1 de setembro de 2016

Em Jogo de cartas marcadas e o golpe consumado resta à resistência



Estava tudo decidido. O jogo onde o povo não deu as cartas não podia terminar bem. Aliás, o povo pouco sabia do que de fato estava acontecendo, a não ser de fatos e mais fatos que foi narrado pela grande mídia. A exceção aqui é a regra, pois muitos só têm acesso às informações por meio da televisão ou do rádio. Internet ainda é um mundo para poucos e ainda assim os poucos não estão preocupados com os rumos políticos do país. Mais uma vez cabe lembrar que a exceção aqui também é a regra.

Pouco se ouviu comentar nas ruas, nos bares, nos demais ambientes que aglomera várias pessoas acerca do momento político em que o Brasil atravessa. Na internet, meia dúzia de pessoas escrevendo, comentando e compartilhando textos e imagens sobre o cenário desastroso que a nós foi imposto, enquanto outras não estavam nem ai. Platão, um dos filósofos gregos mais conhecidos e estudados já dizia “não há nada de errado com aqueles que não gostam de política, simplesmente serão governados por aqueles que gostam”. Não é que você precisa está constantemente falando de política, especialmente aquela que nos interessa nesse momento – a partidária – mas você enquanto cidadão precisa se interessar por aqueles temas que vai de forma direta e indireta interferir na sua vida e dos que estão ao seu redor. É necessário que tu participes da vida política do teu município, do teu estado e do teu país, pois é dela que vem o sustento teu e da tua família. Nunca é demais lembrar isso.

Mas o que o momento brasileiro pode nos dizer sobre isso? Tudo. Vimos e ouvimos deputados, deputadas, senadores, senadores, a mídia e demais membros da sociedade afirmando que estavam tirando a presidenta de república porque nós - povo - pedimos, clamamos. Não, ao contrário. A grande maioria do povo brasileiro deu a Dilma o poder de dirigir o país. Foram mais de 54 milhões de eleitores que a uma só vez digitaram na urna o direito que a constituição e a democracia lhe deram. Foram esses mesmos eleitores e eleitoras que deram o poder aquele congresso de legislar e fiscalizar as contas da própria presidenta. O povo é consultado e tem o direito de votar para eleger representantes/as, mas é ignorado sobre a possibilidade de tirar ou não um governante. O seu direito acaba quando termina o processo eleitoral. Assim pensam a esmagadora classe política do nosso país e assim agiram com o desastroso impeachment.

Pouco importa se foi seguido o devido caminho. Pouco importa se a defesa da presidenta foi dada a oportunidade de falar. Pois é sabido que a trama já estava armada. Tanto estava que quando em alguns momentos da fala dos agentes da defesa da presidenta o plenário do senado esvaziou-se. Ora, a defesa foi assegurada, mas falar para quem? O princípio constitucional nesse caso foi apenas para cumprir tabela. É como um time de futebol que chega nas últimas rodadas do campeonato sem chances, mas joga para cumprir a regra. A constituição em si não foi obedecida, como alguns pregaram. Ela foi desrespeitada. Mas, como se lá fala do impeachment? Fala, mas este só pode ocorrer se comprovado crime contra a administração pública, crime de responsabilidade fiscal. E nesse caso não houve.

Não é meu objetivo apresentar aqui os argumentos técnicos e jurídicos do afastamento da presidenta Dilma, pois acredito que já repeti muito em outras oportunidades. Tão pouco quero aqui me aventurar mencionado nomes e mais nomes dos autores e atores do golpe. Sim, atores. Porque a novela que eles criaram com narrativas que não refletem a realidade e portando a vontade popular entrará para os livros de história como uma farsa para distrair atenção do eleitorado e construir uma cena política onde eles e elas junto a partes da mídia conservadora possam usufruir do suor de agricultores, agricultoras, negro, negras, indígenas, homossexuais e outros setores marginalizados. Esses grupos sociais serão sem dúvidas os que mais sofrerão com as ações desse governo que ora usurpou sem nenhum pudor o cargo que a ele não foi delegado.

Sempre fui um crítico do governo Dilma. Foi minha candidata no segundo turno e sempre fui admirador das boas ideias das políticas de inclusão social implementada na sua gestão, mas ao mesmo tempo um crítico ferrenho daquelas ações que em nada contribui para desmarginalizar os sempre à margem do poder, mas que tão somente reforçava a política do mais do mesmo. Fui sempre contra a sua falta de ação para realizar as tão sonhadas reformas de base, como a política e a agrária. Mas, nesse caso, eu estou ao lado da justiça. Estou ao lado da democracia e do cumprimento da constituição. Não há terceira via aqui. Há o lado dos querem o bem comum e o lado dos que querem voltar ao poder a qualquer custo, nem que para isso a vontade popular não seja obedecida.

É ora de lastimar mais um golpe no Brasil. Mas é ora também de resistir e não reconhecer esse governo que ai está. É ora de juntarmos forças e irmos à luta. É ora do povo acordar e participar mais da vida política do seu país. Afinal de contas, quem nos representa importa muito.

Conjunto de imagens de atos de resistência ao golpe/divulgação.







Um pouco de História do Movimento Negro



Este texto foi escrito por Milton Barbosa, um dos fundadores do MNU - Movimento Negro Unificado, cuja ação norteou o pensamento dos negros na luta contra o racismo e por seus direitos e que hoje colhem os frutos de todo este trabalho com algumas conquistas obtidas pelo Movimento Negro. É interessante notar que, mesmo escrito em 2005, este é um documento muito atual, que conta parte da nossa História!

Em 18 de junho de 1978, representantes de vários grupos se reuniram, em resposta à discriminação racial sofrida por quatro garotos do time infantil de voleibol do Clube de Regatas Tietê e a prisão, tortura e morte de Robinson Silveira da Luz, trabalhador, pai de família, acusado de roubar frutas numa feira , sendo torturado no 44º Distrito Policial de Guaianases, vindo a falecer em conseqüência das torturas. Representantes de atletas e artistas negros, entidades do movimento negro: Centro de Cultura e Arte Negra – CECAN, Grupo Afro-Latino América, Associação Cultural Brasil Jovem, Instituto Brasileiro de Estudos Africanistas – IBEA e Câmara de Comércio Afro-Brasileiro, representada pelo filho do Deputado Adalberto Camargo, decidiram pela criação de um Movimento Unificado Contra a Discriminação Racial.
Publicado originalmente no sítio Afrodescendentes

O lançamento público aconteceu numa manifestação no dia 7 de julho, do mesmo ano, nas escadarias do Teatro Municipal da Cidade de São Paulo, reunindo duas mil pessoas, segundo o jornal "Folha de São Paulo", em plena Ditadura Militar.

Lançamento Oficial do MNU

Com a criação do Movimento e seu lançamento público, mudamos a forma de enfrentar o racismo e a discriminação racial no país.

Já no dia 7 de julho, participaram entidades do estado do Rio de Janeiro: Instituto de Pesquisa das Culturas Negras – IPCN, Centro de Estudos Brasil África – CEBA, Escola de Samba Quilombos, Renascença Clube, Núcleo Negro Socialista, Olorum Baba Min, Sociedade de Intercâmbio Brasil-África – SINBA.

Cinco entidades da Bahia nos enviaram moções de apoio à manifestação.

Prisioneiros da Casa de Detenção do Carandiru enviaram um documento se integrando ao movimento, denunciando as condições desumanas em que viviam os presos e o racismo do sistema judiciário e do sistema prisional – Centro de Luta Netos de Zumbi.

Participaram do Ato, também, Lélia Gonzales e o professor Abdias do Nascimento.

Para enfrentar o racismo, a discriminação racial, este movimento que se transformou no Movimento Negro Unificado, mudou a forma da população negra lutar, saindo das salas de debates e conferência, atividades lúdicas e esportivas, para ações de confronto aos atos de racismo e discriminação racial, elaborando panfletos e jornais, realizando atos públicos e criando núcleos organizados em associações recreativas, de moradores, categorias de trabalhadores, nas universidades públicas e privadas.

O movimento tirou proveito das divergências conjunturais, mesmo dos setores da burguesia a exemplo dos jornais burgueses como "A Folha de São Paulo" e "O Estado de São Paulo". Articulamos, também, com mídias internacionais favoráveis ao fim da Ditadura Militar e outros setores.

Definimos como princípio a aliança com os setores de esquerda no país que lutavam pelo socialismo e comunismo, pois foi o capitalismo que nos colocou nesta condição, nos seqüestrando em África, nos vendendo para acumular mais valia, nos escravizando para construir riqueza para os colonizadores, nos explorando, após a escravidão, como trabalhadores menos qualificados e de menor remuneração.

Mulheres negras na luta

O negro é um pioneiro em civilização, sendo nos países onde viveu ou vive um criador de cidades, núcleos comerciais, artísticos, sendo que no Brasil realizava desde os trabalhos da lavoura, até os mais sofisticados, como cuidar da mecânica do engenho de açúcar e da saúde do senhor de escravo pelo seu conhecimento milenar de ervas medicinais.

Foram os negros escolhidos para serem escravizados, pela diferença física ao europeu e por seus profundos conhecimentos de agricultura e metalurgia (ferro – cobre – prata – ouro – diamantes).

Em termos culturais, os negros foram pioneiros. No período anterior à abolição da escravatura no Brasil, os negros eram as principais figuras na arte nobre (pintura – escultura – literatura – música – teatro).

Na luta política o negro tem sido pioneiro na figura do Movimento Negro Unificado.

No início da década de oitenta transformamos a ação do Movimento Feminista, introduzindo com Lélia Gonzales, Vera Mara e outras, a questão da mulher negra, que sempre foi trabalhadora neste país.

Também no início da década de oitenta, o MNU – SP em aliança com o Jornal Lampião e o Grupo Somos, realizamos ato público e passeata conjunta contra as ações do Delegado Wilson Richetti, que prendia negros, homossexuais e prostitutas de forma humilhante e desrespeitosa na região chamada Boca do Lixo de São Paulo – Zona de Meretrício e denunciamos o racismo, o machismo, desenvolvendo ações que, sem dúvida, são a base da política de diversidade hoje debatida em todo o país.

MNU é base das conquistas atuais

Através dos congressos da SBPC – Sociedade Brasileira Para o Progresso da Ciência, o MNU denunciou o racismo na Educação, nos meios de comunicação e, no Congresso da Anistia introduzimos a discussão de que os presos comuns também são presos políticos, pois são empurrados para o crime pelas circunstâncias sociais, políticas e econômicas e, denunciamos a tortura nas prisões sobre os chamados presos comuns, base para a criação de uma política de direitos humanos contra a tortura no Brasil.

No início de dos anos 80, MNU – SP garantiu também, pela primeira vez a fala oficial no Brasil da Organização Para Libertação da Palestina – OLP, através de seu representante Farid Sawan, que atualmente representa os Palestinos no Conselho da SEPPIR – Secretaria Especial de Política da Promoção da Igualdade Racial.

Na década de 80, foi o MNU a organização que realizou as maiores e mais importantes manifestações contra o Apartheid na África do Sul, embora não recebêssemos apoio político ou financeiro da Organização das Nações Unidas – ONU. Criamos comitês nas principais estados do país e realizamos manifestações com milhares de pessoas, contribuindo significativamente para a luta dos nossos irmãos da África do Sul e do Zimbabwe.

Em 1986 realizamos a Conferência Nacional do Negro em Brasília – DF, de onde saiu a proposta de criminalização do racismo e a resolução 68 das Disposições Transitórias Constitucionais, sobre a titulação das terras dos remanescentes de quilombos.

Criação da Lei 10.639

No ano de 1988, no VIII Encontro de Negros do Norte - Nordeste, organizado pelo MNU da região, foram definidas questões que balizaram a atual lei l0.639, que dispõe sobre o ensino da História da África e do negro no Brasil, a orientação educacional que permeou a criação, com certeza do Centro de Educação Unificada – CEU, escola integral, com cultura, arte, lazer (cinema – teatro – sala de música - quadras esportivas), bibliotecas, material escolar gratuito, alimentação e assistência médica,no governo Marta Suplicy na Cidade de São Paulo.

O estado, os partidos políticos, movimentos sindical e popular, tentam separar as conquistas da população negra do movimento negro, carro chefe da nossa luta.O estado e os partidos políticos buscam dominar e manipular nossa população. Os movimentos por equívocos e por terem o racismo introjetado em suas mentes, ações e concepções.

Na revista "O Negro", em 1992, Margarida Barbosa – enfermeira do Hospital das Clínicas da Unicamp – Universidade de Campinas, militante do MNU, atualmente diretora do Sindicato dos Trabalhadores da Unicamp- escrevia sobre a Anemia Falciforme, doença que proporcionalmente atinge mais aos negros, orientando a sociedade e cobrando, a quem de direito, a exigência de políticas públicas referentes a este tipo de doença , pois além desta anemia, há diabetes, hipertensão e outras doenças que proporcionalmente vitimam mais aos negros.

Marcha e homenagem ao Herói Zumbi

O MNU, fortalecendo a proposta do início da década de 70, do Grupo Palmares de Porto Alegre, decidiu na Assembleia Nacional do MNU, em Salvador – BA, no dia 4 de novembro de l978, transformar o 20 de Novembro , no DIA NACIONAL DA CONSCIÊNCIA NEGRA, data da morte de Zumbi , um dos principais comandantes do Quilombo dos Palmares, um exemplo de luta e dignidade para os negros e todos os brasileiros.

No ano de l988, realizamos importantes manifestações no mês de maio contra a Farsa da Abolição, na cidade do Rio de Janeiro, São Paulo, Salvador e outras. Em 20 de novembro de l995, realizamos a Marcha do Tricentenário da Imortalidade de Zumbi , a Marcha Zumbi dos Palmares, Contra o Racismo, Pela Igualdade e a Vida, em Brasília – DF, com a participação de mais de 30.000 pessoas.

Em São Paulo, no início de novembro de 95, realizamos uma grande manifestação com mais de 800 pessoas, no Consulado Americano contra a Pena de Morte e Pela Libertação de Múmia Abu Jamal, antigo dirigente do Partido dos Panteras Negras, preso e condenado à morte injustamente numa farsa reconhecida internacionalmente. Múmia Abu Jamal, como Nelson Mandela, é um exemplo para a humanidade, na luta contra o racismo, pela liberdade e a vida, um campeão de direitos humanos. O MNU, tem colaborado com campanhas internacionais pela defesa de sua vida e pela sua libertação.

MNU e remanescentes de quilombos

Os remanescentes de quilombos com a participação do MNU, realizaram o I Encontro Nacional dos Remanescentes de Quilombos, em novembro de 95, fortalecendo a relação do movimento negro urbano com a área rural, dando uma nova qualidade ao movimento negro do Brasil. Esta intervenção do MNU junto aos remanescentes de quilombos, teve início em 1980 através do MNU-SP no Cafundó, região de Sorocaba, tendo também, o MNU atuado a partir de meados de 80 junto aos Calungas, em Goiás e, o MNU-BA no início da década de 90, na região do Rio das Râs.O MNU atua junto a quilombos em Pernambuco, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Rio Grande do Sul, Paraná e Maranhão.

A partir do final dos anos 70, elaboramos o conceito Raça e Classe, desenvolvendo uma teoria política para garantir as ações práticas. Há um leque de propostas que estamos propondo aprofundar num Congresso do Negro Brasileiro em novembro de 2006.
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Hoje a direita busca golpear com violência a esquerda no Brasil, se aproveitando de erros de concepção desenvolvido por setores oportunistas e aparelhistas do campo majoritário do Partido dos Trabalhadores, que se aliaram com forças retrógradas da sociedade brasileira para buscar garantir seus projetos imediatistas, tentando aparelhar o estado brasileiro, como já haviam feito com setores importantes do movimento sindical.

MNU e Política Partidária

Este mesmo campo político, supostamente de esquerda, tem como prática cooptar quadros dos movimentos, tenta esvaziar os movimentos sociais, isolar setores que lhes são críticos, implantando uma política de subserviência e compadrio.

Estão sendo atacados pelos grandes capitalistas, que são os verdadeiros donos da privatização do estado, como se o PT, estivesse inventando a corrupção na máquina do estado e no parlamento burguês, majoritariamente composto por verdadeiros bandidos, ladrões inveterados, que usam todos os métodos para garantir a exploração da grande maioria da população.

Não podemos cair no canto da sereia. Temos que novamente cumprir nosso papel de vanguarda da luta da população negra e pobre e, desmascarar es ta farsa.

Ao mesmo tempo devemos estabelecer uma nova relação com os setores de esquerda, que em sua maioria tentam nos usar, querendo nos impor de forma colonialista seus programas nascidos e desenvolvidos no coração da Europa.

O conhecimento é universal e, os brancos, que tem sua matriz na Europa, mentem na história. Não existe cultura ou raça superior.

Esta é a nossa principal luta. Construir não apenas um programa partidário, ou de nação, mas construir um novo processo civilizatório..

O tigre não precisa dizer que é Tigre

Setores de direita do movimento negro, composta em sua maioria por ONGS, algumas inclusive, que se beneficiavam da proximidade com o Governo Lula e, hoje, diante do forte ataque ao governo em questão, já se sentem seguras para anunciar desde já a p ossível aliança com um suposto novo governo a ser eleito, um governo tucano e, tentam usar a população negra escorados em financiamentos vindos particularmente da Fundação Ford, e se arvoram de movimento negro autônomo e independente e, convocam uma marcha para dia diferente da data convocada pelos movimentos nacionais e outras entidades, com história comprovada na luta do negro.

Em São Paulo, fazem reuniões convocadas pelo Conselho de Participação e Desenvolvimento da Comunidade Negra e tem como principal articulador o Secretário da Justiça, Hédio Silva Júnior indicado pelo Partido da Frente Liberal e incluído na equipe de secretário de Geraldo Alckmin num verdadeiro golpe de mestre.

O que temos a dizer a estes grupos e pessoas do movimento negro. a direita do movimento, é que o TIGRE NÃO PRECISA DIZER QUE É TIGRE. Somos independente pela nossa trajetória, pelas conquistas ao longo da história e por não abrirmos mão de forma alguma dos nossos princípios e, dia 22 de novembro estaremos mostrando mais uma vez como se combate o racismo e, como se caminha para a construção de uma sociedade sem racismo, enfrentando os racistas e juntando todos aqueles que se propõem a construir uma nova sociedade, sem explorador e explorados, sem racismo, machismo e outras formas de dominação.

Painel com algumas personalidades do Movimento Negro no Cariri. Da esquerda para a direita - Verônica Neves, Francisco Roserlândio, Karla Alves, Nicolau Neto, Valéria Carvalho, Dayze Vidal e Maria Eliana. 



Pós GOLPE PARLAMENTAR, Dilma fala ao povo brasileiro. Confira o pronunciamento na íntegra



A presidenta Dilma Rousseff afirmou nesta quarta-feira (31), em pronunciamento à imprensa e à Nação, que irá recorrer em todas as instâncias contra a fraude do impeachment sem crime de responsabilidade, aprovado pelo Sendo Federal.
Publicado originalmente no seu portal

De acordo com Dilma, trata-se de uma inequívoca eleição indireta, em que “XX senadores substituem a vontade expressa por 54,5 milhões de votos”. A presidenta disse ainda que a os senadores que aprovaram o impeachment rasgaram a Constituição Federal.


Decidiram pela interrupção do mandato de uma presidenta que não cometeu crime de responsabilidade. Condenaram uma inocente e consumaram um golpe parlamentar,” disse.

A interrupção do projeto nacional progressista, inclusivo e democrático que representa não será definitiva, garantiu Dilma. “Nós voltaremos. Voltaremos para continuar nossa jornada rumo a um Brasil em que o povo é soberano.”

A união do campo progressista é sugerida pela presidenta: “espero que saibamos nos unir em defesa de causas comuns a todos os progressistas, independentemente de filiação partidária ou posição política.”


 “Proponho que lutemos, todos juntos, contra o retrocesso, contra a agenda conservadora, contra a extinção de direitos, pela soberania nacional e pelo restabelecimento pleno da democracia.”


Confira a íntegra do pronunciamento:







31 de agosto de 2016

Globo comemora resultado do impeachment e apaga postagem



Um vídeo antigo no youtube fazia uma memória das posições da igreja diante diversos absurdos históricos. O vídeo terminava justamente perguntando quanto tempo a igreja católica demoraria a pedir desculpas pelas vítimas da AIDS — numa alusão à proibição do uso de preservativos.

O Brasil assistiu a diversos editoriais — inclusive na rede Globo — que pediram desculpas ao país pelo apoio à ditadura militar. A folha de São Paulo — assim mesmo, com minúsculas — pediu desculpas e depois escancarou "ditabranda" em suas páginas. Depois, novo pedido de desculpas.

Em meio ao processo de impeachment, a mesma folha, bem como diversos outros veículos de comunicação, aceitaram, em suas páginas na internet e nos impressos, o dinheiro da FIESP, ao estampar gigantescos patos amarelos — aquele pato, roubado de um holandês — em meio ao noticiário que — eles — dizem ser imparciais.

Enquanto isso, nas ruas, um fotógrafo perde um olho devido a um tiro de bala de borracha da PM paulistana. E é condenado por isso — o termo jurídico não é condenado, o termo correto, sim. A mesma folha, ao ter uma fotógrafa atingida fez editoral considerando abusiva a postura da polícia de Alckmin.

A mesma polícia que ontem (30 de julho de 2016) protegia com escudos e bombas e balas e porretes, a sede do outrora "Folha da Manhã".

O Estadão, imparcial que só ele, foi além. Em editorial publicado hoje "O fim do torpor" afirma que a "a consciência crítica da nação ficou anestesiada" durante os anos de governo do PT. Nem Magno Malta, senador da mais bizarra oposição ao governo — capaz de citar os 10 mandamentos se preciso for, para promulgar uma lei — foi tão longe. Ontem, em seu pronunciamento dizia que o país melhorou muito nos anos de Lula e Dilma, que só um imbecil não via isso, ainda que atribuísse os ganhos sociais ao PSDB. #FicaADica para o jornal.

Pois hoje o jornal O Globo — ou seu estagiário — momentos após o resultado da votação do impeachment — que é golpe — tuitou uma singela bandeira do Brasil. Discreto, mas bastante simbólico da luta de classes que está colocada no país. Os "brasileiros" — que apoiam e já começaram (ontem mesmo, na Câmara dos Deputados) a venda da maior estatal nacional — contra os bolivarianos, comunistas, petralhas do Foro de São Paulo.

O processo iniciado com a chantagem de Cunha teve e terá sempre o apoio das organizações de mídia. Não apenas pelo dinheiro que será injetado em propagandas, mas também com o final da CLT, uma das maiores preocupações das grandes empresas, sobretudo as jornalísticas, onde repórteres e fotógrafos não têm direitos, são todos "pessoas jurídicas", porque o anúncio que paga o dono do jornal, não comporta — em seu lucro — os direitos de quem propaga ao público deturpações da realidade nacional.

E nessa toada seguimos, nós da mídia independente, cada vez mais criminalizados, cada vez mais marginalizados e cada vez com mais credibilidade, alcance e importância.

Porque informação não tem preço. Produto sim.

Quanto tempo a mídia nacional vai demorar a pedir desculpas desta vez?


Impeachment: assalto a vontade soberana popular é confirmada por 61 votos



Por 61 a 20, o plenário do Senado acaba de decidir pelo impeachment de Dilma Rousseff. Não houve abstenção. A posse de Temer ocorrerá ainda hoje (31).

O resultado foi comemorado com aplausos por aliados do presidente interino Michel Temer, que cantaram o Hino Nacional. O resultado foi proclamado pelo presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Ricardo Lewandowski, que comandou o julgamento do processo no Senado, iniciado na última quinta-feira (25). 
Publicado originalmente na Agência Brasil

Agora, os senadores irão decidir se Dilma perde os direitos políticos por oito anos.

Fernando Collor, primeiro presidente eleito por voto direto após a ditadura militar, foi o primeiro chefe de governo brasileiro afastado do poder em um processo de impeachment, em 1992. Com Dilma Rousseff, é a segunda vez que um presidente perde o mandato no mesmo tipo de processo.

Dilma fará uma declaração à imprensa. Senadores aliados da petista estão se dirigindo ao Palácio da Alvorada para acompanhar o pronunciamento de Dilma.

Julgamento

A fase final de julgamento começou na última quinta-feira (25) e se arrastou até hoje com a manifestação da própria representada, além da fala de senadores, testemunhas e dos advogados das duas partes. Nesse último dia, o ministro Ricardo Lewandowski leu um relatório resumido elencando provas e os principais argumentos apresentados ao longo do processo pela acusação e defesa. Quatro senadores escolhidos por cada um dos lados – Vanessa Grazziotin (PCdoB-AM) e Randolfe Rodrigues (Rede-AP), pela defesa, e Ronaldo Caiado (DEM-GO) e Ana Amélia (PP-RS), pela acusação – encaminharam a votação que ocorreu de forma nominal, em painel eletrônico.

Histórico

O processo de impeachment começou a tramitar no início de dezembro de 2015, quando o então presidente da Câmara dos Deputados e um dos maiores adversários políticos de Dilma, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), aceitou a peça apresentada pelos advogados Miguel Reale Jr., Janaína Paschoal e Hélio Bicudo.

No pedido, os três autores acusaram Dilma de ter cometido crime de responsabilidade fiscal e elencaram fatos de anos anteriores, mas o processo teve andamento apenas com as denúncias relativas a 2015. Na Câmara, a admissibilidade do processo foi aprovada em abril e enviado ao Senado, onde foi analisada por uma comissão especia, onde foi aprovado relatório do senador Antonio Anastasia (PMDB-MG) a favor do afastamento definitivo da presidenta.

Entre as acusações as quais Dilma foi julgada estavam a edição de três decretos de crédito suplementares sem a autorização do Legislativo e em desacordo com a meta fiscal que vigorava na época, e as operações que ficaram conhecidas como pedaladas fiscais, que tratavam-se de atrasos no repasse de recursos do Tesouro aos bancos públicos responsáveis pelo pagamento de benefícios sociais, como o Plano Safra.


31 de agosto de 2016: o dia do GOLPE


Neste 31 de agosto de 16 o Brasil viverá o velório de mais um dos seus períodos democráticos. Não é novidade por aqui que a história se realize de golpes em golpes. A Independência de Portugal já foi uma farsa de um auto-golpe, dado pelo filho de um império que recebeu vultuosa quantia para "aceitar" o golpe. Outras tantos viriam depois, alguns celebrados outros nem tanto.

Publicado originalmente no Brasil 247

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Cada golpe vai entrando para a história de um jeito. Em geral, o que os define são as suas características menos sutis.

O golpe 16 já começou a ter a sua história contada. E com exceção da mídia local, já começa a ser tratado no mundo e pelos veículos independentes do Brasil como aquele em que uma presidente honesta foi condenada por um bando.

Por uma corja de corruptos que temia ser presa e que, nas palavras do senador Romero Jucá, um dos que articula a deposição de Dilma e que irá julgar a presidenta hoje, precisava se concretizar para "estancar a sangria". Ou seja, acabar com a Operação Lava Jato.

O golpe 16 também será contado como aquele que se realizou porque após uma disputa eleitoral dura em 14, a elite não aceitou a derrota. E preferiu apostar todas as suas fichas na desestabilização do governo do que esperar 2018. Por calcular que a economia poderia melhorar lá na frente e Lula vir a vencer mais uma eleição.

O golpe 16 ainda tende a ser lembrado como aquele que levou o Brasil a entregar o Pré-Sal, a privatizar empresas estratégicas, a mudar sua lei trabalhista, a fazer a reforma mais dura da Previdência e a criminalizar os movimentos sociais como nas mais retintas ditaduras.

Não será um tempo bom o que virá. Muito pelo contrário. Mas ainda não é possível saber quanto esse tempo durará.

Pode ser bem menos do que o mais otimista dos defensores de Dilma imagine neste momento. Até porque a história se move hoje em velocidade de milhões de bytes. E não mais nem na dinâmica da carroça ou na do relógio de pulso.

E se o poder tem o controle digital das nossas vidas, o contrapoder também se articula em potentes sub-redes de milhões de pontos distribuídos. E pode transformar o que parece desorganização numa imensa tsunami de resistência.

É ainda cedo, muito cedo, para prognósticos.

Mas a narrativa da injustiça contra Dilma já parece se consolidar numa velocidade pouco previsível. E as palavras canalhas e golpistas também parecem se tornar indissociáveis dos seus algozes.

O tempo, senhor da razão, não perdoa.

Ele passa como uma avalanche pelas nossas vidas, marca nossos rostos, mãos, temperamentos e biografias. Ele conhece cada um dos nossos acertos e erros. E nos impõe vitórias e derrotas diárias.

Dilma não tem como vencer a disputa de hoje no Senado. Ela sofrerá o impeachment. Mas isso talvez faça parte da história épica de sua vida. Que nunca foi lírica. E sua passagem pela presidência, olhando para o tempo, não poderia ser diferente.

Ao fim, como nos clássicos épicos, Dilma terá o destino pelo qual lutou reconhecido. E seus algozes de hoje cairão um a um. ´

Se uma certeza parece aflorar deste julgamento é que o deputados e senadores que estão caçando Dilma não resistirão às marcas que o tempo lhes imprimirá. Eles já estão em processo histórico de condenação e humilhação moral. E talvez em quantidade de meses muito pequena, quando ouvirem canalhas, agradecerão. Será quase um elogio perto do que virá.


30 de agosto de 2016

A cordialidade violenta na fala de Eduardo Paes com mulher negra: "vai trepar muito no quartinho"


Na última sexta feira 26, circulou pela internet um vídeo com o prefeito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes (PMDB-RJ), fazendo uma entrega de imóveis. Sem data e local não identificados, Paes faz piadas de cunho sexual, ofendendo uma mulher negra visivelmente incomodada com a situação. Ao ser chamada para receber as chaves do imóvel, o prefeito carioca e a mulher entram na casa.

Ao chegarem no quarto, Paes diz: “Vai trepar muito aqui nesse quartinho”. Não satisfeito, pergunta se a moça é casada e emenda: “Vai trazer muito namorado pra cá. Rita faz muito sexo aqui”. Como se a humilhação não fosse suficiente, Paes, do lado de fora, grita para os vizinhos da moça que acompanhavam a entrega. “Ela disse que vai fazer muito canguru perneta aqui. Tá liberado, hein. A senha primeiro”. Visivelmente envergonhada, a moça se afasta e diz que vai trancar a porta de casa.
Publicado originalmente na Carta Capital

Esse comportamento de Paes diz muito sobre o discurso autorizado e como o político se sente confortável em reduzir um ser humano ao seu corpo. Mulheres negras são sexualizadas e tratadas como objetos sexuais numa sociedade racista e machista como a brasileira. Desde o período colonial, as mulheres negras eram estupradas e violentadas sistematicamente deflagrando uma relação direta entre colonização e cultura do estupro.

Mulher negra não é humana, é a "quente", a "lasciva", "a que só serve pra sexo e não se apresenta à família”. O grupo de mulheres que mais são estupradas no Brasil porque essas construções sobre seus corpos servem para justificar a violência que sofrem. "Qual o problema em passar a mão? Elas gostam".

Qual o problema em humilhá-la dizendo "Vai trepar muito aqui nesse quartinho " e gritar para o público "ela disse que vai fazer muito canguru perneta", quando a mulher se tranca com aquele olhar de só quem passa por isso sabe?
O Brasil é o país da cordialidade violenta, onde homens brancos se sentem autorizados a aviltar uma mulher negra e depois dizer que foi só uma brincadeira. Ou se esconder na pecha de “carioca é desbocado”. O País, último do mundo a abolir a escravidão, mas que se a população negra denuncia o racismo é chamada de violenta. É necessário definir violência aqui. O país onde todos adoram samba e carnaval, mas onde se mata mais negros no mundo. Que se louva a miscigenação, mas não se fala que ela surgiu como fruto de estupros. O brasileiro não é cordial. O brasileiro é racista.

A atitude de Paes não é algo isolado, é tão somente o modo pelo qual essa sociedade vem historicamente tratando as vidas negras: com desprezo e desumanidade. Mulheres negras são pessoas, sujeitos, e reduzir um ser humano a um objeto é retirar sua humanidade. Uma mulher branca de classe média seria tratada da mesma forma? Fora que o fato do prefeito se referir ao quarto da moça como “quartinho” também mostra o racismo institucionalizado.

Imóveis para pessoas de baixa renda comumente são bem pequenos. É como se dissessem “pra quem não tinha nada está bom”, sem mencionar que essas pessoas não têm nada justamente porque o Estado é omisso em relação a elas. Só deixam explícito que a população pobre merece migalhas e não dignidade.

Inadmissível o modo pelo qual essa mulher foi tratada. Um jornal de grande circulação definiu a atitude de Paes como “gafe”. Gafe seria se ele tivesse quebrado um vaso ou tropeçado no seu assessor depois de errar o nome de alguém. O que o prefeito fez tem nome: racismo. Paes cumpre à risca seu papel ridículo e violento de herdeiro da Casa Grande.


A atitude de Paes não é algo isolado, é tão somente o modo pelo qual essa sociedade vem historicamente tratando as vidas negras: com desprezo e desumanidade.

De defensor da educação a traidor do povo brasileiro. Esse é Cristovam Buarque



Este é o segundo artigo, de uma série de três, com o objetivo de contestar os argumentos do senador Cristovam Buarque (PPS-DF) em defesa do impeachment. Os artigos têm como base a entrevista de Cristovam publicada no Jornal Correio Braziliense no último dia 11 de agosto.

Na entrevista, Cristovam justifica o apoio ao impeachment de Dilma, dizendo que o processo não representa um golpe, pois "... não viu nenhum tanque nas ruas, não viu o fechamento do Congresso, ninguém ser exilado...". Finge ignorar que as instituições democráticas brasileiras foram capturadas por uma coalizão conservadora que não engoliu as quatro derrotas consecutivas nas últimas eleições.

Publicado originalmente no Brasil 247

Convenhamos que para alguém que se diz um educador, membro da "intelligentsia" brasileira e que já foi reitor da Universidade de Brasília, se prender a uma interpretação literal, caricata e tão reducionista de um golpe, é puro cinismo ou má-fé.

O senador argumenta que é necessário virar a página do governo Dilma, que isso seria bom, inclusive, para a presidenta afastada. E vai adiante ao considerar que "Dilma deve ter com todo o sentimento histórico que ela tem, ficar na biografia da guerrilheira heroica e presidente de Estado destituída do que de guerrilheira heroica e presidente fracassada". O senador chega a comparar o eventual fracasso do retorno de Dilma ao governo, ao de João Goulart, que, embora golpeado pelos militares, entrou para a história como um fracassado "querido, respeitado e admirado".

Cristovam tem a ousadia e a arrogância de dizer que vota no impeachment em nome da biografia de Dilma Rousseff, que com esse gesto altruísta estaria fazendo um bem para Dilma e para o Brasil, insinuando que não seria mal negócio para a presidenta privilegiar sua trajetória pessoal em detrimento da democracia.

Quem conhece a trajetória da presidenta Dilma sabe que ela jamais abriria mão da luta democrática, jamais mancharia sua história pessoal, colocando sua biografia acima dos interesses do povo brasileiro e dos valores democráticos.

Estamos falando da primeira mulher presidenta da República, que traz na pele e na alma as marcas de quem enfrentou de forma altiva e corajosa as salas escuras da tortura. De uma mulher que não se curvou diante de uma ditadura que maculou, por 21 anos, a história brasileira.

Essa mesma mulher guerreira e honrada que enfrentou os tanques, as botas e baionetas, enfrenta, agora, com a mesma força e coragem, um golpe parlamentar disfarçado de impeachment, capitaneado por parlamentares corruptos.

De forma absolutamente equivocada, Cristovam acha que pode medir Dilma pela sua própria régua. Mas não pode. Primeiro, porque Dilma não estava num exílio dourado na Europa nos anos mais sombrios do regime militar. Ao contrário, ela dedicou os melhores anos de sua juventude para enfrentar uma ditadura cruel e sangrenta, que penalizava com prisão, tortura e morte aqueles que ousavam lutar por democracia. Segundo, porque Dilma jamais trocaria sua biografia por meros interesses individuais de ocasião.

Portanto, ao invés de se preocupar com a biografia que Dilma deixará para as futuras gerações, Cristovam deveria se preocupar com a sua própria biografia. Ao defender de forma tão cínica a quebra da legalidade democrática, o senador reserva o seu lugar na galeria dos golpistas, que, movidos por interesses escusos, passarão para a história como traidores povo brasileiro.

Cabe ainda perguntar qual o sentido de fracasso para Cristovam? Em que aspectos o senador considera o governo Dilma fracassado?

Parece que Cristovam esqueceu por completo a memória de Darcy Ribeiro, quando este último afirmou: "Fracassei em tudo o que tentei na vida. Mas os fracassos são minhas vitórias. Eu detestaria estar no lugar de quem me venceu". Cristovam que noutras épocas já perfilou ombro a ombro com os "fracassados", hoje, prefere estar ao lado dos "vencedores". Uma lástima!

O senador se equivoca também ao dizer que está "convencido de que o PT deseja o impeachment de Dilma" com o intuito de se beneficiar com a narrativa do golpe. Apesar de ter sido filiado ao PT, partido ao qual deve as eleições para o governo do Distrito Federal e para o Senado, demonstra, com essa afirmação, que desconhece o partido. O PT nasceu enfrentando a ditadura, tem em sua gênese a luta pela liberdade democrática, uma trajetória que se confunde com a história recente das conquistas de direitos sociais e trabalhistas. Portanto, não negociaria a democracia em nome de interesses meramente eleitorais.

Cristovam tem adotado a estratégia de dar sinais trocados. Reconhece que sua opção pelo golpe é extremamente desconfortável. De um lado, não garante assento entre os conservadores de plantão. Do outro, trai covardemente o voto de confiança que lhe foi concedido por parte de seus eleitores e aliados históricos.

Por isso, em um dado momento da entrevista, manifesta preocupação em relação aos desdobramentos do golpe para a disputa presidencial de 2018. Diz que acha possível uma ruptura, só que a coisa nova pode ser ainda pior que a atual.

"Pode surgir um milagreiro... tem cretinos por aí que querem aproveitar e entrar. Tem gente que defende a tortura, tem gente que defende proibir partidos na escola, tem uma direita que pode ser muito pior do que o que está aí".

No entanto, o senador desconsidera que ao pactuar com o golpismo está abraçando aqueles que ele chama de cretinos. Desconsidera que, ao embarcar na aventura golpista, dá as mãos a figuras como Eduardo Cunha, grande líder dos conservadores, dos defensores da tortura, do Programa Escola Sem Partido. O fundamentalismo religioso, patrimonialista e punitivista, articulado por Cunha na Câmara, está na genealogia desse golpe. Ao votar favoravelmente ao impeachment, o senador confere mais poder político aos que ele classifica como cretinos.

O senador finge ignorar, ainda, que caso Dilma seja definitivamente afastada não assume o novo. Ao contrário, assume a velha e enxovalhada forma de fazer política das elites que sempre governaram este País, que busca a todo custo manter o status quo, os privilégios de uma minoria em detrimento da democracia, "mãe" de todos os direitos.

Estamos falando de um pacto das elites, urdido no subterrâneo da legalidade democrática, que objetiva, entre outras coisas, livrar corruptos da justiça, se apoderar do Estado para saquear os recursos públicos, promover o desmonte dos direitos sociais e trabalhistas, atacar a soberania nacional e submeter o Brasil aos ditames do deus mercado e aos interesses especulativos de banqueiros e rentistas.

Por isso mesmo, não deixa de causar alguma surpresa o adesismo de Cristovam ao golpe. Como alguém que tem a pretensão de ser reconhecido no Brasil e no mundo como um defensor da educação – pode votar a favor de um impeachment absolutamente ilegal e ilegítimo, que visa à destituição de uma presidenta eleita democraticamente pelos votos de 54 milhões de brasileiros, para colocar no poder um governo que, sob o discurso retórico de promover o ajuste fiscal, tem como principal objetivo a supressão de direitos da população brasileira; cassar direitos dos trabalhadores, substituindo o legislado pelo negociado; entregar o petróleo - incluindo o pré-sal - e outras riquezas nacionais ao capital estrangeiro; a demissão de servidores e a terceirização dos serviços públicos; acabar com o SUS, com as universidades públicas e com outros programas de acesso à educação; a privatização das empresas estatais; a supressão dos programas sociais de redução da pobreza e de combate à exclusão social; entre tantas outras propostas de retrocesso social e de desmonte do Estado? Trata-se do retorno da velha cantilena neoliberal, do imperativo de precarizar para privatizar.

Não à toa, a principal matéria do governo golpista enviada ao Congresso Nacional é a PEC 241/2016 que pretende instituir um "novo" Regime Fiscal para a União. A proposta congela, por 20 anos, investimentos em políticas públicas fundamentais como saúde e educação. Para que se tenha uma idéia do que essa proposta significa, basta dizer que, segundo estimativas preliminares de especialistas em políticas sociais e de entidades representativas de gestores governamentais, se a PEC for aprovada neste ano, no período de 2017-2025, haverá uma redução, de mais de R$ 300,0 bilhões nos recursos públicos federais destinados apenas às áreas da Educação, Saúde e Assistência Social, na proporção de 17%, 47% e 36%, respectivamente.

Ao propor essa PEC, o governo golpista assume que, além de rasgar a Constituição, irá rasgar também o Plano Nacional de Educação (PNE). Isso porque, o congelamento de recursos para o setor significa inviabilizar o cumprimento das metas e estratégias definidas no Plano.

Metas que envolvem números grandiosos, a exemplo, da criação de 3,4 milhões de matrículas em creches, 700 mil na pré-escola, 500 mil no Ensino Fundamental, 1,6 milhão no Ensino Médio e cerca de 2 milhões no Ensino Superior público. Ou seja, ao propor a drástica redução das despesas da União na área da educação, para citar apenas um exemplo, o governo golpista assume que não irá cumprir a Lei.

Diante do exposto, fica, pois, a dúvida: qual será a nova bandeira a ser empunhada pelo senador Cristovam em sua vida pública, pois será impossível votar a favor do golpe e ao mesmo tempo querer assumir o discurso de defensor da educação.