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A verdade enjaulada


A mais brutal de todas as violências é, sem dúvida, a violência da inexistência. Esta é uma forma muito pior de extermínio, pois não se trata apenas da eliminação física. Ela é uma eliminação simbólica, desta que afirma que nada existiu, que a violência não deixou traços e indignação. Neste exato momento, o Brasil é vítima, mais uma vez, dessa forma mais brutal de violência.

Imagem puramente ilustrativa.
Talvez ninguém esperasse que, em 2014, 50 anos após o golpe militar, estaríamos em um embate para saber se, no fim das contas, existiu ou não uma ditadura no País, com todas as suas letras. Era de se esperar que neste momento histórico estivéssemos a ler cartas abertas das Forças Armadas com pedidos de perdão por terem protagonizado um dos momentos mais infames da história brasileira, cartas de desculpas de grupos empresariais que financiaram fartamente casas de torturas e operações de crimes contra a humanidade. Todos esses atores não se veem, no entanto, obrigados a um mínimo mea-culpa.

Há de se perguntar como chegamos a esse ponto. Uma resposta-padrão consiste em dizer que os setores progressistas da sociedade brasileira não tiveram força suficiente para impor aos governos exigências de dever de memória e justiça de transição. A história brasileira recente é, em larga medida, uma história de transformações abortadas.

Já a luta pela anistia foi abortada quando o regime militar conseguiu impor sua própria lei da anistia, que livrava os funcionários de Estado responsáveis por crimes contra a humanidade, isso enquanto ainda deixava na cadeia integrantes da luta armada que participaram de assaltos a bancos e ações com mortes. Àqueles que têm o despudor de afirmar que a lei da anistia foi fruto de acordo nacional, devemos lembrar que a votação que aprovou a referida legislação no Congresso Nacional foi de 206 votos a favor e 201 contrários, sendo os votos favoráveis saídos todos das fileiras do então partido governista (a Arena). Faz parte das ditaduras a criação de uma novilíngua, na qual os termos ganham sentidos contrários. No Brasil, a imposição da sua vontade por meio da coerção é chamada de “acordo”.

Depois, a luta por eleições diretas para presidente da República foi abortada em famosa votação no Congresso, o afastamento de líderes ligados ao regime militar foi abortado com a elevação de José Sarney à Presidência do Brasil, seguido de Fernando Collor. Em todos esses processos não foi a sociedade brasileira que se mostrou fraca, mas o poder que se demonstrou suficientemente astuto para se perpetuar sob o manto da transformação. Falamos de uma ditadura que conseguiu permanecer no governo mesmo depois de seu fim, graças a uma manobra transformista que alçou o então PFL a fiador da República.

Da mesma forma, as Forças Armadas conseguiram criar a ilusão de ser um ator que deveria ser deixado em paz, sob o risco de maiores instabilidades institucionais. Essa lógica levou os primeiros governos realmente pós-ditadura (Fernando Henrique Cardoso e Lula) a nunca adotar uma política efetiva de criminalização da ditadura. Assim, chegamos em 2014 sem um torturador punido, sem um general obrigado a reconhecer a experiência terrível dos anos de chumbo.

Dentro desse quadro desolador, o governo Dilma Rousseff resolveu criar uma Comissão da Verdade, que deve entregar o relatório de suas atividades ainda neste ano. Composta de alguns nomes de inquestionável valor e dedicação, indivíduos com largo histórico de defesa dos direitos humanos e intervenções na mídia em favor de uma política efetiva de memória, a comissão teve condições mínimas de trabalho.

Dos sete integrantes iniciais, ela agora funciona com cinco. Mesmo ao levantar novos dados, principalmente a respeito da repressão no campo e contra indígenas, ela não conseguiu mobilizar a opinião pública, talvez por ter preferido não divulgar parcialmente resultados ou encaminhá-los diretamente às cortes internacionais de Justiça (pois as cortes brasileiras estão açodadas devido à decisão canalha do Supremo Tribunal Federal a respeito da perpetuação das leituras correntes a respeito da lei da anistia). Caso tivesse optado pela ampla divulgação e enviado os resultados às cortes internacionais, uma situação jurídica nova teria sido criada e obrigaria o governo a sair de sua política de minimização de conflitos. Foi graças a uma intervenção exterior, lembremos, que o Chile conseguiu, enfim, começar a enfrentar a brutalidade de seu passado. Se Augusto Pinochet não tivesse sido preso na Inglaterra por causa de um pedido do juiz espanhol Baltasar Garzón, há de se imaginar que o Chile estaria em situação muito diferente.

A Comissão da Verdade brasileira deveria assumir experiências de outras comissões e, ao menos, desenvolver um procedimento parecido àquele aplicado na África do Sul. Nesse caso, antigos funcionários do apartheid tiveram seus crimes perdoados se os confessassem abertamente diante das vítimas ou familiares das vítimas, pedindo publicamente perdão. Certamente, no Brasil, algo dessa natureza teria, neste momento, grande força, certamente muito maior do que aquela que o procedimento demonstrou na própria África do Sul. Pois, entre nós, o verdadeiro problema é interromper, de uma vez por todas, a violência produzida pela tentativa de jogar o sofrimento social do período militar à condição de inexistência.

Creio ser útil partilhar um fato pessoal. Depois de escrever um artigo a respeito da tendência de negação predominante em parte de nossa historiografia recente, com seu desejo de apagar os traços da ditadura, recebi uma mensagem singela de alguém que dizia que a ditadura não existiu para ele, cidadão ordeiro e trabalhador. Ela existiu apenas para os indivíduos que queriam transformar este país em uma nova União Soviética. Eu diria que ele tem razão. De fato, a ditadura não existiu para ele, pois esse senhor, como vários outros, fez parte da ditadura. Não haveria ditadura sem cidadãos como este, que hoje não temem em demonstrar claramente suas escolhas.

Não há ditadura sem um conjunto de “carrascos voluntários”, que, mesmo não trabalhando diretamente nos aparatos repressivos, atua indiretamente no suporte e na reprodução das justificativas de suas ações. Há de se apontar para os carrascos voluntários da ditadura brasileira. Por isso, o País nunca conseguirá encerrar o legado ditatorial sem um processo de culpabilização coletiva. Quem votou na Arena foi um carrasco voluntário da ditadura e há de se tratar tais indivíduos dessa forma. Muito mais gente deveria estar no banco dos réus. Pois devemos lembrar, mais uma vez: só há perdão quando há, do outro lado, reconhecimento do crime. Você não pode perdoar o que não existiu. Então, se para certas parcelas da população, a ditadura não existiu, não há razão alguma para perdoá-los. O Brasil segue e seguirá em conflito, como quem vive uma história em suspenso.


A análise é de Vladimir Safatle, professor de Filosofia da USP e colunista da Carta Capital

Tortura era praticada na ditadura militar antes da luta armada



Ditadura praticou a tortura antes da luta armada
A Comissão Nacional da Verdade informou que a tortura passou a ser prática sistemática da ditadura militar logo após o golpe, em 1964. Durante o balanço de um ano de atividades, os integrantes da comissão desmentiram a versão de que a prática tenha sido efetivada em resposta à luta armada contra a ditadura, iniciada em 1969.

“A prática da tortura no Brasil como técnica de interrogatório nos quartéis é anterior ao período da luta armada, ela começa a ser praticada em 1964”, disse a historiadora Heloísa Starling, assessora da comissão. “O que é importante notar é que ao contrário do que supunha boa parte da nossa bibliografia, o que nós temos é a tortura sendo introduzida como padrão de interrogação nos quartéis em 64 e explodindo a partir de 69,” argumentou.

O balanço divulgado pela comissão considera que o uso da violência política permitiu ao regime construir um Estado sem limites repressivos. “Fez da tortura força motriz da repressão no Brasil. E levou a uma política sistemática de assassinatos, desaparecimentos e sequestros.”

A comissão revelou ainda que a Marinha ocultou informações sobre mortes na ditadura, quando foi questionada em 1993 pelo governo Itamar Franco.

De acordo com levantamentos da Comissão da Verdade, cerca de 50 mil pessoas foram presas só no ano de 1964, em operações nos estados da Guanabara (atual Rio de Janeiro), de Minas Gerais, de Pernambuco, do Rio Grande do Sul e de São Paulo.

A comissão identificou prisões em massa em navios-presídios.

A comissão também relatou ter identificado 36 centros de tortura em sete estados, inclusive em duas universidades — na Universidade Federal do Recife e na Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro. “Nós identificamos que as pessoas foram presas dentro dos campus da universidade e as práticas de violência ocorreram dentro do campus”, disse Heloísa Starling.

A historiadora disse que a comissão está no caminho de desmontar a tese de que a tortura foi praticada sem o consentimento do alto escalão militar. Ela apresentou um organograma de 1970, ano de criação do Centro de Operações de Defesa Interna (Codi), que mostra que as informações sobre o que ocorria no órgão eram de conhecimento do alto escalão do Exército, da Marinha e da Aeronáutica.

Toda a bibliografia, segundo a assessora, mostra que a estrutura de comando vai até o segundo nível, onde está o Centro de Informações da Aeronáutica (Cisa), Centro de Informações do Exército (CIE) e o Centro de Informações da Marinha. “É muito pouco provável que o general Médici [presidente Emílio Garrastazu Médici] não recebesse informações do seu ministro mais importante, que era o ministro do Exército, Orlando Geisel”, disse.

Veja também: Marilena Chaui diz que " A ditadura militar destruiu a escola pública"

Em depoimento na Comissão da Verdade Coronel Ustra afirma que militares lutavam pela democracia



Ustra usou do depoimento também para se defender,
negando ter cometido assassinato, tortura e sequestro.

Foto: Waleska Santiago
O coronel reformado Carlos Alberto Brilhante Ustra, disse nesta sexta-feira (10) em depoimento à Comissão Nacional da Verdade (CNV), que se não fosse a atuação dos militares, o comunismo existiria atualmente no Brasil. “Estávamos lutando pela democracia e estávamos lutando contra o comunismo. Se não fosse a nossa luta, se não tivéssemos lutado, eu não estaria aqui porque eu já teria ido para o paredón. Os senhores teriam um regime comunista, um regime como o de Fidel Castro. O Brasil teria virado um ‘Cubão’ [em referência a Cuba]“.

Ustra também se referiu à atuação da presidenta Dilma Rousseff, durante a ditadura militar. “Ela integrou quatro grupos terroristas” que tinham como objetivo final “a implantação de uma ditadura do proletariado, o comunismo. Derrubar os militares e implantar o comunismo”. “Isso consta de todas as organizações”, disse o coronel que comandou o Destacamento de Operações de Informações do Centro de Operações de Defesa Interna do 2º Exército em São Paulo (DOI-Codi-SP), órgão de repressão da ditadura militar, entre 1970 e 1974.

Durante a ditadura, a presidenta Dilma integrou as organizações clandestinas Política Operária (Polop), Comando de Libertação Nacional (Colina) e Vanguarda Armada Revolucionária Palmares (VAR-Palmares), dedicadas a combater a ditadura militar. Condenada por “subversão”, ela passou três anos presa no Presídio Tiradentes, em São Paulo, entre 1970 e 1972.

O coronel compareceu nesta sexta à Comissão da Verdade e, apesar de decisão judicial que lhe garantia o direito de não se pronunciar durante o depoimento, Ustra falou aos membros da comissão e negou também que tenha cometido assassinato, tortura e sequestro. O ex-comandante afirmou ainda que nenhuma tortura foi cometida dentro das instalações do órgão de repressão do governo militar.

Antes do início do depoimento, Ustra fez um pronunciamento em que reiterou que as ações de repressão foram respostas aos atos das “organizações terroristas que queriam implantar o comunismo no Brasil”.

Ustra citou ações praticadas pelos grupos de esquerda contra o regime militar. “Quando fui transferido para São Paulo no início dos anos 70, os terroristas já haviam assaltado mais de 300 bancos e carros-fortes. Tinham encaminhado mais de 300 militantes para a China para treinar a guerrilha, já haviam atacado quartéis, roubado armas e sequestrado três diplomatas. Em face disso foi criado o DOI-Codi. Eramos homens prontos para o combate, cumprindo ordens”, disse acentuando que seria apenas mais um na cadeia de comando.

Durante o seu depoimento, ao ser indagado sobre o desaparecimento de vários militantes políticos, Ustra negou que tenha havido qualquer morte no DOI-Codi. “No meu comando ninguém foi morto no DOI [Codi]. Foram mortos em combate, de arma na mão, na rua”, repetiu várias vezes.

Com informações da Agência Brasil

Corpo do ex-presidente João Goulart vai ser exumado, diz Comissão da Verdade



João Goulart, o Jango, governou o Brasil de 1961 a 1964
O corpo do ex-presidente João Goulart, morto em 1976, será exumado, por decisão da Comissão Nacional da Verdade e do MPF-RS (Ministério Público Federal do Rio Grande do Sul).

A despeito da versão oficial da morte de Goulart, por ataque cardíaco durante exílio na Argentina após ser deposto pelo golpe de 1964, a família do ex-presidente acredita que ele possa ter sido envenenado. O corpo de João Goulart está enterrado no cemitério de São Borja, no Rio Grande do Sul.
A advogada criminalista Rosa Cardoso, integrante da Comissão da Verdade, disse que os "indícios concludentes" de que Goulart foi vigiado no exílio pela "Operação Condor" (uma aliança entre as ditaduras do Cone Sul nos anos 1970 para perseguir os opositores dos regimes militares da região) sugerem, também, que ele pode ter sido assassinado por ordem da ditadura brasileira. A exumação deve confirmar ou não essa premissa.
Por enquanto, Rosa evita afirmações categóricas. "Nós temos que perguntar agora se já é possível que a comissão se posicione a respeito de um assassinato", disse. Mas, "como criminalista", afirmou que tem visto casos nos quais o Judiciário se pronuncia [pela condenação de criminosos] "com uma quantidade muito menor de indícios concludentes" do que os disponíveis na apuração sobre a morte de Jango.
Ainda de acordo com a advogada, os indícios incluem os fatos narrados na representação da família Goulart, que por intermédio do Instituto Presidente João Goulart motivou o início do inquérito civil público em curso no MPF-RS desde 2007.

Com a volta do sistema presidencialista, Jango defendeu a realização de reformas
que poderiam promover a distribuição de renda por meio das chamadas Reformas
de Base, mas foi deposto pelo Golpe Militar
Ela também mencionou o documentário "Dossiê Jango" (2012), de Paulo Henrique Fontenelle, e o depoimento do ex-agente uruguaio Mário Neira Barreto, preso no Rio Grande do Sul, que confessou ter sido "cúmplice" do assassinato do ex-presidente por envenenamento, na Argentina.
Tese de envenenamento
Segundo o neto de João Goulart, Christopher, que encaminhou a petição à Comissão, reforçando o pedido e a autorização para a exumação do corpo do ex-presidente, a família está convencida de que Jango foi assassinado e recebeu garantias da Sedh (Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República) de que já há tecnologia para detectar traços do veneno mesmo décadas após a morte.
A tese é que o ex-presidente foi envenenado por um agente argentino sob ordens do ex-delegado Sérgio Fleury e com o conhecimento do ex-general Orlando Geisel.
Uma cápsula com a substância teria sido colocada entre medicamentos tomados regularmente por Jango em um hotel em Buenos Aires. Ele morreu alguns dias depois em sua fazenda em Mercedes, na província de Corrientes.
Com informações do Valor