Reportagem
de Andrezza Czech, do UOL, em São Paulo, SP, intitulada ‘Para especialistas,
gays e negros sempre se ofenderam com piadas de Didi’, entrevista especialistas
como o professor doutor Dagoberto José Fonseca, chefe do departamento de
Antropologia, Política e Filosofia da Faculdade de Ciências e Letras da Unesp
de Araraquara.
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Professor doutor Dagoberto José Fonseca. |
“Naquela
época, essas classes dos feios, dos negros e dos homossexuais, elas não se
ofendiam”. A declaração, dada pelo humorista Renato Aragão à revista
“Playboy” de janeiro, diz respeito à época de “Os Trapalhões”, programa
veiculado entre 1966 e 1995. Para ele, antigamente, as pessoas sabiam que suas
brincadeiras não eram feitas para atingir ninguém, mas, hoje, esse tipo de
humor é encarado como preconceituoso. Será mesmo que a opinião pública mudou
nos últimos 50 anos?
Para
o professor doutor Dagoberto José Fonseca, chefe do departamento de
Antropologia, Política e Filosofia da Unesp (Universidade Estadual Paulista),
as pessoas sempre reconheceram e lutaram por seus direitos, mas em condições
mais difíceis do que as que encontramos hoje.
“Antes, a maioria da população era de
analfabetos, não se tinha tanta ligação com a escrita, com a mídia. Além disso,
com a Constituição de 1988, passamos a ter uma lei que trata de racismo como
crime inafiançável, o que nos permite lutar com instrumentos legais”,
afirma Fonseca, que já foi coordenador do CLADIN (Centro de Estudos das
Culturas e Línguas Africanas e da Diáspora Negra) da Unesp e do Núcleo Negro da
Unesp para Pesquisa e Extensão.
Na
entrevista à “Playboy”, Renato Aragão afirmou, também, que as piadas que fazia
com seu colega Mussum eram apenas brincadeiras, como se fossem duas crianças, e
que a intenção não era a de ofender ninguém.
No
Facebook, uma jovem negra moradora de Muriaé (a 320 km de Belo Horizonte) foi
vítima de ofensas racistas ao postar a foto abraçada ao namorado. Em um dos comentários,
um internauta escreve: ”Onde comprou essa
escrava?”, para em seguida pedir: ”Me vende ela”. Ela denunciou o caso à
polícia, que deve indiciar os autores por crime de injúria racial, que pena de
até três anos de prisão e multa. ”Não
pode ficar impune. Eu quero que seja descoberto quem foi e que paguem pelo que
fizeram comigo”, disse ao UOL.
Autor
de “Você
Conhece Aquela? – A Piada, o Riso e o Racismo à Brasileira” (Editora
Selo Negro), livro que explica como as piadas sobre negros contribuem para
propagar o racismo, Dagoberto José Fonseca acredita que este tipo de humor não
tem nada de inocente, pois difunde diversas formas de preconceito.
“A piada não é ingênua. Ela tem como objetivo
a ridicularizarão do outro e provoca um processo de maior discriminação na
sociedade”, afirma Fonseca. “É um
mecanismo violento e sofisticado que parte de pessoas cultas, que têm
consciência do que dizem, e que visa uma correção: é o correto fazendo uma
observação sobre o ‘anormal’. É uma tentativa de corrigir aquilo que é
considerado antinatural ou que está fora de seu lugar: o gay, o negro, o gordo…”.
Como
consequência, segundo Fonseca, este tipo de humor propaga o preconceito. Além
disso, ele generaliza e estereotipa povos, raças e classes e impede que as
pessoas possam ser livres como são. “O
gay quando está no armário não é motivo de piada. Mas as pessoas fazem piada
quando ele se assume, porque buscam fazer com que ele volte à invisibilidade.
Este é o mesmo objetivo das piadas racistas, sexistas, classistas e religiosas”,
diz.
Para
Fonseca, se queremos fazer parte de uma sociedade que luta por igualdade e na
qual as pessoas possam se expressar livremente, precisamos repensar este tipo
de humor. “Devemos olhar para esta
questão com responsabilidade. O objetivo não é acabar com o humor, é não
incentivar o humor que humilha, que é uma violência contra o outro”,
afirma.