28 de setembro de 2021

Porta errada

Alexandre Lucas. (FOTO/ Reprodução).

Por Alexandre Lucas, Colunista

A geladeira estava em dia raro, quase sua porta não fecha, entupida. Frutas, doces, uma jarra com suco de limão com leite, água em abundância e um pote de sorvete, tinha também leite condensado, arroz para requentar, carne congelada e um chá de maracujá numa garrafa de vinho.

Enquanto olhava para geladeira aberta, a conta de energia fazia cambalhotas. Os olhos vasculharam aquele retângulo gelado, tentando despistar os pensamentos que nada tinham a ver com a geladeira. 

Uma cadeira foi posta diante da geladeira, a qual ficou aberta por horas, parecia que tudo tinha desaparecido e um filme passava ali por dentro. Descompunha naquele instante a palavra geladeira: gel, gela, ela, ladeira, eira, ira.   

Porta fechada. Afinal, amor não se tira da geladeira.

 

Organizações de esquerda marcam ato em Juazeiro do Norte para 02 de Outubro

(FOTO/ Reprodução/ UP - CE).

As frentes Povo na Rua, Frente pela Democracia, Brasil Popular e Frente Cearense em Defesa do SUS decidiram convocar, em Juazeiro do Norte, um ato de rua para o dia 02 de outubro. As manifestações ocorrerão nacionalmente e, no Cariri, tem como ponto de concentração a Praça da Prefeitura, às 08 da manhã do referido dia na cidade citada.

As frentes, formadas por Unidade Popular pelo Socialismo (UP), Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), Partido Comunista do Brasil (PCdoB), Partido Comunista Brasileiro (PCB), Partido dos Trabalhadores (PT), Levante Popular da Juventude, União Juventude Rebelião, Movimento de Mulheres Olga Benário, Frente de Mulheres do Cariri, Movimento Passe Livre Já, entre outros, pretendem puxar palavras de ordem contra o governo Bolsonaro, tendo foco nas seguintes pautas:

Aceleração do processo de vacinação

Revogação das reformas neoliberais

Defesa do SUS

Diminuição do desemprego e melhoria das condições de vida da população

Instauração do passe livre e criação do Conselho Municipal de Transportes em Juazeiro do Norte.


27 de setembro de 2021

9 trabalhadores são resgatados de condições análogas à escravidão em Granja, no Ceará

 

Trabalhadores dormiam na parte externa do imóvel e conviviam com porcos e fezes de animais(FOTO/Divulgação/Ministério Público do Trabalho (MPT))

Uma operação de combate ao trabalho escravo, do Ministério Público do Trabalho no Ceará (MPT-CE), resultou no resgate de nove trabalhadores que estavam expostos a condições análogas à escravidão no município de Granja, a 332 quilômetros de Fortaleza. Os trabalhadores foram encontrados em uma residência destinada ao processo de extração da palha da carnaúba. A operação contou com apoio da Auditoria Fiscal do Trabalho e da Polícia Rodoviária Federal (PRF).

No local, conforme o MPT, os trabalhadores estavam alojados em uma casa abandonada, sem energia elétrica, água encanada e instalações sanitárias. Além disso, a fiscalização constatou que os empregados conviviam com porcos e fezes de animais, cozinhavam em fogareiro improvisado no chão e recebiam água acondicionada em vasilhames inadequados e com reutilização proibida, além de dormirem na parte externa do imóvel ou embaixo de um cajueiro.

De acordo com o procurador do MPT-CE, Leonardo Holanda, a situação gera uma grande preocupação, visto que o setor [extração da palha da carnaúba] estava em acessão para regularizar as relações de trabalho. “O que encontramos, não somente neste ponto de fiscalização, mas nos demais, foi que o setor recuou no cumprimento da legislação trabalhista e na regularização das relações de trabalho”, disse.

A equipe do MPT também constatou uma série de irregularidades trabalhistas, como ausência de contrato de trabalho e falta de equipamento de proteção. Além disso, os trabalhadores não tinham acesso a banheiros ou materiais de primeiros socorros nas frentes de trabalho. O local onde buscavam água para consumo era distante, cerca de mais de dois quilômetros da residência em que trabalhavam.

Após a inspeção no local e da gravidade do caso, foi realizado o resgate do grupo de trabalhadores e feita a rescisão indireta dos contratos de trabalho, com a retirada imediata do local. Foram realizados os pagamentos das verbas rescisórias e de todos os direitos trabalhistas devidos. O MPT destacou que os trabalhadores resgatados também receberão seguro-desemprego por três meses.

O POVO procurou o Ministério Público do Trabalho (MPT), por e-mail, questionando se, além do pagamento da rescisão de contratos de trabalho, houve atendimento pela assistência social para as vítimas. Bem como se alguma empresa ou responsáveis foram responsabilizados pela situação dos trabalhadores, e aguarda resposta.

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Com informações do O Povo.


26 de setembro de 2021

“Bolsonaro atualizou o afeto racista”, diz Jessé Souza em entrevista à Carta Capital

 

(FOTO/ Ruy Baron/Valor).

O sociólogo, pesquisador e escritor, Jessé Souza, concedeu uma entrevista à Revista Carta Capital e falou sobre seu novo livro “Como o racismo criou o Brasil”. Na conversa, ele contou como vê a situação atual do Brasil. Para Souza, “Bolsonaro atualizou o afeto racista e incorporou o racismo que já existe há mais de cem anos”.

Jessé, que é Professor convidado da Universidade de Sorbonne, na França, e pesquisador sênior da Universidade Humboldt, em Berlim, falou da imagem do brasil no exterior e como Bolsonaro está diretamente ligado a isto: “a imagem do Brasil no exterior é a pior possível, pois ela está ligada a Bolsonaro. É aquela pergunta: que país atrasado pode eleger Bolsonaro à Presidência da República? O que não se percebe é que isso vai se associar a cada brasileiro, assim como Hitler se associava aos alemães e Trump se associava aos norte-americanos”, disse o Professor.

O escritor tem em sua carreira os best-sellers “A guerra contra o Brasil” e “A elite do atraso: Da Escravidão a Bolsonaro”, livro no qual ele faz uma crítica aos grandes empresários, que mantém a economia brasileira e contribuem para a desigualdade, corrupção e estrutura racista. Em 2021, Jessé Souza publicou a obra “Como o racismo criou o Brasil”, nela desdobra as atualizações que o racismo sofreu dentro da sociedade brasileira em 40 anos.

Ele finalizou a entrevista deixando alguns questionamentos sobre a sociedade brasileira e a Operação Lava-Jato: “O que são aqueles jovens que passam 14 horas pedalando numa bicicleta para entregar a pizza quentinha, se não os novos escravos de ganho? A classe média branca e racista nunca se importou com a corrupção. A classe média sai às ruas quando? Quando Getúlio Vargas, João Goulart, Lula e Dilma queriam integrar negros e pobres. É só aí que essas pessoas se incomodam. Quando começam a entrar negros nas universidades. Não tem nada a ver com moralismo. Tem a ver com racismo” concluiu Jessé Souza.

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Com informações do Notícia Preta.

PSOL decide não lançar candidatura à presidência em 2022

 

Juliano Medeiros. (FOTO/ Reprodução).

Neste sábado, 25, o PSOL realizou o seu 7° Congresso Nacional e decidiu que o partido não vai lançar candidatura própria a presidência da República em prol da unidade do campo progressista.

A decisão foi tomada pela maioria dos 402 delegados e delegadas do partido que em comunicado afirmou que “as eleições de 2022 são parte decisiva do processo de superação da extrema-direita. É preciso reunir forças sociais e políticas para, em primeiro lugar derrotar Bolsonaro, e a partir de 2023 lutar pela superação da profunda crise social, política, econômica, sanitária e ambiental que vivemos”.

Com isso, uma clara sinalização de que o PSOL vai apoiar a candidatura do ex-presidente Lula (PT) no próximo ano. É a primeira vez na sua história que o partido abriu mão publicamente de lançar candidatura própria ao Palácio do Planalto.

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Com informações do O Cafezinho.

25 de setembro de 2021

Durban +20: nova declaração reforça visão de mundo sem racismo e discriminação


Documento da Assembleia-Geral marca duas décadas da conferência internacional sobre o tema realizada na África do Sul; debate na ONU focou em indemnização, justiça racial e igualdade; presidente do órgão destaca racismo entre falhas que foram agravadas na pandemia; secretário-geral criticou aumento da intolerância.

A Assembleia Geral das Nações Unidas marcou esta quarta-feira o 20º aniversário da adoção da Declaração e do Programa de Ação de Durban, em uma reunião de alto nível.

No evento, foi adotada uma nova resolução contra racismo, discriminação racial, xenofobia e intolerância correlata. Portugal também coordenou a interação entre os Estados-membros, através do embaixador Francisco Duarte Lopes.

Xenofobia

Quisemos falar com todos, desde o início, precisamente por causa dessa convicção que nos une, a nós e os colegas sul-africanos com quem cofalilitamos esta declaração política e da Organização, ou da preparação das comemorações dos 20 anos. Precisamente porque estávamos e estamos convictos de que tratando-se de um valor central entre os princípios das Nações Unidas, que a todos uniria independente da opinião de cada país sobre o processo de Durban, e independentemente da forma que cada um leva a cabo a luta contra o racismo e a discriminação racial, achamos que era um assunto que a todos unia e deveria continuar a unir.”

A resolução apela aos países para assumirem um compromisso total e intensificarem os esforços para a eliminar todas as formas de racismo e de discriminação racial, xenofobia e intolerância.

A ONU convida as entidades internacionais e regionais, como Parlamentos, sociedade civil, setor privado e academia a se juntarem e continuarem a cooperar com os órgãos de direitos humanos da organização para cumprir esse propósito.

Direitos Humanos

O documento destaca ainda o impacto desproporcional que a Covid-19 teve nas desigualdades nas sociedades. A situação piorou o status de minorias raciais, étnicas e outros grupos.

Entre os mais afetados estão asiáticos e pessoas de ascendência asiática, especialmente mulheres e meninas. Elas foram vítimas de violência racista, ameaças de violência, discriminação e estigmatização.

O debate de chefes de Estado e de governo esteve em volta do tema “Reparações, Justiça Racial e Igualdade para os Afrodescendentes”. Para o secretário-geral António Guterres, a oportunidade é importante para refletir sobre o futuro.

Para ele, quando esta forma de preconceito é estrutural, aliada à injustiça sistemática, acaba por negar os direitos humanos essenciais.

Declaração

O líder das Nações Unidas assinalou que o racismo e a discriminação racial ainda acontecem em instituições, nas estruturas sociais e na vida quotidiana em cada sociedade.

Foi na Conferência Mundial realizada em 2001 que líderes mundiais adotaram, por consenso, uma declaração política. O documento proclamou a “forte determinação em fazer a luta contra o racismo, a discriminação racial, a xenofobia e a intolerância correlata e a proteção das vítimas, uma alta prioridade para os países”.

Guterres indicou que entre os mais afetados estão “africanos e afrodescendentes, comunidades minoritárias, povos indígenas, migrantes, refugiados, pessoas deslocadas e tantos outros que continuam a enfrentar o ódio, a estigmatização”, ou ainda a ser “bodes expiatórios e vítimas da discriminação e violência.”

Afrodescendentes

O secretário-geral disse ainda que o uso da intolerância contra as minorias ou a manifestação de estereótipos antissemitas, discurso anti-muçulmano, odioso e afirmações infundadas denigrem o combate ao racismo.

Analisando o cenário global, Guterres disse que o movimento pela justiça e igualdade racial é um novo despertar. Muitas vezes liderado por mulheres e jovens este tipo de expressão “criou um ímpeto que deve ser aproveitado”.

Já o presidente da Assembleia Geral disse que a pandemia agravou as condições já existentes e expôs várias falhas, incluindo em relação ao racismo. Abdulla Shahid disse haver pessoas marginalizadas e vulneráveis que ficaram ainda mais para trás.

O representante apontou áreas como saúde, educação e segurança, onde essas fraquezas estruturais já existiam e “eram uma receita para o desastre, e onde a Covid-19 piorou a divisão e a injustiça”.

Década Internacional

Entre as lições a serem aprendidas dos afetados pelo racismo, Shahid destacou a consciência global para reconhecer essas falhas e buscar a igualdade racial.

A meta é que a divisão seja ultrapassada e criada resiliência para os que têm sido esquecidos.

INDEPENDENTEMENTE DA FORMA QUE CADA UM LEVA A CABO A LUTA CONTRA O RACISMO E A DISCRIMINAÇÃO RACIAL, ACHAMOS QUE ERA UM ASSUNTO QUE A TODOS UNIA E DEVERIA CONTINUAR A UNIR.

A alta comissária para os Direitos Humanos, Michelle Bachelet, disse que duas décadas depois de Durban as desigualdades e o sofrimento gerados por essas práticas ainda são sentidos.

Bachelet apontou vítimas como “africanos, afrodescendentes, asiáticos, seus descendentes e minorias e vítimas de antissemitismo, indígenas e migrantes” devido às práticas discriminatórias que ainda fazem recuar e prejudicam sociedades.

Combater o racismo

Para a alta comissária, “é vital que o mundo possa ultrapassar as controvérsias e unir-se para combater o racismo e discriminação que esteja relacionada à prática no mundo atual”.

Ela destacou passos já dados que podem fundamentar “uma mudança real” como a proclamação da Década Internacional dos Afrodescendentes, a criação do mecanismo para justiça racial e para fazer cumprir a lei e a operacionalização do Fórum de Afrodescendentes.

Em julho, o Escritório dos Direitos Humanos reforçou a arquitetura contra o racismo.

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Com informações do Geledés.


24 de setembro de 2021

Exposição conta a história de Carolina Maria de Jesus, uma das mais importantes escritoras do país

 

Carolina Maria de Jesus (FOTO/ Acervo IMS).

Mulher, negra, semianalfabeta, catadora de papelão. Poderia ser mais uma história de sofrimento das tantas que o Brasil coleciona, se não fosse a determinação e a ousadia de Carolina Maria de Jesus, uma das mais importantes escritoras do país.

E, pela primeira vez, a vida e a obra dela saíram dos livros e foram parar em uma das principais salas de exposição de São Paulo. A mostra “Carolina Maria de Jesus: um Brasil para os brasileiros” ocupa dois andares do Instituto Moreira Sales, na Avenida Paulista, a partir deste sábado (25).

No processo de pesquisa para montar essa exposição, os curadores foram atrás de manuscritos originais e descobriram um verdadeiro tesouro – a maior parte da obra dela ainda não foi revelada.

Cerca de 80% do material é inédito. “O público vai encontrar uma Carolina escritora, multiartista, que também foi cantora, escritora de contos, crônicas, letras de música, peças de teatro, artista têxtil que confeccionou vestidos e adornos para desfile. Foi uma intérprete do Brasil”, explicou Hélio Menezes, curador da exposição.

Foram quase 6 mil paginas escritas à mão, sendo que muitas ajudaram a embalar o sono de Vera Eunice de Jesus, professora e filha da escritora.

Ali eu ficava a noite inteira, quietinha ali, com aquele barulho da caneta tinteiro, que dá um arrepio. Até hoje eu tenho essa caneta tinteiro na cabeça, mas, ali, eu ficava com ela”, contou Vera ao Bom Dia São Paulo.

A mostra também traz obras de outros artistas, que dialogam com o legado de Carolina, como uma chamada “Meu lindo colar de pérolas”.

Eu tenho que ter muita responsabilidade para representar essa mulher, essa grande mulher, que foi Carolina Maria de Jesus. E eu, como artista, ouvi muito sobre ela, pesquisei muito, e falei: ‘Nossa, ela precisa de um colar, que vai se chamar ‘Meu lindo colar de pérolas””, disse a artista Lídia Lisbôa.

‘Quarto de Despejo’

Neta de escravos e filha de mãe analfabeta, Carolina nasceu em Minas Gerais e, em 1947, veio para São Paulo. Ela foi morar na favela do Canindé, que ficava às margens do Rio Tietê.

Chegou a passar fome e morar na rua. Dessa experiência e de uma profunda capacidade de observação, ela tirou a inspiração para escrever a sua principal obra: “Quarto de Despejo”.

Quando ela recebe o livro ‘Quarto de Despejo’ impresso, ela coloca assim, no alto, eu lembro como se fosse hoje, e ela lê. Eu vi a felicidade no olhar dela – ‘Carolina Maria de Jesus, Quarto de Despejo’. Ela estava muito feliz porque tinha alcançado o objetivo dela”, contou Vera.

O livro já vendeu 3 milhões de cópias e foi traduzido para 16 línguas.

O biógrafo de Carolina, o jornalista Tom Farias, conta que os acadêmicos rejeitaram muita coisa que ela escreveu por causa dos “erros de português”.

Tom Farias defende que o sucesso que os livros dela fazem até hoje no mundo todo comprova a qualidade do material. “A voz do negro no Brasil, desde 1500, quando começaram a vir as primeiras levas de escravizados pra cá, nunca foi ouvida, né, e a Carolina veio no século 1920 pra quebrar esse estigma de que o negro não tem voz”, afirmou.

Já a filha diz que ela escrevia em “pretoguês”. “Nós estamos no século 21, esse livro é da década de 1940, 1937, e os problemas continuam vigentes porque a gente vê todos dias acontecerem essas coisas, essa discriminação, essa violência. Então, eu sempre digo que a Carolina de Jesus é uma escritora atual”, disse Vera.

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Com informações do Geledés.


23 de setembro de 2021

Por que a capoeira é a “arte-mãe” da cultura brasileira e da identidade nacional

 

Negros Lutando, de August Earle (1824), é considerada a primeira referência iconográfica da prática no Brasil.

A capoeira ajudou a moldar o samba e até o futebol do país, defende pesquisador, que chama atenção também para as “dívidas não pagas” para com os povos responsáveis por trazer essa linguagem ao Brasil.

A pergunta que não quer calar é: quando será reconhecido o valor basilar da capoeira para a construção da identidade musical brasileira?

Duas das principais referências que o mundo tem do Brasil são a música e o futebol. Embora pouco se diga, a capoeira está na raiz de ambas. Esse caldeirão cultural fervilhante de ginga e sons espalha-se por todo o planeta, é visível nas ruas, nos shows, nos estádios, mas, mesmo no nosso país, não é completamente compreendido. É uma história complexa, perdida nos escaninhos da tortuosa memória brasileira que por séculos tentou sonegar a devida importância de suas origens básicas africanas ou indígenas, e os reflexos desse conflito identitário permanecem até os dias atuais.

A partir de 1532, milhões de africanos foram arrancados de suas nações e trazidos para o Brasil, dando início ao maior processo de migração forçada da história. Ao longo dos séculos, os escravizados deixaram impressas suas marcas na cultura brasileira. Uma das mais importantes e influentes dessas raízes foi a capoeira.

A origem da palavra é do tupi: ka’a (“mato”) e pûera (“que foi”). Embora seja controvertida a razão da utilização do termo, a tese mais aceita é de que a vegetação derrubada ao redor das fazendas favorecia a fuga dos escravos, pois, se tentassem fugir pela mata fechada, ficariam embrenhados no cipoal. Seja como for, as primeiras referências a uma forma de luta própria dos escravos remontam ao Quilombo de Palmares e vieram dos soldados portugueses (“Dragões”) que relataram, por volta de 1690, ser necessário “mais de um Dragão” para capturar um negro desarmado, pois estes defendiam-se com uma “estranha técnica de esquivas e pontapés”. Por isso o Quilombo de Palmares é apontado como um dos prováveis berços da capoeira, o que é questionável (há sérios estudos que apontam para Sergipe como matriz); mas sabe-se, com certeza, de sua origem no antigo ritual N’Golo, ou “Dança das Zebras”, praticada na África Austral, atual território de Angola, onde os jovens formavam rodas e disputavam um misto de luta e dança com base na observação das disputas das zebras machos pelas fêmeas, com coices e cabeçadas.

As primeiras imagens que se têm, porém, são completamente reveladoras. Em 1824, o inglês August Earle pintou Negros Lutando e, em 1835, o germânico Johann Moritz Rugendas registrou a cena definitiva no quadro Roda de Capoeira, no qual veem-se claramente os rudimentos da técnica da luta e o uso de instrumentos musicais acompanhados de palmas.

As rodas de capoeira eram praticadas com música não apenas por sua origem na antiga dança das zebras. Os donos de escravos permitiam que dançassem para evitar que ficassem deprimidos (banzo), e ali eles aproveitavam para treinar luta. Dentre os toques mais antigos de berimbau há um, por exemplo, chamado “cavalaria” que avisava da aproximação do feitor e outros vigilantes – nesse momento, as mulheres abriam suas saias como asas para impedir a visão do que ocorria e os capoeiristas passavam a dançarinos. Puxavam as mulheres para o centro da roda e seguiam em danças de umbigadas, escapando dos castigos por serem flagrados praticando técnicas de combate.

Foi provavelmente dessas rodas que nasceu o chamado “samba do Recôncavo baiano”. Das percussões e cantorias que acompanhavam a capoeira consolidou-se o principal tronco musical brasileiro, do qual derivaram o samba e o coco. Aliás, a música de capoeira, que os brancos incluíam no que chamavam genericamente de “batuques”, antecede o chorinho em 50 anos e o samba em quase um século.

Não à toa, Vinícius de Moraes cantava que “o samba nasceu lá na Bahia, e se hoje ele é branco na poesia, é negro demais no coração”. Foi ao ter contato com esse universo que ele e o violonista Baden Powell criaram a célebre série dos “afro-sambas”. Mas, muito antes, essa cultura já havia sido transposta para os morros do Rio de Janeiro, em um movimento conhecido como Pequena África. No início do século 19, era prática corrente encontros musicais nas casas das “tias” baianas Yalorixás. A mais conhecida foi Hilária de Almeida, a Tia Ciata, até hoje uma referência sobre o surgimento do maxixe, logo samba. Na casa dela gerou-se o primeiro samba registrado em disco, Pelo Telefone (1917), com autoria assumida por Ernesto dos Santos (Donga), sobre o que ainda restam controvérsias – cogita-se que tenha sido obra coletiva e de “roda”.

Ao largo desse debate autoral, fica evidente a matriz transposta da Bahia para a Pequena África no Rio de Janeiro e da Grande África para o Brasil ao longo de séculos.

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Por Henrique Mann, publicado originalmente na Revista Prosa Verso e Arte