Políticos
misóginos, comediantes homofóbicos, religiosos fundamentalistas e celebridades
violentas têm se tornado exemplos para grupos de rapazes que, acreditando serem
revolucionários e contestadores, na verdade agem de forma conservadora e
reacionária.
Acreditam que estão sendo subversivos lutando contra a “ditadura do politicamente correto” – que se tornou uma forma pejorativa de se referir aos direitos humanos.
Essa
ditadura, claro, é uma ficção. Qualquer ostra saudável sabe que se os direitos
humanos fossem minimamente respeitados por aqui não haveria fome, crianças
trabalhando, idosos deixados para morrer à própria sorte, pessoas vivendo sem
um teto. Não teríamos essa taxa pornográfica de homicídios, nem exploração
sexual de crianças e adolescentes, muito menos trabalho escravo. Aos migrantes
pobres seria garantida a mesma dignidade conferida a migrantes ricos. Todas as
crenças seriam respeitadas, tendo Jeová como deus ou não. A liberdade de
expressão seria defendida, mas não a custo da dignidade e da vida humanas. Se
direitos humanos fossem efetivados, não teríamos mulheres sendo estupradas,
negros ganhando menos do que brancos e pessoas morrendo por amar alguém do
mesmo sexo. O que temos, em verdade, é um statuo quo sendo contestado, o que
provoca pânico em muita gente.
Parte
desses jovens também abraça discursos ultraconservadores como reação às
tentativas de inclusão de grupos historicamente excluídos. Como já escrevi aqui
antes, ela viu que a luta por direitos iguais por parte de suas colegas de
classe ou de coletivos feministas em suas escolas significará, para eles, uma
perda de privilégios que hoje os homens têm. Nesse contexto, influenciadores
digitais, formadores de opinião e guias religiosos ajudam a fomentar, com seus
discursos violentos e irresponsáveis, uma resposta negativa dos rapazes à luta
das moças pelo direito básico a não sofrerem violência.
E
não apenas jovens. Há políticos, como Jair Bolsonaro, que ocupam um espaço de
porta-voz de um público insatisfeito que se vê acuado diante do discurso de que
muito do que lhes foi ensinado no que diz respeito aos seus direitos, deveres e
limites agora precisa ser revisto para incorporar mudanças. Pessoas comuns que
veem seus preconceitos serem atacados, chamados de coisa do passado. Imagine
uma pessoa, que sente que seu mundo está mudando mais rápido do que pode
compreender, quando aparece uma liderança dizendo que não precisa se sentir
dessa forma, nem se adaptar. Apenas lutar para manter tudo como está. Não
admira, portanto, que Bolsonaro esteja bem colocado entre os mais ricos nas
pesquisas de opinião.
Independentemente
do que aconteça daqui em diante na política brasileira, temos visto o resgate
de uma narrativa (que imaginávamos morta e enterrada) que justifica o ataque
aos direitos humanos sob o argumento insano de que são ”coisa de comunista”. Ou
seja, o pacote de direitos, que em sua formulação contemporânea se deu sob
clara inspiração liberal, ganha outra conotação na mente de gente mal informada
ou mal intencionada. A efetivação de direitos civis, políticos, sociais,
econômicos e culturais vem sendo julgada em praça pública com o argumento de
que ”criam discórdia onde antes havia paz” ou ”geram divisões onde tudo
funcionava bem”. Funcionava bem para quem?
Como
os principais partidos políticos não se esforçaram para garantir mais
participação popular, o governo e a oposição derrapam em dar respostas para a
retomada do crescimento econômico e a vida do brasileiro (principalmente o mais
pobre) vai piorando a olhos vistos, além de um esgarçamento institucional para
salvar envolvidos em corrupção, vamos assistindo ao crescimento de discursos
que bradam que a política é desnecessária. E que a própria democracia é
questionável.
Políticos
como Donald Trump e Jair Bolsonaro não são idiotas, pelo contrário. Falam o que
falam porque sabem que muita gente irá aplaudi-los por isso. Embrulham sua
narrativa em uma falso frescor de novidade que cativa muitos jovens quando, na
verdade, ela é a mesma que está no poder desde que os primeiros brancos
chegaram ao continente americano.
Sabem
conversar com um público que quer saídas rápidas para a falta de emprego e para
a segurança pública e que precisam de alguém que lhes entregue uma narrativa
consistente para poderem tocar suas vidas – narrativa que os partidos
tradicionais solapam em oferecer. A esquerda, com louváveis exceções, parece
não querer fazer isso na área da segurança pública. Jovens estão morrendo na
periferia aos milhares e policiais honestos, às dezenas. Portanto, são
necessárias soluções de curto prazo, que passem por garantir qualidade de vida
dessas populações de ”matáveis”, e não apenas ações estruturais que levam anos.
Mas,
como já disse aqui, a mesma insatisfação com a política tradicional e a mesma
crise das narrativas que elegeram Donald Trump, também produziram Bernie
Sanders. Mesmo que não tenha sido escolhido por conta de intensa campanha do
establishment do próprio Partido Democrata, sua disputa nas primárias provocou
debate sobre um projeto mais progressista para os Estados Unidos. Papel
semelhante desempenha Jeremy Corbyn, líder do Partido Trabalhista, no Reino
Unido – que perdeu a eleição para Theresa May. Ele cresce em popularidade, com
seu discurso mais à esquerda, em uma nação que tenta entender o que significa sua
saída da União Europeia. Os dois são chamados de populistas e irresponsáveis
por quem acredita na divindade do mercado. Mas ajudam a arejar o debate com
novas propostas, cativando os mais jovens.
A
esquerda no Brasil conseguirá se organizar e disputar um novo projeto de país?
Um que não tenha vergonha de reconhecer seus erros e atuar em campos que lhe
são espinhentos, como a violência urbana? Poderá construir uma nova narrativa
que desperte o sonho e o engajamento dos mais novos?
Muitos
desses jovens estão descontentes, mas não sabem o que querem. Sabem o que não
querem. Neste momento, por mais agressivos que sejam, boa parte deles está em
êxtase, alucinada com a rua e com o poder que acreditam ter nas mãos. Mas ao
mesmo tempo com medo. Pois cobrados de uma resposta sobre sua insatisfação, no
fundo, no fundo, conseguem perceber apenas um grande vazio. Pode-se continuar
dando às costas a eles, chamando-os de fascistas, ou abrir o diálogo – muitas
vezes difícil, mas necessário.
Há
um déficit de democracia participativa que vai ter que ser resolvido. Só votar
e esperar quatro anos não adianta mais para esse grupo, pois muitos jovens
reivindicam participar ativamente da política. Querem mais formas de interferir
diretamente nos rumos da ação política de sua cidade, estado ou país. Não da
mesma forma que as gerações de seus pais e avós, claro. Porque, naquela época,
ninguém em sã consciência poderia supor que criaríamos outra camada de
relacionamento social, que ignorasse distância e catalisasse processos.
Precisamos,
urgentemente, ouvir os mais novos e construir com eles um projeto para a
sociedade em que vivemos. Negar isso e buscar, novamente, saídas de cima para
baixo, seja através da esquerda democrática ou da direita liberal, não dará
certo. Não admira que quem sugere adotar as soluções de sempre são as mesmas
pessoas que não entenderam o significado das manifestações de junho de 2013. Ou
que nada aprenderam com elas.
Se
não abrirmos esse debate, teremos uma década de um sombrio macarthismo,
repaginado e adaptado, que se desenha adiante. Década puxada por velhos
políticos fantasiados com o novo e suas milícias digitais. (Por Leonardo Sakamoto, em seu Blog).
Foto: Fábio Rodrigues Pozzebom/ Agência Brasil. |