(FOTO | @evandroleitao). |
Coluna do Fábio José
Neste artigo, o esforço não é apenas para entender porque e como o Evandro Leitão foi eleito prefeito de Fortaleza, mas, também, para discutir um pouco o cenário e os desafios “para além” do pleito municipal, tentando dialogar com aqueles(as) cujo ouvidos ainda não entortaram.
Por que Evandro Leitão venceu o filhote
de bolsonaro?
Ao
terminar o primeiro turno em Fortaleza, tudo parecia se encaminhar para o
triunfo de André Fernandes (PL), uma vez que Evandro Leitão (PT) teria não só
de tirar uma diferença de 82 mil votos em relação ao candidato bolsonarista,
mas teria de superar o desafio de que os partidos que apoiaram os outros
candidatos mais bem votados – Sarto (PDT): 164 mil votos, Wagner (União): 159
mil votos e Girão (Novo) quase 15 mil votos – decidiram apoiar a candidatura da
extrema-direita.
Do
lado de Leitão apenas o Solidariedade do folclórico George Lima (6.803 votos) e
os partidos de esquerda (com minúsculas votações no primeiro turno): Técio
(PSOL) com 8.923, Chico Malta (PCB), 1.205 votos e Zé Batista (PSTU), 615
sufrágios.
Diante disso, o que era preciso ser
feito, e, em cima disso, como a campanha se desenvolveu?
Em
primeiro lugar, era preciso enfrentar a coligação de cima, dos partidos
poderosos e dos líderes políticos tradicionais (Tasso Jereissati, Roberto
Cláudio, Ciro Gomes etc.), buscando se coligar com amplas massas da população
fortalezense, com uma forte tradição em confrontar e derrotar as forças
conservadoras, como fez em 1985 (elegendo a Maria Luíza) e em 2004 (escolhendo
a Luizianne Lins). Efetivamente, essa tarefa foi rigorosamente cumprida. A
campanha de Evandro Leitão se tornou um fenômeno de massa, única forma de fazer
frente à capacidade mobilizadora do aparelho fascista.
Em
segundo lugar, era necessário nacionalizar o debate, demonstrando que o André
Fernandes era o candidato do Jair Bolsonaro e do fascismo. Nunca a palavra
fascismo foi tão usada em uma eleição na capital cearense. Evandro Leitão e as
lideranças de esquerda denunciaram o candidato do PL como fascista e ajudaram
no processo de formação de uma massa crítica em torno da luta contra a extrema-direita,
desmascarando o filhote de Bolsonaro. Assim, tornou-se popular a ideia de
“votar 13 para derrotar o fascismo”.
Em
terceiro lugar, a alternativa de esquerda apresentou elementos de um programa
capaz de dialogar com as necessidades de amplos setores da periferia (com
ênfase na defesa de uma política de moradia popular e de geração de empregos),
nomeadamente da juventude (por meio de propostas com forte apelo popular como a
do “pé de meia”). Embora isso tenha sido suscitado no primeiro turno, foi
ressaltado com maior força no turno decisivo, malgrado os conhecidos limites
programáticos do PT.
Um
quarto ponto importante, que, de certo modo, esteve ligado ao item anterior,
traduziu-se em uma avalanche vermelha que tomou conta não apenas dos “bairros
de classe média”, mas, sobretudo, das periferias da quarta maior cidade do
país, disputando a consciência de centenas de milhares de pessoas, que, em
regra, são os alvos prioritários das igrejas pentecostais e de políticos
tradicionais da direita.
Um
ponto que também não pode ser desprezado é que o maior partido da esquerda, o
PT, colocou o conjunto de seus quadros e dirigentes (a começar por Lula) a
serviço da tarefa inadiável de impedir que o fascismo se apoderasse das rédeas
do poder na maior cidade do Nordeste, evidenciando não só que o partido não tem
feito isso suficientemente, mas que, se o fizer devidamente, podemos extrair
daí melhores resultados na peleja contra as forças do atraso e do arbítrio.
Um
sexto ponto, igualmente importante, foi que, apesar das desvantagens no âmbito
do chamado engajamento, a esquerda buscou disputar uma fatia razoável das redes
sociais, fazendo aí o desmascaramento político do fascista André Fernandes,
desfazendo parte de suas fake news, e, ao mesmo tempo, apresentando as
propostas de Evandro Leitão ao amplo público desse campo de disputa. Foi nesse
terreno que as imagens de um vereador fascista, torturando um porco e ameaçando
de morte o candidato petista, rebateram fortemente contra a campanha da
extrema-direita, reforçando a ideia de que Leitão seria o candidato da
“civilidade e da democracia”.
Em
sétimo lugar, a campanha do PT soube utilizar da maneira mais correta as
inúmeras e deploráveis declarações do filhote bolsonarista, nas quais
sobressaiam a sua faceta misógina, homofóbica e antipopular, o que se
manifestou em mobilizações de rua que, por exemplo, moveram as mulheres e a
população LGBTQI+, o que, de fato, contribuiu para o fortalecimento da campanha
da esquerda nessas franjas do eleitorado.
Em
suma, ao nacionalizar a campanha, denunciar e enfrentar o fascismo, dialogar
com amplas camadas dos setores populares, ocupando todos os espaços de disputa,
e, ao mesmo tempo, levantar pontos programáticos que se sintonizavam com os
anseios não só dos setores progressistas politicamente organizados, mas,
particularmente, com as necessidades de vastos segmentos da classe trabalhadora
(formal e informal), a esquerda impediu que a direita raivosa (a ultradireita)
pudesse se apossar da prefeitura de Fortaleza.
“Para além” da vitória de Evandro Leitão
(PT)
Mas
como alerta a sabedoria antiga: “nem tudo são flores”. A extrema-direita, para
além das camadas médias, aproximou-se perigosamente de amplos setores da
população periférica, azeitada pelo trabalho ideológico realizado pelas igrejas
(pentecostais, sobretudo) e turbinada pela ideologia neoliberal do
empreendedorismo, que, de maneira avassaladora, devora o imaginário de uma
juventude que o capitalismo priva de sonhos e de possibilidades de inserção
social.
Recorrendo
a todos os artifícios de uma retórica que promete o paraíso ainda hoje na
terra, mediante uma prosperidade rápida e inelutável, as igrejas pentecostais e
a extrema-direita fascista arrastam para o seu campo franjas inteiras da massa
popular, acima de tudo entre os mais jovens, estruturando uma base social para
além dos extratos médios.
Ao
lado da questão religiosa, aflora uma massa de desvalidos que creem que o
trabalho por conta própria, a ideia tortuosa do patrão de si mesmo e do
empreendedorismo sem veleidades, é a solução para cura de todos os males
sociais. Não por acaso, Fortaleza assistiu ao espetáculo de carros, motos e
bicicletas de trabalhadores de aplicativos adornados com adesivos do candidato
fascitóide.
Nesse
contexto, o discurso contra o comunismo (vermelho e ateu) ganhou peso, e como a
esquerda comunista, não raro, carece de expressão social, o discurso de ódio se
voltou contra a principal força de esquerda no Brasil, o Partido dos
Trabalhadores, convertido fantasmagoricamente no “belzebu comunista”, ainda
que, a rigor, saibamos que “a pecha” não cabe ao partido do Lula da Silva.
O
que cabe a esse partido, absolutamente majoritário na esquerda, com o seu
principal quadro ocupando a presidência da república, é compreender que cedendo
ao programa da oligarquia financeira, e, dessa maneira, renunciando ao programa
que elegeu Luis Inácio Lula da Silva, ele cede terreno ao fascismo.
Tão
certo como o fascismo defende emprego sem direito, é necessário que o governo
Lula demonstre que vale a pena ter emprego com carteira assinada e direitos
sociais e trabalhistas. E isso não se demonstra só falando em um comício ou na
televisão. Isso se evidencia nos fatos, no plano da realidade objetiva. O
crescimento de empregos vazios de direitos empurra a massa despossuída para a
retórica do empreendedorismo.
Desse
modo, não há dúvida que se atuasse incisivamente na proteção ao trabalho
decente e aos direitos sociais, o governo fortaleceria a defesa de um programa
e de uma ideologia de esquerda. E por falar em ideologia, o PT e as demais
forças de esquerda não podem e não devem deixar de sustentar a luta ideológica
mais implacável contra o neofascismo e o neoliberalismo. A luta contra a
influência burguesa no meio popular é irrenunciável.
Não
há dúvida também que a tarefa imediata da nossa classe é enfrentar e derrotar o
fascismo, e, amiúde, as vacilações dos dirigentes do PT, nacionalmente, torna
essa tarefa muito mais difícil, o que não se deve desprender dessa contradição
que devemos travar essa luta ignorando o maior partido da esquerda brasileira.
Em
horas como essas, e a eleição de Fortaleza demonstrou isso de forma cabal, “é
necessário aproveitar as menores possibilidades de conseguir um aliado de
massas, mesmo que temporário, vacilante, instável, pouco seguro, condicional”,
como afirma Vladimir Lênin em O esquerdismo, doença infantil do comunismo
(Lênin, 1989, p. 78).
Certamente,
sem esse aliado de massas, o fascismo teria se apoderado da prefeitura de
Fortaleza, transformando-a em uma poderosa casamata, pensando na eleição de
2026, mas para além dela. A vitória de Evandro Leitão, portanto, deve ser
saudada como uma vitória da esquerda e um exemplo de que, apesar das
dificuldades da etapa histórica na qual vivemos, é possível lutar e vencer o
fascismo, ainda que, no caso, apenas eleitoralmente.
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