contra a escravidão
no Brasil, Dandara teve um papel ofuscado na história do movimento negro. “Ela também foi líder e guerreira, também
estava na frente das lutas contra a escravidão”, lembra.
A
ideia de escrever um livro partiu de um trabalho mais amplo de pesquisa sobre
as mulheres negras que marcaram a história do país. Em uma reunião do movimento
negro, do qual é militante, Jarid Arraes ouviu pela primeira vez o nome de
Dandara, que se tornaria a futura personagem de seu primeiro livro.
Intrigada,
Jarid buscou conhecer mais profundamente a personagem e, diante da constatação
de que havia pouca informação sobre ela - considerada por muitos uma lenda -
decidiu se lançar em um grande desafio.
“Já que ela era uma lenda, decidi escrever
sobre as lendas de Dandara, porque nem isso a gente tem. Daí surgiu a ideia do
livro e a necessidade de resgatar essas mulheres que são muito inspiradoras”,
argumenta.
Recorrendo
à ficção para suprir dados históricos não conhecidos, como local, data de
nascimento, origens e a própria condição de escrava, Jarid recheou o enredo com
imaginação, muita religiosidade e a presença de orixás. “Adotei esses elementos
para mostrar muitas religiões de origem africana que também são muito
marginalizadas no Brasil e no mundo”, justifica.
Racismo e machismo
Em
seu trabalho de pesquisa, a escritora identificou dois grandes obstáculos que
impediram o resgate mais preciso e contundente da vida de uma mulher
fundamental na existência do Quilombo dos Palmares.
“A história da resistência contra a
escravidão não foi contada nem registrada com todas as glórias, como o outro
lado foi. Ali já começa o racismo”, afirma. Outro problema, segundo ela, é
o de gênero. “É o machismo. Conhecemos o
Zumbi, homenageado no dia 20 de novembro, transformado no Dia da Consciência
Negra. Bem ou mal, superficialmente ou não, todos conhecem. Mas a Dandara,
companheira dele, as pessoas não conhecem. Essa é uma tendência da história. As
mulheres, companheiras ou namoradas, ficam ofuscadas, à sombra”, insiste.
Livro será adaptado para as telas
A
primeira edição do livro “As lendas de
Dandara” foi custeada do próprio bolso, por meio de um empréstimo e de
forma independente, em 2015.
No
ano seguinte, o livro foi publicado com o selo da Editora de Cultura. Com cerca
de 12 mil exemplares vendidos até o momento, a obra se tornou um sucesso e os
direitos já foram comprados pela rede Globo para transformar o livro em uma
série. “Tive informações de que será um
musical, o que ainda é mais interessante”, adiantou.
Mais
do que a adaptação nas telas, seu maior orgulho é ver seu trabalho sendo
transmitido pelos tradicionais meios de educação. “A repercussão é muito boa e é muito utilizado em escolas, que era o que
eu mais queria”, afirma.
Na
França, primeiro país que traduziu sua obra, “Dandara et les esclaves libres” ("Dandara e os escravos
livres", em português) é uma aposta da editora Anacoana, especializada em
literatura brasileira e novos autores do país.
“Estou muito feliz, comecei esse livro sem
ter nada, investindo dinheiro do próprio bolso. Hoje, vejo ele chegando em um
outro país. Isso mostra o potencial, não da carreira de uma escritora, mas como
algo que é coletivo e de uma história que é relevante, de algo que é uma
reparação histórica”, conclui. (Com informações do Ceert).