Lélia Gonzalez: enquanto houver racismo, não haverá democracia no Brasil e na américa latina, por Zuleide Queiroz


Zuleide Queiroz. (FOTO/ Samuel Macedo).


No debate sobre democracia no Brasil, queremos dizer que a história oficial brasileira, permite afirmar que o Brasil é um país racista. Nossa história invisibiliza o povo indígena, a chegada em navios negreiros do povo negro, a escravidão e cria o mito da democracia racial, colocando em cena a ideia de “que todos são iguais”. A realidade da violência na periferia, a morte do João Pedro e do pequeno Miguel, não deixou dúvida, negros morrem todos os dias, mesmo com toda uma campanha internacional dizendo “Vida negras importam”, e que indígenas e negros fazem parte da parte baixa da pirâmide, imposta pelo capital.

No mês do Julho das Pretas, queremos dizer que nosso grito é em defesa da democracia. Mas, uma democracia que traga na sua origem a consciência do racismo estrutural que acompanha a história do Brasil. A naturalização cotidiana do lugar do negro na vida: nas novelas, no trabalho doméstico, nos serviços gerais das instituições.

Aprendemos a ter esta consciência a partir do pensamento da mulher negra Lélia Gonzalez, nascida em Minas Gerais, Belo Horizonte, no dia 1º de fevereiro de 1935. Filha de um ferroviário negro e de uma empregada doméstica indígena. Professora, pesquisadora, antropóloga e ativista política. Fundadora do Movimento Negro Unificado (MNU), o Instituto de Pesquisas das Culturas Negras (IPCN), o Coletivo de Mulheres Negras N'Zinga e o Olodum. Integrou o Conselho Nacional dos Direitos da Mulher (CNDM), foi candidata a deputada federal pelo PT e, em 1986, a deputada estadual pelo PDT. É a primeira mulher negra na academia a pensar o conhecimento, “da periferia para o centro”, como diz bell hooks, pensar o lugar do negro e negra no Brasil, escrevendo as obras: “Mulher negra, essa quilombola”; “A mulher negra na sociedade brasileira”; “O lugar da mulher; estudos sobre a condição feminina na sociedade atual”. “Racismo e sexismo na cultura brasileira”; “Movimentos sociais urbanos, minorias étnicas e outros estudos”; “O terror nosso de cada dia”; “A categoria político-cultural de amefricanidade”; “Tempo Brasileiro”; “As amefricanas do Brasil e sua militância”; “Nanny”; “Por um feminismo afrolatinoamericano”; “A importância da organização da mulher negra no processo de transformação social”; “Uma viagem à Martinica - I”; E o livro, Lugar de negro, com Carlos Hasenbalg. Uma das principais vozes da militância com enfoque na mulher negra do Brasil. Esta mulher do nosso tempo morreu no Rio de Janeiro, em 10 de julho de 1994, mas suas ideais permanecem vivas nos nossos escritos e na nossa luta, pois Lélia era uma mulher, negra, professora, pesquisadora, militante, não conseguia separar teoria e prática.

No julho das pretas nossa homenagem a Lélia Gonzalez. Que seus escritos e pensamentos possam ser visibilizados e sejam parte dos livros nas prateleiras das bibliotecas. Que a academia reconheça suas ideais que são, nossas ideias. Nossa tarefa militante é disseminar seu pensamento!

Nossa pauta de luta:

Pela luta intransigente contra o racismo e a discriminação, independentemente da raça, etnia e/ou nacionalidade; Pelo fim do machismo, do racismo, da lesbofobia, da transfobia, da intolerância religiosa, da xenofobia, e do preconceito e discriminação de qualquer natureza; Pelo fim da pobreza; Contra a retirada de direitos e a precarização ainda maior do trabalho, por mais emprego, melhores salários e igualdade salarial para as mulheres negras; Contra a exploração sexual das crianças e adolescentes; Contra todas as formas de violência, racista e machista e homofóbica: física, verbal e psicológica; Contra o genocídio da juventude negra e periférica; Contra a intolerância religiosa, por respeito e preservação das religiões de matrizes africanas; Pela preservação da biodiversidade e do meio-ambiente, em defesa e reconhecimento da titulação de terras das Quilombolas, das Mulheres do Campo, da Floresta e das Águas; Pela implementação da Lei de Diretrizes e Bases (LDB) alterada pela Lei 10.639/03 (obrigatoriedade da temática “História e Cultura Afro-Brasileira” no ensino fundamental e médio); Pelo direito à educação pública de qualidade e acesso e permanência na universidade; Pelo direito à saúde e direitos sexuais e reprodutivos (aborto legal, seguro e fim da violência obstétrica); Em defesa da moradia digna, do direito à cidade e à urbanidade; Pela valorização da trabalhadora doméstica (Lei Complementar 150/2015); Pelo empoderamento das mulheres negras, indígenas e afro indígenas; Contra o higienismo social e a gentrificação; Por mais poder político para as mulheres negras, indígenas e afro indígenas, imigrantes e refugiadas; Pelo reconhecimento e preservação dos saberes materiais e imateriais da população de qualquer raça, etnia nacional ou estrangeira no Brasil (cultura, tecnologia, arquitetura, culinária, saúde etc.); Por uma política de Comunicação de enfrentamento ao racismo, com a consolidação de uma mídia igualitária, democrática, não racista e não sexista.

Não seremos interrompidas!

Uma sobe e puxa a outra!

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Zuleide Fernandes de Queiroz é Doutora em Educação e pós-doutora. É professora do Departamento de Pedagogia da Universidade Regional do Cariri (URCA), ativista social por movimentos como o MNU – CE, GRUNEC, Frente de mulheres de movimentos do cariri, resistência feminina e diretora regional nordeste do Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior (ANDES-SN). Mas ela mesma se apresenta - “Mulher, negra, professora, feminista e sindicalista...”. Ela é a mais nova colunista do Blog Negro Nicolau.

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