A linhagem do racismo estrutural brasileiro, por Nêggo Tom


O Ministro do STF Luiz Roberto Barroso resolveu prestar uma homenagem ao ex-ministro do também STF Joaquim Barbosa, mas como sabemos que para alguns é difícil elogiar um preto sem deixar de frisar que ele é preto, a menção feita, ao invés de honrosa, se tornou horrorosa

Do Ceert - Barroso se referiu a Barbosa como um "negro de primeira linha", assim mesmo, como se estivesse analisando um tecido. Eu acho que se ele tivesse chamado o Joaquim Barbosa de veludo cotelê da suprema corte teria sido mais elogioso.

Falar sobre racismo - assim como sempre foi praticá-lo de forma sutil - não é mais um tabu. A questão precisa cada vez mais ser discutida, e mais do que isso, o pingo precisa ser colocado nos is. Não dá para deixar passar deslizes como o do ministro Barroso. É claro, que o inconsciente coletivo racista precisa ser trabalhado. Diria, até, reeducado, numa espécie de "intensivão"de bons modos. Deslizar no politicamente correto é próprio dos racistas. Se você acha que eu estou dizendo que o ministro Barroso foi racista, acertou. E nem precisa ser um entendedor de primeira linha para o perceber.

Mas o que seria deslizar no politicamente correto? Você que é preto (a), e que agora lê esse texto, já deve ter passado por algumas situações semelhantes a que fora sumetido o nosso "negro de primeira linha", Joaquim Barbosa. Vamos ao dejavu. Alguém certamente já tentou elogiar a beleza da mulher preta com a frase: "Ela é preta, mas é bonita", ou tentou parabenizar o negão pelo seu bom caráter e boa postura, soltando um: "Ele é preto, mas é gente boa" ou "Ele é um preto educado". As frases citadas nada mais são, do que versões pontuais e alternativas ao "preto de alma branca", afinal, o nosso racismo também é cultural.

O racista sempre irá escorregar numa casca de banana e levar um tombo feio, quando tentar enveredar pelo politicamente correto. Ser politicamente correto não é uma simples questão de escolha, ou algo que se assimila lendo um manual. É um estado de espírito. Talvez, por esse motivo, muitos entendem como uma verdadeira chatice, ter que abrir mão dos hábitos e costumes herdados dos colonizadores. Antigamente não tinha nada disso, os pretos nem ligavam e a gente não precisava ficar pisando em ovos para falar com eles. Mas as coisas mudaram e mudarão ainda mais, caras pálidas. Podem crer.

Suponhamos que eu elogiasse a um branco, me referindo a ele como branco de primeira linha. Como você ele sentiria ou reagiria? Se sentiria elogiado e orgulhoso por estar sendo diferenciado dos demais? Afinal, tem branco que é foda, né? Quando não caga na entrada.... Ou ele me faria algum tipo de advertência, sinalizando a possibilidade de eu estar sendo preconceituoso em minha colocação? Eu, como preto, já o fiz e confesso que o meu aparte não foi muito bem recebido. Não me importa! Eu não sou obrigado a ouvir expressões racistas e agradecer o elogio. Você é? Por que? A defesa da sua dignidade não deveria estar em primeiro lugar? Não devemos aceitar com naturalidade, a imposição de estereótipos, ainda que eles pareçam inofensivos, ou até mesmo, elogiosos

Por exemplo, quando um preto não vê maldade e acha legal, personagens como o Zé Pequeno, que foi adotado como uma espécie de herói fora da lei, pelo programa Pânico, reforçando a ideia de que o preto é naturalmente meio marginal, intimidador, violento, boca suja, sem educação e que resolve tudo na porrada, você está permitindo que um juízo de valor e linhagem seja feito com relação a todos os pretos. É claro que existem "Zé Pequenos" brancos, mas sobre esses não pesará o fardo do racismo e do preconceito. Para o ministro Barroso, a etnia de Joaquim Barbosa se torna mais relevante do que a sua própria competência como jurista, porque segundo o nosso racismo institucional, não é comum um preto chegar onde Barbosa chegou.

Fica claro que o pensamento de Barroso e da parte racista da nossa sociedade é o seguinte: O preto pode ser bom, competente e talentoso, mas nunca deverá ser comparado a um branco. O uso da palavra negro, antecedendo ao que deveria ser um elogio, caracteriza distinção. Colocar as coisas em seu devido lugar, ou no lugar que os racistas entendem que elas devem sempre estar. Barroso fez o seu mea culpa, pediu perdão, tentou se justificar, se emocionou, mas não me convenceu o suficiente, para classificá-lo como um ator de primeira linha. Mas sem dúvida, ele é um grande jurista branco.


Fim da linha.

Foto: José Cruz/ Agência Brasil.

Depois de RJ e SP, luta por Diretas Já chega a Salvador e Porta Alegre



Depois de grandes atos no Rio de Janeiro e em São Paulo, o movimento por eleições diretas ganhou outras capitais neste domingo. Em Salvador, uma multidão de mais de 50 mil pessoas tomou o Farol da Barra (foto), um dos mais belos cartões-postais da capital baiana no final da tarde, ao som se artistas como Daniela Mercury e Margareth Menezes.

Do 247 - Em Porto Alegre, o ato aconteceu no Parque da Redenção, também com grande participação de artistas. Lá puxaram o coro nomes como Bagre e Ernesto Fagundes, Hique Gomez, Antônio Villeroy, Negras em Canto, Bebeto Alves, Nani Medeiros e Raul Elwanger.

Presidente da 'Frente Suprapartidária pelas Diretas Já', o senador João Capiberibe (PSB), do Amapá, disse que os atos vão continuar em todo o País, até Temer ser cassado ou renunciar.

"A ideia é isso: juntar, unir, ampliar os movimentos sociais, as centrais sindicais, o movimento da sociedade civil, artistas, personalidades, políticos, governadores, senadores, deputados, vereadores e representantes da comunidade diante do povo. É uma grande corrente pelas Diretas".

Farol da Barra em Salvador reuniu mais de 50 mil pessoas. Foto: 247.

Funkeiro destrói música “Asa Branca” de Luiz Gonzaga. Família do “Rei do Baião” reage


A família de Luiz Gonzaga acionará a Justiça contra MC Yuri por conta da música “Festa Junina da Putaria”, que leva a melodia de Asa branca.

Luiz Gonzaga conhecido como Rei do Baião. Foto: Divulgação, em 24/08/1988.

Do O Povo - “Tu vai sentar, tu vai quicar por cima do meu peru / MC Yuri, manda pra tu / Vem novinha, senta, quica, trava, arrasta com a x*** no meu peru”, diz um trecho da música. Após a repercussão negativa, o video foi retirado do canal “Detona Funk”, no YouTube, mas permanece disponível em outras contas.

Em entrevista ao Viver, do Diário de Pernambuco, a filha de Gonzagão, Rosinha Gonzaga, afirma que a “obra Asa Branca é um hino nacional”.

Segundo a publicação, a responsável por administrar os direitos autorais e uso de imagem do músico pernambucano, Editora Moleque, estuda junto a advogados a maneira correta de mover a Justiça para punir o funkeiro.

Na tural de São José do Rio Preto, em São Paulo, MC Yuri tem 19 anos. O seu empresário, identificado como Ademir, afirmou ao Viver que a intenção da música nunca foi ofender o público pernambucano. Além disso, revelou que um advogado está de prontidão para cuidar do caso. Segundo ele, os palavrões contidos na música pertencem ao funk. “É o gênero dele. O funkeiro não vai fazer uma música gospel”, justificou.

Confira o Vídeo


           

Autobiografia de escravizado no Brasil ganha edição em português 160 anos depois



Mahommah Gardo Baquaqua foi escravizado no Brasil entre 1845 e 1847, quando conquistou sua liberdade. Já em 1954, teve sua autobiografia publicada nos EUA. Somente 160 anos depois da primeira edição em língua inglesa, a obra ganha uma tradução para o português.

Do Brasil de Fato - A Biografia de Mahommah Gardo Baquaqua (Editora Uirapuru, 80 páginas, R$ 38,50), lançada em maio, é o único registro escrito realizado por um ex-escravo do período colonial brasileiro, e tem como grande mérito fazer uma descrição detalhada do cotidiano do escravismo colonial.

Segundo a editora, a primeira edição da publicação se esgotou rapidamente e uma nova tiragem foi produzida logo em seguida.

Nascido em Djagou, atual Benim, em data desconhecida (provavelmente entre em 1820 e 1830), Mahommah pertencia a uma família de comerciantes muçulmanos, estudou o Corão, matemática e literatura, e se envolveu em conflitos políticos na juventude. Segundo seu relato, foi vítima de uma emboscada e embarcado com destino a Pernambuco. Lá, foi submetido a trabalhos forçados em Olinda a partir de 1845.

A situação indigna da escravidão o levou ao alcoolismo e, em situação extrema, à tentativa de suicídio. Levado ao Rio de Janeiro, passou a trabalhar no transporte naval. Em 1847, ele estava em viagem em uma embarcação que carregava café (também fruto do trabalho escravizado) quando chegou a Nova Iorque, nos Estados Unidos. Lá, abolicionistas locais o encorajam e o apoiam a fugir.

Mahommah vai para o Haiti, país que havia passado por uma revolução negra e que havia abolido o trabalho escravo. Convertido ao cristianismo, volta aos EUA em 1848, onde estuda por três anos. Se muda para o Canadá no mesmo ano da publicação de sua autobiografia, que foi escrita com auxílio de abolicionistas estadunidenses.

Descaso

Não há registros conhecidos da vida de Mahommah após 1857. Sabe-se que ele se preparava para se tornar um missionário cristão na África. Uma lacuna que transmite um sentimento de não conclusão é típica de autobiografias, mas, nesse caso, a descontinuidade historiográfica em outras fontes escancara o descaso com que a negritude é encarada no Brasil.

A própria demora em uma tradução – mais de um século – evidencia esta questão. Obviamente, as condições para que houve um registro escrito por parte de pessoas escravizadas são excepcionais. Justamente por isso, o caso de Mahommah deveria ter recebido maior atenção do mercado editorial.

De algum modo, a (pouca) importância que foi dada ao relato de Baquaqua no Brasil até a presente edição revela como nosso passado escravista e, principalmente, seu legado social tem recebido tratamento aquém do necessário.

 
Baquaqua (acima) conquistou a liberdade ao fugir durante viagem aos EUA. Editora Uirapuru/ Reprodução.

Só o povo nas ruas pode garantir a estabilidade política, jurídica e midiática



Sobre a declaração de votos na sessão do TSE que julgava a cassação da chapa Dilma-Temer, tenho algumas observações:

1- Pérolas ditas hoje por ministros:

1.1 - Napoleão Nunes Maia Filho: “é melhor absolver um culpado do que condenar um inocente". Devo lembrar ao Napoleão que o princípio básico do direito diz que ao inocente dar-lhe a absolvição e ao culpado à condenação;

1.2 - Gilmar Mendes: "cassar uma chapa é muito sério". Para ele não cabe ao TSE resolver crises políticas. Nesse caso, para o Gilmar, os atos ilícitos comprovados não representam seriedade. Vamos todos brincar agora de praticar corrupção;

2- Não há muita diferença entre a fatídica sessão do dia 17 de abril de 2016 na Câmara Federal que impediu a Dilma de continuar seu mandato e a de hoje, 09 de junho de 2017. O pouco de distinção que se pode perceber foi que os ministros e a ministra mostraram argumentos (falhos e surreal, mas mostraram);

3- A sessão demonstrou o que todos já sabemos: não se deve depositar confiança mais em nenhum órgão. A crise de representatividade não é mais só no âmbito da política partidária. Ela é geral;

4- Vergonha Alheia;

5- Ou a massa popular vai as ruas exigir seus direitos, ou corremos sérios riscos de desembocar em uma nova ditadura;

6- Só o povo nas ruas pode garantir a estabilidade política, jurídica e midiática;

7- Só o povo nas ruas pode garantir a continuação do frágil regime democrático;

8 - Vergonha alheia;

9 - Vergonha alheia;

10 - Vergonha alheia.

Ministros em sessão de julgamento da chapa Dilma-Temer no TSE. Foto: Divulgação.

“Negro de Primeira Linha”: O racismo que escapole no discurso politicamente correto do ministro Barroso



Na última quarta-feira (07) o Ministro Roberto Barroso compareceu à cerimônia de aposição do retrato do ex-presidente do STF, Joaquim Barbosa, e, ao saudá-lo afirmou que ele é um “negro de primeira linha”, com doutorado em Paris, a quem tinha tido a honra de receber na Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Segundo os presentes o ministro Joaquim Barbosa deixou transparecer no semblante a irritação e o caso foi parar na imprensa provocando uma retratação no dia seguinte.

Do Justificando - Na abertura da sessão plenária do STF de 08 de junho Luis Roberto Barroso desculpou-se pelo ocorrido, afirmou que a expressão “primeira linha” referia-se à palavra intelectual, e não à palavra negro, e disse que se retratava àqueles que eventualmente tenham se sentido ofendidos. O caso pareceu resolvido.

Contudo, penso que continua sendo oportuno pensar, mesmo depois das desculpas apresentadas, sobre o que significa a frase do ministro Barroso e refletir sobre como sua afirmação é elucidativa de como funciona o racismo à brasileira.

Temos aprendido dia a dia no Brasil que não basta interditar trajetórias negras e inviabilizar sua presença na cena pública. 
O repertório do racismo nacional também especializou-se em marcar com categorias raciais para sublinhar o aspecto desconforme destes corpos negros no mundo branco. Ainda que por meio de elogios, aparentemente marcados de boa intenção, multiplicam-se frases sobre a menina que é negra, mas é bonita; moreno, mas muito inteligente; escuro, porém, extremamente honesto

Quando não há como evitar que negros circulem, ainda que minoritariamente, em espaços de poder, riqueza e prestígio são acionados processos para relembrar que negros são a subclasse do mundo e que, em função disso, só podem acessar aos lugares periféricos da história. Quando se reconhece o talento negro isso sempre vem acompanhado de uma conjunção adversativa, pronta a enunciar que aquele talento é surpreendente, ou seja, não esperado de “pessoas de cor”.

Ao ressaltar que o ministro Joaquim é um negro de primeira linha o ministro Barroso está lembrando que os negros em geral são negros de linha alguma, subclasse de gente de quem se questiona a humanidade.

É em face do seu acesso ao mundo dos brancos (doutorado na França, erudição europeia, conhecimento dos idiomas dos países centrais) que Barbosa pode ser digno de registro no repertório controverso das relações raciais no Brasil, mas nunca será efetivamente um igual no mundo dos ministros do STF. Será sempre um “outro” que, apesar da raça, chegou conjunturalmente aquele lugar.

Certamente a fala do ministro Barroso será defendida a partir do discurso de que ele é um estudioso das ações afirmativas; colaborou com pautas da comunidade negra e até que ele tem amigos negros, que frequentam sua casa e gozam de sua confiança. Mas, o racismo se retroalimenta justamente desta contradição: convive-se com negros sem que isso rompa com os pactos e privilégios típicos de uma sociedade construída a partir de modelos de desigualdade e violência.

Certamente Barroso pretendeu ser gentil e elogioso com o seu ex colega de tribunal. Mas a hierarquia do racismo reside justamente na possibilidade de – consciente e inconscientemente – reforçar estigmas e estereótipos; alimentar-se deles para criar desigualdades, e, quando a injustiça racial é denunciada, rapidamente poder afirmar que foi brincadeira, que foi um mal-entendido, que foram os negros que entenderam errado e que não era o objetivo ofender. É o velho dá o tapa e esconde a mão.

O elogio desastrado de Barroso a Joaquim releva mais do que aquilo que enxergamos num primeiro momento. Mais do que uma gafe – como registrou a imprensa – ou mais do que uma palavra infeliz – como anotou o próprio Ministro – a segmentação dos negros entre os de primeira e os de segunda é uma velha narrativa pela qual o Brasil expressa seu incontornável desconforto com negros e negras que aparecem e brilham demais.




Karla Alves e Alex Baoli discutirão literatura de João Antônio em Juazeiro do Norte



Os ativistas das causas negras Karla Alves e Alex Baoli discutirão nesta sexta-feira, 09, no Centro Cultural Banco do Nordeste (CCBNB), às 19h00, em Juazeiro do Norte, a literatura do escritor e jornalista João Antônio Ferreira Filho.

Desconhecido do grande público e, inclusive por boa parte da classe docente e discente do pais, o escritor alvo da discussão, passou a figurar no cenário nacional apenas como João Antônio. Seus escritos, porém, foram alvo de várias premiações pelo rigor crítico com o qual retratava pessoas à margem da sociedade.

João Antonio veio de família humilde do subúrbio de São Paulo e teve que aceitar diversos subempregos e ficou conhecido pelo lançamento do seu livro de contos “Malagueta, Perus e Bacanaço”, publicado em 1963.

Ao fazer menção ao evento, Karla, ativista do Grupo de Mulheres Negras do Cariri – Pretas Simoa, usou a metáfora para descrever o autor. “Amanha (09/06) as 19h no CCBNB estaremos discutindo a literatura nada sutil de João Antonio. Quem conhece vem somar. Quem não conhece e gosta de navalha na lingua vem somar tbm... De todo jeito somaê que tá valendo”, realçou.

Já o professor Alex foi um dos primeiros a compartilhar o evento na sua rede social. “Na próxima sexta-feira, no CCBNB”, dizia a legenda que acompanhava o cartaz de divulgação.

Karla Alves e Alex Baoli. Foto: Reprodução/Facebook.