*Por Leonardo Boff
A
primeira invasão, fundacional, ocorreu no século 16 com a colonização
portuguesa. Índios foram subjugados ou eliminados, milhões de escravos foram
trazidos da Africa como carvão para a máquina produtiva.
A
segunda invasão se deu no século 19. Milhares de emigrantes europeus para cá,
aliviando a pressão revolucionária que pesava sobre as classes industriais.
Foram vistos pelos que aqui já estavam como os novos invasores. Seus
descendentes, logo incorporados ao projeto das classes senhoriais, criaram
zonas prósperas, especialmente no Sul.
A
terceira invasão ocorreu nos anos 30 do século passado e foi consolidada nos
anos 60 com a ditadura militar. Introduziu-se uma modernização conservadora
mediante a industrialização de substituição. Ela se deu em estreita associação
com capital transnacional e com as tecnologias importadas. Por ela se firmou a
lógica de nosso desenvolvimento dependente, voltado para fora, produzindo
aquilo que os outros queriam e não aquilo de que o povo precisava. Mas criou-se
um Estado nacional forte, que hegemonizou esse processo.
Em
tensão dialética com este esforço, elaborou-se também um outro projeto
representado pelas massas emergentes da cidade e do campo.Visavam outro tipo de
democracia que devia tornar possível o desenvolvimento com inclusão e justiça
social. Para derrotar esta proposta, as classes proprietárias deram em 1964 um
golpe de classe, utilizando o braço militar. Como consequência, o Brasil
mergulhou decisivamente na lógica excludente do capitalismo transnacionalizado.
A
quarta invasão se deu com a globalização econômica e com o neoliberalismo
político a partir da inovação tecnológica dos anos 70 do século 20 e da
implosão do socialismo, com a consequente homogeneização do espaço
político-econômico, ocupado pelo neoliberalismo. Fomos invadidos pela
racionalidade da globalização econômica e pela política neoliberal do Estado
mínimo e das privatizações.
As
teses neoliberais, no entanto, foram refutadas pela devastadora crise
econômico-financeira de 2008, atingindo o coração do sistema mundial e pondo
todas as economias nacionais em grandes dificuldades. Nós, graças às reformas,
algumas feitas antes mas consolidadas pelo governo Lula/Dilma Rousseff, temos
podido resistir. Estamos conseguindo um fato inédito: manter o nível de emprego
e garantir um crescimento sustentado embora pequeno.
Entretanto,
na nova distribuição internacional de poder, o Brasil e, de resto, a América
Latina estão sendo neocolonizados. Reservam-nos o lugar de exportadores de
matéria-prima e de commodities para o mercado mundial, criando obstáculos à
inovação tecnológica que confere valor agregado aos nossos produtos.
Obrigam-nos a ser a mesa posta para as fomes do mundo inteiro e a permanecer
“deitado eternamente em berço esplêndido”.
A
nova consciência social, no entanto, a partir dos meados do século passado,
conseguiu criar uma vasta rede de movimentos sociais. Ela se afunilou numa
força política com a criação do PT e de outros partidos com raízes populares.
Com a vitória de Lula e depois de Dilma Rousseff se instaurou um outro sujeito
de poder e propiciando o maior evento de inclusão social dos destituídos de
nossa história.
Este
fato cria as bases para relançar a ideia de uma reinvenção do Brasil sobre
outras bases que não são das elites proprietárias. No centro está o povo.
Apesar
de ter sido considerado, tantas vezes, jeca-tatu, carvão para nosso processo
produtivo, joão-ninguém, o povo brasileiro nunca perdeu sua autoestima e o
encantamento do mundo. Talvez seja esta visão encantada do mundo uma das
maiores contribuições que nós, brasileiros, podemos dar à cultura mundial
emergente, tão pouco mágica e tão pouco sensível ao jogo, ao humor e à
convivência dos contrários.
O
antropólogo Roberto da Matta enfatizou o fato de o povo brasileiro ter criado
um patrimônio realmente invejável: “toda essa nossa capacidade de sintetizar,
relacionar, reconciliar, criando com isso zonas e valores ligados à alegria, ao
futuro e à esperança” (Porque o Brasil é Brasil, 1986,121) Alimentamos sempre
um horizonte utópico promissor: viver neste mundo não significa ser
prisioneiros das necessidades, mas ser filhos e filhas da alegria.
*Leonardo Boff é teólogo e escritor.
*Leonardo Boff é teólogo e escritor.
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