Professor Nicolau Neto apresenta renúncia da ALB/Secional Araripe

 

(FOTO | Reprodução | Facebook).


Carta de Renúncia – Academia de Letras do Brasil/Seccional Araripe-CE



Nova Olinda -CE, 27 de julho de 2023,


Prezada Presidenta Academia de Letras do Brasil/Seccional Araripe-CE,


Com os cumprimentos iniciais, informo que é com sentimento de desapontamento que envio esta solicitação de desligamento da Academia de Letras do Brasil/Seccional Araripe-CE após três anos e nove meses de minha posse na cadeira nº 33, a qual se apresenta como patrono o símbolo da cultura popular altaneirense João Sabino Dantas, o João Zuba. Toda instituição tem um fundamento ideológico que o sustenta e, portanto, que lhes apresenta caminhos para a defesa de suas causas. No caso da ALB/Araripe-CE, a CULTURA. Notadamente, é salutar lembrar que quando o acadêmico percebe que essa bandeira não está sendo defendida da forma como se deveria ou ainda quando este descortina já algum tempo que outras ações atreladas a cultura ou que dela também seja parte, como políticas antirracistas, não são levantadas, cabe a este, por iniciativa própria, abdicar de seu título. E assim desejo e o faço. Passo expor agora as razões dessa decisão.

Quer acabar com a resistência e o poder de organização e criticidade de um povo"?, "destrua a educação e a cultura". A frase que escolhi para falar sobre a prática de destruição de tudo o que é ligado à cultura no país foi dita pelo filósofo e professor do departamento de Ciências Sociais da Universidade Regional do Cariri (URCA), Carlos Alberto Tolovi, durante um bate-papo político comigo no programa Esperança do Sertão da Rádio Comunitária Altaneira FM (2016). Em setembro de 2020, praticamente no auge da pandemia da Covid-19, escrevi um artigo para o blog Negro Nicolau com o título “A destruição da cultura e o silêncio estarrecedor de instituições culturais”, onde destaquei que o desmonte da cultura não começou com Bolsonaro (até então presidente do país), mas que foi aprofundada com ele. A extinção da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (Seppir) não foi na gestão Bolsonaro, mas as consequências danosas a população negra foram ampliadas com ele.

E são as questões apresentadas naquele artigo – haja vista que nada mudou nesse intervalo de tempo -, que as exponho aqui para subsidiar minha escolha pela renúncia ao título de acadêmico e integrante desta academia, a quem agradeço pela honra do convite para dela fazer parte.

De Michel Temer que assumiu a presidência a partir de um golpe jurídico-parlamentar-midiático a Jair Bolsonaro, a escalada de perca de direitos, principalmente da população mais vulnerável desse país - negros, mulheres (negras sobretudo), lgbts, indígenas -, só tem crescido. A violência física e psicológica tem aparecido com mais frequência e aqueles/as que as praticam fazem questão de demonstrá-la. O Brasil dos últimos sete anos (2016 – 2022) piorou consideravelmente pois quem mais deveria ser e dar exemplo de criação de políticas públicas para a construção da equidade, faz justamente o contrário.

A intenção do governo federal, tendo como recorte temporal o aludido acima, é acabar com a participação social e com o poder de organização e mobilização social e para isso tentou destruir tudo que contribuiu para a análise crítica da sociedade, para o fortalecimento da identidade e da liberdade. Foi assim com a extinção do Ministério da Cultura (MinC) em 2016 e que foi rebaixado a condição de secretaria no governo Bolsonaro. Mas só rebaixar não era o suficiente, era preciso também proibir filmes e demais formas de manifestação artísticas que tivessem como objetivos realizar discussões sobre homofobia e machismo, por exemplo. Dentro dessa seara, destaco que não se pode esquecer que a cultura é símbolo do processo de redemocratização do país, pois ganhou status de ministério em 1985.

A aversão desse governo a população negra saltava aos olhos. Nenhum negro ou negra para os ministérios. Mas só a falta de representatividade não basta, era preciso de igual modo, alimentar ainda mais o preconceito, a discriminação e o racismo. Quem não se lembra quando em 2017 durante uma palestra no Clube Hebraica no Rio de Janeiro, Bolsonaro proferiu a frase “fui num quilombo. O afrodescendente mais leve lá pesava sete arrobas. Nem para procriador ele serve mais”, ou “que seus filhos não ‘correm risco’ de namorar negras ou virar gays porque foram ‘muito bem educados’, ainda em 2021 e já no cargo de presidente quando disse que um deputado negro por demorar a nascer “deu uma queimadinha”?

O que elenquei aqui é apenas uma parte da política da segregação, mas o pouco citado só vem a reforçar a política elitista, racista e machista desse governo e concomitantemente uma aversão a cultura.

Mas volto a frase em que comecei esse texto. “Quer acabar com a resistência e o poder de organização e criticidade de um povo"?, "destrua a educação e a cultura”. Certamente está sendo válida para algumas entidades culturais. Não fiz um levantamento de quantas temos na região do cariri cearense, mas é possível perceber a omissão de grande parte dela que em nenhum momento teceu crítica a essa barbárie que o país testemunhou. O fato de ter votado em alguém não impede de se posicionar contra ações danosas a sociedade. Muito pelo contrário. É salutar para a democracia. Mas o que estou testemunhando é um silêncio estarrecedor. Algumas ações individuais e pontuais vem acontecendo, mas não o suficiente.

E ALB/Seccional Araripe se insere nesse diagnóstico. E o que mais chama a atenção é que nasceu no bojo dos cortes e do desmonte da Cultura, mas não se percebeu uma posição e enfrentamento a esta destruição de tudo o que é ligado à cultura. Nenhuma nota.

Durante meu discurso de posse em 12 de outubro de 2019, afirmei que havia um mundo para além do poder constituído e das instituições. Mas a forma com que encarávamos a vida lá fora dependia da educação e da cultura. A vida vai fazer com que assumamos responsabilidades e procurar caminhos que podem nos levar ao sucesso ou ao fracasso e que podem abrir as portas para o conhecimento que levarão ou não ao crescimento pessoal e profissional. Vai depender de que tipo de escolha vocês farão. Vai depender também que leitura vocês escolherão fazer da realidade. Mario Quintana disse uma vez que "os verdadeiros analfabetos são os que aprenderam a ler e não leem". No nosso modelo de sociedade tem muitos (as) doutores (as) por formação, mas analfabetos em posicionamentos diante da realidade. Passaram anos e anos entre quatro paredes na companhia de professores/as, obtiveram títulos e mais títulos, mas são incapazes de utilizá-los em benefício da coletividade e da transformação da realidade para melhor. O comodismo e a obediência cega ao sistema os impedem disso. Doutores, doutoras e pós doutores/as com diversos livros publicados, mas poucos são os que se dedicam escrever para libertar. As escritas muitas vezes são para atender ao sistema, ao mercado financeiro.

Naquela oportunidade, trouxe Rubem Alves - psicanalista, educador, teólogo, escritor e ex-pastor presbiteriano brasileiro, que tem um texto brilhante e que sem prejuízos de interpretação e compreensão substituí a palavra “escola” por “academia”: “Há academias que são gaiolas e há academias que são asas…”. E ao dialogar com ele afirmei que o meu desejo era que essa academia pudesse ser assas e que cada um de nós fôssemos pássaros. Que nosso voo fosse em direção ao caminho que nos levassem a ações de fomento à cultura. Que pudéssemos em cada espaço que estivéssemos estabelecer parcerias com o poder público no sentido de criar políticas públicas de valorização da cultura. De igual modo, que fossemos capazes de na ausência dessa parceria ou da inoperância do poder público, continuarmos com o papel de agentes culturais.

Fiz dentro dos meus limites como acadêmico e de tempo acenos para que isso fosse atingido. Mas as sugestões que encaminhava não foram atendidas, a saber: reuniões periódicas (de preferência mensais) itinerantes e nas impossibilidades, reuniões virtuais, dentre outras. Mais recentemente, sugeri uma posição da instituição quanto a luta travada por várias entidades culturais quanto a defesa da proposta de 2% do orçamento nos municípios para cultura. Alguns integrantes chegaram a afirmar que encampavam a luta; outros não responderam e outros ainda afirmaram que era melhor esperar passar a fase eleitoral que esta prevista para acontecer em agosto do ano em curso. O fato é que institucionalmente essa proposta não teve o retorno esperado, ou seja, um posicionamento da ALB/Seccional Araripe afirmando que ira participar junto as demais entidades pela aplicabilidade de no mínimo 2% do orçamento dos municípios na cultura. Solicitei, inclusive, uma reunião virtual para essa finalidade.

Esse desejo continua vivo. E espero que mesmo com a minha saída a entidade possa fazer com que esse ideal exposto nessa carta seja trilhado, fortalecido e alcançado.


Sem mais, saudações a todos e todas.


Atenciosamente,


José Nicolau da Silva Neto

Professor/Historiador


Nenhum comentário:

Postar um comentário

Ao comentar, você exerce seu papel de cidadão e contribui de forma efetiva na sua autodefinição enquanto ser pensante. Agradecemos a sua participação. Forte Abraço!!!