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Autobiografia de escravizado no Brasil ganha edição em português 160 anos depois



Mahommah Gardo Baquaqua foi escravizado no Brasil entre 1845 e 1847, quando conquistou sua liberdade. Já em 1954, teve sua autobiografia publicada nos EUA. Somente 160 anos depois da primeira edição em língua inglesa, a obra ganha uma tradução para o português.

Do Brasil de Fato - A Biografia de Mahommah Gardo Baquaqua (Editora Uirapuru, 80 páginas, R$ 38,50), lançada em maio, é o único registro escrito realizado por um ex-escravo do período colonial brasileiro, e tem como grande mérito fazer uma descrição detalhada do cotidiano do escravismo colonial.

Segundo a editora, a primeira edição da publicação se esgotou rapidamente e uma nova tiragem foi produzida logo em seguida.

Nascido em Djagou, atual Benim, em data desconhecida (provavelmente entre em 1820 e 1830), Mahommah pertencia a uma família de comerciantes muçulmanos, estudou o Corão, matemática e literatura, e se envolveu em conflitos políticos na juventude. Segundo seu relato, foi vítima de uma emboscada e embarcado com destino a Pernambuco. Lá, foi submetido a trabalhos forçados em Olinda a partir de 1845.

A situação indigna da escravidão o levou ao alcoolismo e, em situação extrema, à tentativa de suicídio. Levado ao Rio de Janeiro, passou a trabalhar no transporte naval. Em 1847, ele estava em viagem em uma embarcação que carregava café (também fruto do trabalho escravizado) quando chegou a Nova Iorque, nos Estados Unidos. Lá, abolicionistas locais o encorajam e o apoiam a fugir.

Mahommah vai para o Haiti, país que havia passado por uma revolução negra e que havia abolido o trabalho escravo. Convertido ao cristianismo, volta aos EUA em 1848, onde estuda por três anos. Se muda para o Canadá no mesmo ano da publicação de sua autobiografia, que foi escrita com auxílio de abolicionistas estadunidenses.

Descaso

Não há registros conhecidos da vida de Mahommah após 1857. Sabe-se que ele se preparava para se tornar um missionário cristão na África. Uma lacuna que transmite um sentimento de não conclusão é típica de autobiografias, mas, nesse caso, a descontinuidade historiográfica em outras fontes escancara o descaso com que a negritude é encarada no Brasil.

A própria demora em uma tradução – mais de um século – evidencia esta questão. Obviamente, as condições para que houve um registro escrito por parte de pessoas escravizadas são excepcionais. Justamente por isso, o caso de Mahommah deveria ter recebido maior atenção do mercado editorial.

De algum modo, a (pouca) importância que foi dada ao relato de Baquaqua no Brasil até a presente edição revela como nosso passado escravista e, principalmente, seu legado social tem recebido tratamento aquém do necessário.

 
Baquaqua (acima) conquistou a liberdade ao fugir durante viagem aos EUA. Editora Uirapuru/ Reprodução.

Historiador traduz livro de escravo que viveu no Brasil



Do norte da África, passando por Recife, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul, até se libertar da escravidão em Nova Iorque no ano de 1847. Assim foi uma parte da jornada de Mahommah Gardo Baquaqua, único escravo que passou pelo Brasil a ter escrito uma autobiografia. 

Capa com imagem de Baquaqua
Divulgação/Bruno Véras
Uma interessante narrativa: biografia de Mahommah G Baquaqua”, em tradução livre, foi escrita em inglês e lançada pelo próprio Baquaqua em 1854 na cidade estadunidense de Detroit para arrecadar fundos para a campanha abolicionista.

O historiador Bruno Véras, com o apoio do Ministério da Cultura e do Consulado do Canadá, onde estão os originais da obra, estudou a publicação que deve ser traduzida para o português até o final de 2015, segundo noticiou o Jornal O Globo.

Baquaqua sempre foi um personagem que me intrigou. Ele escreveu a única autobiografia de um africano escravizado em terras brasileiras. Apesar disso, ele não é conhecido em nossa História nem em nossos livros didáticos”, contou Verás em entrevista ao jornal carioca.

A história de Baquaqua começa onde hoje é o norte de Benin. Filho de um comerciante, ele estudou em uma escola islâmica e aprendeu a ler e adquiriu conhecimentos em matemática. Foi escravizado pelo Império Ashanti, pois trabalhava em uma rota comercial onde vendia especiarias. Tempos depois seu irmão o comprou, mas ele foi pego novamente e enviado para o Brasil.

Sua obra conta com detalhes como era o tratamento dos escravos desde a entrada nos navios negreiros até como os escravos os tratavam em terras brasileiras. "Meus companheiros não eram tão constantes quanto eu, sendo muito dados à bebida e, por isso, eram menos rentáveis para o senhor. Aproveitei disso para procurar elevar-me em sua opinião, sendo muito prestativo e obediente, mas tudo em vão; fizesse o que fizesse, descobri que servia a um tirano e nada parecia satisfazê-lo. Então comecei a beber como os outros e, assim, éramos todos da mesma laia, mau senhor, maus escravos", conta em uma passagem.

Quando saiu do Recife e foi para o Rio de Janeiro, seus conhecimentos em matemática e literatura fez com que ele atuasse dentro de um navio de comércio de charque entre a capital e o Rio Grande do Sul.

Em uma encomenda de café que tinha como destino Nova Iorque, Baquaqua conta que um inglês ensinou a palavra “liberdade” a ele e dois companheiros a bordo, já que os Estados Unidos já haviam abolido a escravidão. Ele tentou fugir do navio e acabou preso, mas com a ajuda de abolicionistas locais, conseguiu escapar da prisão e ir rumo ao Haiti.

O último local que se teve notícias dele foi na cidade inglesa de Liverpool, em 1857, provavelmente por conta de seu engajamento na luta abolicionista.