No
último domingo, 6, foi realizada as eleições para a escolha de
prefeitos (as) e vereadores (as) de todos os municípios do país. Em
Crato, um dos municípios mais populosos do Ceará, aconteceu algo
que passou despercebido pelos principais veículos de comunicação.
A professora Zuleide Queiroz (PSOL) concorreu a uma da 19 cadeiras no
legislativo municipal e foi uma das mais votadas.
Zuleide Queiroz é professora universitária e participa de diversos movimentos sociais. (FOTO | Acervo pessoal).
Por Maria Raiane, Colunista
É
nessas horas que eu queria ser da cidade do Crato-CE para ter a honra de votar
50180 e confirmar, entregando ali a minha esperança para a mulher mais
preparada para ocupar a câmara dos (as) vereadores (as) deste município. O
Crato, historicamente, assim como todo o Cariri, é um lugar marcado pelo
coronelismo, patriarcalismo, machismo, LGBTQIA+fobia, racismo e todas as formas
de opressão que assombram a sociedade, o que se reflete em mais de duzentos
anos de ausência de mulheres como Zuleide Queiroz em cargos de decisão no
município.
A
professora Zuleide Queiroz, da Universidade Regional do Cariri (URCA)
e filiada ao Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), é um dos nomes
cotados para ser vice-prefeita na chapa de André Barreto, escolhido
para a cabeça de chapa do Partido dos Trabalhadores (PT) no
município de Crato, na região do cariri e apoiado pelo atual
prefeito, José Ailton, também do PT.
É
preciso votar em mulheres negras! Por isso o Crato tem opção.
De
forma secular as mulheres negras foram impedidas de adentrarem a esfera
política, por diversas questões advindas de um período colonial, escravagista,
racista e machista. As mulheres negras foram as primeiras a adentrarem na luta
por direitos e as primeiras a pautar a questão do abolicionismo penal, por
saberem que essa forma perversa de aprisionamento só encarcera os seus.
Zuleide Queiroz, do Grupo de Valorização Negra do Cariri, afirma que a trajetória de Dandara dos Palmares impulsiona identificação / Foto: Natinho Rodrigues - (Reprodução - Diário do Nordeste).
Figura
emblemática na luta pela liberdade junto a Zumbi e Ganga Zumba, Dandara faz
parte da história de outras mulheres e movimentos negros no Ceará.
Quantas
histórias adormecem sob o jugo da cegueira social? De quantos personagens e
fatos não falamos simplesmente porque nunca foram apresentados a nós? Mais
especificamente, quantas mulheres nossa memória negligencia quando a pauta do
dia é resistência, bravura, luta? Sobrevivência.
Elas
são inúmeras, filhas de várias partes do Brasil e do mundo. Personagens
concretas de realidades opressoras, com força capaz de transgredir o decurso do
tempo e inspirar uma fortuna de atividades. Não à toa, neste Dia da Consciência
Negra - data criada em 2003 e instituída, por lei, em 2011 - o Verso dá
destaque à figura de Dandara dos Palmares, símbolo-mor de coragem, protagonista
quase apagada do registro oficial do Brasil Colonial. Não nestas linhas.
Nesse
movimento, a travessia que propomos é de imersão no ofício de mulheres cujo
sangue transborda energia e cuja melanina é pigmento de obstinação.
Influenciadas pela irrefreável figura de Dandara, revitalizam trabalhos e
conferem fôlego novo a expressões diversas. São ícones a levantar bandeiras que
partilham semelhante apelo: desafiar lacunas antigas e promover reconhecimento
ao lugar do negro, ao lugar da negra. Avante à luta!
No sangue, na memória
Se
de geração em geração herdam-se traços, Dandara é mãe da resistência. No dia em
que Zumbi teve a cabeça degolada num golpe, um ano e nove meses já teriam
passado desde a morte da força feminina do Quilombo dos Palmares. A história da
figura apontada como mulher do herói palmarino permanece cercada de incertezas
e poucos registros, mas justifica e empodera o confronto das mulheres negras
com tudo que as subjugam até hoje.
Relatos
afirmam que Dandara teria se jogado de uma pedreira ao abismo, em fevereiro de
1694. A decisão extrema transparece a recusa da mulher de se entregar às forças
militares que cercaram o famoso quilombo, onde viviam cerca de 30 mil pessoas
distribuídas em aldeias. Não há registros do local onde a matriarca nasceu, nem
da sua ascendência africana. Estudos levam a crer, contudo, que sua origem é
brasileira e que ela se estabeleceu no Quilombo dos Palmares ainda quando
criança. Além dos serviços domésticos, ela defendia como podia o seu povo e os
três filhos que teve com Zumbi.
Líder
das falanges femininas do exército negro palmarino, Dandara é descrita como uma
verdadeira heroína. Ela dominava técnicas da capoeira e teria lutado ao lado de
homens e mulheres em inúmeras batalhas e consequentes ataques à sua comunidade
quilombola, situada na Serra da Barriga, atual região de Alagoas. De acordo com
Zuleide Queiroz, professora da Universidade Regional do Cariri (Urca) e
integrante do Grupo de Valorização Negra do Cariri (Grunec), a personagem é
referência, homenageada por grupos feministas pelo instinto de coragem e
maternidade.
A história da figura apontada como mulher do herói palmarino permanece cercada de incertezas e poucos registros, mas justifica e empodera o confronto das mulheres negras com tudo que as subjugam até hoje. (Reprodução/Diário do Nordeste).
"A decisão dela foi marcar a história. Foi
uma atitude claramente pensada, não em função da força, do medo ou da
violência, características facilmente atreladas ao machismo. Foi no sentido de
educar as próximas gerações. Tudo ou nada!", partilha, emocionada.
A
trajetória de Dandara dos Palmares também impulsiona identificação. Com
divergências do ativismo relacionado às mulheres brancas, o feminismo negro
levanta pautas específicas. Enquanto as mulheres brancas buscavam equiparar
direitos civis com os homens brancos, mulheres negras carregavam nas costas o
peso da escravatura, ainda relegadas à posição de subordinadas; isso, porém,
não se limitava apenas à figura masculina, pois a mulher negra também estava em
posição servil perante a mulher branca.
Segundo
Zuleide, a partir dessa percepção, o exemplo da líder de Palmares, assim como o
de outras heroínas com pele de cor forte, é a base para a autonomia feminina
negra. "Se antes víamos a luta das mulheres brancas pelos direitos, hoje
nos reconhecemos na reconstituição da história de Dandara. É a nossa
ancestralidade".
É
com o intuito de resgatar e reverberar essa posição de luta que o Grupo de
Valorização Negra do Cariri (GRUNEC), entidade sem fins lucrativos, promove no
interior do Estado a busca pela igualdade étnica/racial e a autoestima da
população de cor negra na região caririense, onde foram encontradas,
atualmente, 26 comunidades quilombolas, a maioria lideradas por mulheres.
Zuleide afirma que Dandara está presente, sim, no coração e no sangue, de toda
mulher negra, filhas das mulheres que se jogaram no precipício no decorrer da
história.
Batuque para Dandara
Em
2016, durante cortejo no carnaval de rua, o Maracatu Nação Fortaleza homenageou
Dandara dos Palmares ao levar a bravura histórica da guerreira para os olhos e
ouvidos do público. Com loa reverenciando a personagem, os brincantes entoaram
em alta voz: “Ê Ê Ê Dandara/ O tambor já tocou, Calunga mandou chamar/ Vai ter
gira no terreiro, iaiá/ Batuque para Dandara/ Luz que alumiou a força dessa
nação”.
Ao
conferir destaque à mulher, o grupo buscou acrescentar novos elementos ao
desfile carnavalesco por meio de uma contribuição cultural e artística focada
no respeito à luta feminina, trazendo à tona a trajetória de um ícone ausente
nos livros de História e consolidando um ponto de referência para todas aquelas
identificadas com a estrada de resistência de Dandara.
Conforme
registrado no site oficial do bloco, “‘Salve a Guerreira Dandara’ nos remete a
um Brasil do período colonial e da resistência do Quilombo dos Palmares, enriquecendo
a proposta do Maracatu Nação Fortaleza ao trazer as cores vivas da cultura
afro-brasileira para as vestimentas e adereços; o toque ancestral dos tambores
saudando uma rainha negra e sua luta pela liberdade; a presença do simbolismo
incorporado na Calunga; e os elementos do universo Brasil-África como
referência na montagem do desfile”.
Coletivos de mulheres negras no Ceará
refletem força revolucionária de Dandara dos Palmares
Feminista,
anti-racista e anticapitalista: assim é definido o Instituto Negra do Ceará -
Inegra por Margarida Marques, uma das integrantes do projeto. A organização
não-governamental tem como projeto político a luta contra o preconceito e a
discriminação racial, sexista e de classe. Munida desse objetivo, a empreitada
busca fortalecer a construção afirmativa da identidade feminina negra e propor
políticas públicas que contribuam para a promoção da igualdade de gênero, raça
e classe.
Zuleide Queiroz: "Reconstituir a história de mulheres negras é entender de onde vem a nossa força interior para diante de todas as diversidades". (Reprodução/ Diário do Nordeste).
Os
negros e negras vivem em condições de exclusão social como consequência do
processo de escravização e de uma abolição que nunca se concretizou. Assim,
eles são aqueles que vivem em piores condições de vida, ganham menores salários
e são as maiores vítimas da violência”, situa Margarida.
Ela
conta que o Inegra atua no Estado desde 2003 como desdobramento de um coletivo
de 13 mulheres negras. Hoje, integra o Fórum Cearense de Mulheres (FCM), a
Articulação de Mulheres Negras Brasileiras (AMNB) e a Articulação de Mulheres
Brasileiras (AMB). Entre suas principais realizações, está a Jornada pela Saúde
da População Negra; o projeto Fulô do Mandacaru; e atuação no tema do
encarceramento feminino, com apoio do Fundo Brasil de Direitos Humanos.
De
acordo com Margarida, “superar uma realidade de opressão significa entender um
outro projeto social e econômico, de inclusão, tolerância, justiça e reparação
social e histórica dos que construíram a riqueza desse país através da mão de
obra escravizada e foram deixados às margens do direito e da cidadania”.
Em
semelhante engajamento, o Movimento Negro Unificado (MNU) atua no País há mais
tempo, gestado em plena ditadura militar, em junho de 1978. Porém, foi apenas
em 7 de julho do mesmo ano que a organização foi lançada publicamente, num ato
realizado nas escadarias do Teatro Municipal de São Paulo, lançando as bases
para a luta em todo o Brasil, inclusive no Ceará.
Dentro
desse recorte, o destaque recai também sobre o Grupo de Valorização Negra do
Cariri (Grunec), entidade sem fins lucrativos que conta com a participação de
Zuleide Queiroz. O projeto foi formado em 2001 com o objetivo de promover a
autoestima da população negra na região caririense, propagando também a
consciência sobre afrodescendência ao valorizar a história e cultura do povo.
Encontro
Nesse
sentido, em tempos onde a união é cada vez mais necessária para mudar panoramas
de opressão, é que vai ser realizado, nos dias 23 e 24 deste mês, o I Encontro
de Mulheres Negras do Ceará, no Centro Cultural Banco do Nordeste (CCBNB). A reunião
tem caráter duplo: tanto comemora os 30 anos do primeiro Encontro Nacional das
Mulheres Negras, realizado em Valença, no Rio de Janeiro, quanto prepara o
terreno para a edição nacional de 2018, marcado para acontecer em Goiânia, de 6
a 9 de dezembro.
A
inscrição para a etapa local pode ser feita online a partir de link
disponibilizado no facebook, na página do evento. A participação custa um valor
simbólico de R$ 5 e deve reservar aos interessados um encorpado debate sobre a
atual conjuntura cearense no que toca ao movimento negro, imprimindo força e
maior alcance aos projetos no segmento.
“Tanto Dandara como todas as mulheres negras
de ontem e hoje que lutam e resistem contra o racismo,as injustiças sociais e o machismo, nos
inspiram e nos fortalecem. Resgatar as memórias delas e tornar conhecida suas
lutas é importante em especial às novas gerações, pois é uma maneira de
recontar nossa história, escrita de maneira a invisibilizar a luta do povo
negro”, reitera Margarida Marques.
Professora Zuleide teve sua pré-candidatura a deputada federal neste sábado, 09, na sede do GRUNEC em Crato. (Foto: Reprodução/Fanpage "Resistência").
Na
tarde do último sábado, 09, na sede do Grupo de Valorização Negra do Cariri
(Grunec), foi lançada a pré-candidatura a deputada federal da professora universitária
ligada ao Departamento de Educação da Universidade Regional do Cariri (URCA),
Zuleide Queiroz, pelo Partido Socialismo e Liberdade (PSOL).
De
forte ativismo e presença nos movimentos sociais, como no próprio Grunec e na
Frente de Mulheres do Cariri, Zuleide já disputou outros cargos eletivos como
ao executivo municipal de Crato e a reitora da instituição em que leciona.
Segundo ela, a pré-candidatura representa uma construção coletiva em busca de
romper com a política como ora se apresenta em que mulheres, negros e a
comunidade LGBT não são representadas e não estão ocupando os espaços de poder.
Ela afirmou que se não estivesse nessa disputa outros estariam e frisou que a
presença dos movimentos sociais no evento lhe fortalece.
“Há mais de vinte anos mora aqui no cariri e
acompanho a situação vivida pelas mulheres na região, em situação de violência,
muito mais acrescida nesses últimos anos, com a juventude e com o recorte muito
forte na juventude negra. Esse contexto que a gente vive de participação
efetiva nos movimentos sociais nos leva a ter que tomar uma decisão muito
importante na nossa vida”, disse ela em entrevista ao Jornal do Cariri e
completou “queremos iniciar essa
discussão partindo da pauta dos movimentos de mulheres, LGBT, da juventude e da
educação, com as greves que se constituem nos municípios, e a saúde que é um
dos principais problemas”.
Também
em entrevista ao referido periódico, Valéria Carvalho, representante do Grunec,
afirmou que Zuleide é uma delas e que o congresso precisa passar por mudanças.
“Como ela é uma de nós, não tem como não
estarmos juntas, não existe essa possibilidade”, pontuou. O mesmo sentimento foi partilhado por
Verônica Isidório, da Frente de Mulheres do Cariri, que completou arguindo que
“o mundo que está ai, construído pelas
mãos do capital e do machismo, não serve para nós, e vamos ter que desconstruir
muita coisa para termos novas conquistas”.
Na
fanpage “Resistência” criada para divulgar o nome de Zuleide consta que o
evento contou com muitas falas de apoio e o lançamento marca a construção
coletiva de uma alternativa negra, feminista e socialista para o Cariri e
Ceará.
A
professora da Universidade Regional do Cariri (URCA), Zuleide Queiroz, de forte
ativismo junto aos movimentos sociais anunciou que concorrerá a uma vaga na
Câmara Federal pelo Partido Socialismo e Liberdade (Psol).
O
evento de lançamento de sua pré-candidatura ocorrerá às 16h00 do dia 09 de
junho na sede do Grupo de Valorização Negra do Cariri (Grunec) situada a Rua
Coronel Segundo, 287, em Crato.
Foi
lançado uma página na rede social facebook sob a denominação de “Resistência Cariri” onde a professora universitária e ativista dos direitos civis e humanos
das populações à margem do poder faz um defesa da sua pré-candidatura, conforme
abaixo descrito:
“Não
vivemos tempos fáceis, a classe trabalhadora, as mulheres, a juventude e LGBTs
nunca foram tão atacadas como agora. O golpe de 2016 inaugurou um tempo de
ofensiva reacionária.
Mas
não nos calamos. Soubemos fazer a resistência nas ruas contra os ataques do
governo Temer. Demos a batalha contra a violência às mulheres, contra a
LGBTfobia, o sucateamento da educação e a retirada de direitos. Compreendemos
que a luta precisa avançar nas ruas, em unidade contra os setores reacionários
e em defesa das mínimas liberdades democráticas. Precisamos batalhar por nosso
futuro!
Pretendemos
que nossa candidatura expresse um pouco disso e para isso precisamos de unidade
com os movimentos sociais, coletivos, militantes e pessoas com a vontade de
construir. A candidatura não é da Zuleide, é de muitas e muitos!
Companheira
ou companheiro, amiga ou amigo, colega ou familiar, deixo o convite para esse
importante momento. Vamos à luta!”.