A
curadora Josélia Aguiar abriu a última mesa da quinta-feira (27) citando o fato
de a Flip -Festa Literária Internacional de Paraty já ter tido uma mesas
chamadas "Em Nome do Pai" e
"Em Nome do Filho", mas
nunca "Em Nome da Mãe",
título do encontro entre a escritora ruandesa que vive na França Scholastique
Mukasonga e a brasileira Noemi Jaffe.
Do
CEERT - Scholastique, 61, é autora de
"A Mulher de Pés Descalços" (ed. Nós), livro dedicado a sua mãe,
assassinada no genocídio de Ruanda, em 1994. A escritora teve outros 26
familiares assassinados no massacre que vitimou 800 mil pessoas naquele ano, exterminando
70% das pessoas da etnia tútsi.
Jaffe,
55, escreveu "O Que os Cegos Estão
Sonhando?" (Companhia das Letras) com sua mãe, uma sobrevivente do
campo de Auschwitz.
"Não acho que é possível comparar graus de
sofrimento, mas li na obra da Scholastique níveis de tortura que nunca
encontrei em nenhum registro sobre o nazismo. Então, as shoás continuam
acontecendo em locais como Ruanda ou, agora, a Síria", disse Jaffe.
As
autoras foram incitadas a refletir sobre Primo Levi (1919-1987), escritor
italiano que foi prisioneiro de Auschwitz e relatou os horrores do Holocausto
em "É Isso um Homem?", obra
que declaradamente influenciou ambas.
Scholastique
afirmou ter compreendido, como Levi, o dever do sobrevivente de testemunhar, de
preservar a memória do genocídio para que ele nunca seja esquecido. "Você pode ser cego mesmo enxergando, mesmo
com os olhos abertos. E eu havia sido salva e tinha de salvar essa memória."
Já
Jaffe explicou que a necessidade e o dever de escrever sobre a guerra são a
mesma coisa. "Além de saber que
tenho uma mãe que passou por tudo aquilo, eu sinto culpa por não ter passado
por aquilo. Uma culpa absurda, mas que existe. Uma vontade de poder ter estado
lá para impedir que acontecesse com ela aquilo que aconteceu", disse,
questionando-se se não teria se tornado escritora justamente para poder "lembrar o que minha mãe precisou esquecer".
"Minha mãe viveu a tragédia e eu vivo o
drama, que fica sempre aquém", disse, emocionada neste e em muitos
outros momentos da conversa.
A
escritora ruandesa explicou que nunca havia sonhado em se tornar escritora.
"Mas o destino fez de mim escritora
pelo dever de memória, porque houve o genocídio."
"Tornei-me escritora para encontrar meios de
dar uma sepultura aos meus mortos. Eu tinha de tirá-los da vala comum e a
solução que se apresentou para mim foi a de construir uma sepultura com as
palavras. Fazer um túmulo de papel e poder assim esperar passar pelo meu luto,
que não é um esquecimento."
A
escritora africana contou que a mãe sempre pediu às cinco filhas que, quando
ela morresse, cobrissem seu corpo com uma mortalha. "Mas eu não estava lá para fazer isso. E foi a escrita que me permitiu
tecer a mortalha para cobrir o corpo de minha mãe. As palavras têm poder de
reparação."
Ela
falou que chama a mãe pelo nome próprio, e não de "mamãe", porque mãe
é um termo universal -mas Stefania era uma só.
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Créditos: Walter Craveiro/ Flip Flickr. |
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