Em 2016 o congresso gastou com cotão o equivalente a 7 anos de salário do conjunto dos senadores


Em tempos de crise, Parlamento vive realidade paralela. Foto: Pedro França/Agência Senado.

Parlamentares gastaram juntos R$ 235 milhões da verba indenizatória em 2016, o equivalente a mais de 250 mil salários mínimos ou a sete anos de salário dos 81 senadores. O montante também corresponde ao pagamento dos salários dos 513 deputados por quase 14 meses. Trata-se de um recurso público a que cada congressista tem direito para ressarcimento de despesas feitas em razão de atividade inerente ao exercício do mandato. Tal verba é liberada mensalmente de forma muito simples, bastando apenas a apresentação da comprovação dos gastos.

Congresso em Foco- PMDB e PT, os maiores partidos nas duas Casas legislativas, são os que mais gastaram no período. Juntas, as legendas foram responsáveis por quase 23% do total dos gastos com a verba indenizatória. Enquanto deputados concentraram seus gastos para divulgarem seus mandatos, senadores priorizaram viagens de avião. Confira nos infográficos abaixo detalhes sobre as despesas na Câmara e no Senado.

A compra de passagens aéreas para deslocamento do parlamentar de seu estado para Brasília, e da viagem de volta, é maior para os eleitos nos estados da Região Norte do país, devido ao alto custo dos bilhetes. Exemplo disso é o senador João Capiberibe (PSB-AP), que lidera o ranking dos gastadores do cotão no Senado. Segundo assessoria, o parlamentar gasta cerca de R$ 12 mil por mês apenas com passagens aéreas. Também chamou a atenção a despesa feita pelo senador Omar Aziz (PSD-AM): campeão de gastos com despesas de comunicação no ano passado e o quarto colocado em faltas em 2016, Omar pagou R$ 270 mil  – R$ 30 mil mensais – à microempresa Jefferson L.R. Coronel-ME, de um conhecido jornalista e marqueteiro político do Amazonas.

Os valores disponíveis aos parlamentares das duas Casas variam de acordo com o estado de origem de cada um, em que o menor valor praticado no Senado é de R$ 21 mil, e o maior, R$ 44 mil. Na Câmara, tais valores são, respectivamente, R$ 30,7 mil e R$ 45,6 mil.

Veja como foram utilizados os R$ 235 milhões do cotão em 2016




Por que é injusto igualar mulheres e homens na Previdência



O repúdio à reforma da Previdência proposta pelo governo Michel Temer foi uma das bandeiras erguidas pelas mulheres brasileiras neste 8 de março. Em discussão na Câmara dos Deputados, o projeto iguala as regras da aposentadoria para homens e mulheres ao exigir um mínimo de 65 anos de idade e 25 anos de contribuição para ambos os sexos.

CartaCapital - Se passar, a PEC 287/2016 tende a aprofundar a desigualdade de gênero no País. O regime previdenciário brasileiro é de repartição, solidário. Seu objetivo é provocar um efeito redistributivo, com os jovens contribuintes pagando a aposentadoria dos idosos, por exemplo. O sistema está intrinsecamente ligado ao mercado de trabalho, e uma de suas funções é corrigir desigualdades.

Para pesquisadoras ouvidas por CartaCapital, a reforma da Previdência proposta ignora a histórica desigualdade de gênero presente no mercado de trabalho brasileiro. A taxa de ocupação das mulheres é menor, e elas também recebem salários inferiores. A diferença salarial vem caindo com o tempo, mas essa redução tem sido lenta. De acordo com dados do Instituto Nacional de Geografia e Estatística (IBGE), em 2015 o rendimento das mulheres equivalia a 76% o dos homens, em média.

O desemprego também as atinge de forma desigual. Como principais responsáveis pelas tarefas domésticas e de cuidados, as mulheres ainda se veem sobrecarregadas com a dupla jornada de trabalho. De acordo com os dados mais recentes do IBGE, referentes ao último trimestre de 2016, o índice de desemprego chegou a 10,7% para os homens e a 13,8% para as mulheres.

Economista do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), Joana Mostafa afirma que, de todos os pontos críticos da proposta, o mais grave é a mudança no tempo mínimo de contribuição para ter direito à aposentadoria. Hoje, para se aposentar por idade é exigido um mínimo de 15 anos de contribuição, para homens e mulheres. Com a reforma, ambos terão que contribuir por 25 anos.

Às mulheres é atribuído socialmente um papel, que é o papel de cuidados: cuidar da casa, das crianças, dos idosos, das pessoas com deficiência. Não importa se ela efetivamente vai executar esses cuidados, se ela é mulher, é atribuído a ela esse papel”, afirma.

Com o aumento da exigência do tempo de contribuição, quase metade das trabalhadoras pode não conseguir se aposentar no futuro. Essa é a estimativa calculada por um grupo de trabalho do Ipea, do qual Mostafa faz parte, que em breve divulgará uma série de notas técnicas sobre a proposta de reforma da Previdência.

A divisão sexual do trabalho faz com que as mulheres tenham mais dificuldade de acessar o mercado formal e, portanto, mais dificuldade de acumular os anos de contribuição. Hoje, 15 anos de contribuição já exclui muita gente. Para as domésticas, por exemplo, é muito difícil. Aumentar para 25 anos vai excluir ainda mais, só os mais estruturados no mercado de trabalho vão conseguir”, afirma a economista.

Ao definir regras iguais para os sexos, o governo argumenta que as mulheres vivem mais que os homens e, ainda, que o “padrão internacional atual” é de igualar ou aproximar o tratamento de gênero na Previdência. “A diferença de cinco anos de idade ou contribuição, critério adotado pelo Brasil, coloca o País entre aqueles que possuem maior diferença de idade de aposentadoria por gênero”, pontuou o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, na proposta enviada ao Congresso.

A fala de Meirelles se baseia em um relatório sobre aposentadorias pelo mundo, produzido pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Em artigo publicado no jornal O Globo, a economista e professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Lena Lavinas afirma que, em diversos países que integram a OCDE, os sistemas previdenciários foram reformados de modo a enfrentar os determinantes estruturais da desigualdade de gênero.

Suécia, Noruega, Suíça, e em tantos outros países, as mulheres que podem justificar dedicação a filhos e idosos, familiares doentes ou até desemprego de longo prazo receberam créditos (menos tempo de contribuição ou idade mínima menor para aposentar) ou terão suas contribuições ao sistema pagas pelo Estado”, diz Lavinas no artigo, intitulado Armadilhas da igualdade.

O debate sobre a Previdência tem gerado discursos dissonantes entre as mulheres. Algumas feministas defendem idades iguais por avaliarem que a igualdade de gênero deve ser um princípio acima de tudo, em todas as esferas. Esse mesmo grupo, no entanto, concorda com a necessidade de um período de transição para mudanças na Previdência, durante o qual o governo fortaleceria suas políticas públicas de combate às desigualdades.

No Brasil de Temer, porém, nenhuma contrapartida foi feita às mulheres. Tampouco foi proposta a ampliação e a melhoria do sistema de creches, por exemplo. Dados de 2015 do Ministério da Educação apontam que creches públicas e privadas atendem apenas 30,4% das crianças com idade entre 0 e 3 anos.

A economista Hildete Pereira de Melo, professora da Universidade Federal Fluminense (UFF), se diz cética quanto à capacidade dos governos em enfrentar a desigualdade de gênero. “A regra de transição seria muito boa se a nossa experiência histórica não nos mostrasse como é difícil que isso aconteça na vida real. Especialmente neste momento, em que toda a nossa política social está sendo desmontada”, afirma Melo, que edita a revista Gênero, da UFF.

É por isso que eu sou cética. E digo: vamos manter a desigualdade. Neste caso, a desigualdade é a possibilidade que as mulheres têm de não ter uma vida ainda mais sofrida. Esta é uma bandeira que deixa algumas de nós mudas. Elas pensam: ‘sempre fiz um discurso pela igualdade, e de repente saio pela desigualdade'. Sim, porque não tem jeito! Vivemos em uma sociedade patriarcal e o mercado de trabalho é extremamente desigual. Então vamos para a briga”, convoca Melo.

Professora do departamento de Demografia e Ciência Atuariais da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), Luana Myrrha concorda. “Igualdade de gênero na Previdência sem que haja igualdade de gênero na sociedade, principalmente no mercado de trabalho e nos afazeres domésticos, tende a penalizar ainda mais as mulheres", afirma. "Creio que um período de transição seria uma boa proposta, mas a pergunta que fica é: qual seria esse período? As distorções nos salários e nos trabalhos domésticos estão longe de serem corrigidas.”

Homens e mulheres estão, de fato, dividindo mais as tarefas, mas a diferença ainda existe. Somando o serviço doméstico e o trabalho remunerado, as mulheres trabalham, em média, 7,5 horas a mais que os homens por semana. É o que aponta estudo divulgado nesta semana pelo Ipea, com base em dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) do IBGE.

Coautora do artigo A questão previdenciária: simulações quanto à igualdade de gênero - vantagem para a Previdência Social e desvantagem para a mulher, publicado em 2016, a professora da UFRN afirma que a antecipação de cinco anos na aposentadoria das mulheres está absolutamente de acordo com a realidade brasileira.


A sobrecarga da dupla jornada é uma realidade na vida das brasileiras, então o ‘bônus’ de cinco anos a menos para as mulheres requererem as suas aposentadorias me parece justificável”, diz Myrrha. “A missão da Previdência é garantir proteção ao trabalhador e sua família, por meio de uma política previdenciária solidária, cujo objetivo é promover o bem-estar social. Diante da sua definição, acho que a previdência precisa considerar as diversas desigualdades presentes na sociedade brasileira. Desconsiderar as desigualdades é descaracterizar o objetivo dessa política.”

No cariri cearense, mulheres foram às ruas para, dentre outras pautas, dizer não a reforma da previdência. Foto: Divulgação.

Câmara promulga lei que proíbe ‘ideologia de gênero’ em escolas municipais


A Câmara Municipal de Manaus (CMM) sancionou lei que proíbe a discussão sobre ideologia de gênero nas escolas municipais da cidade. A lei passou a vigorar na última terça-feira, 7, quando foi publicada no Diário Oficial da Casa. O projeto foi apresentado, em 2015, pelo vereador Marcel Alexandre (PMDB), sob a justificativa de que o Congresso Nacional retirou o termo ideologia de gênero do Plano Nacional de Educação (PNE).

CEERT - “A política de gênero foi excluída no Plano Federal, que delegou autonomia aos Estados e municípios para decidir. O Estado do Amazonas decidiu não incluir a ideologia de gênero e a cidade de Manaus também. Além disto, havia interessados fazendo não educação, mas militância nas escolas. Nós recebemos queixa de pais de que estava havendo a abordagem deste tema nas escolas”, disse Marcel.

Ainda segundo o parlamentar, o tema “não tem elementos científicos para serem tratados em sala de aula”. “Você imagina que alguém manda um filho para escolas para que ele aprenda ideologia de gênero, tipo ‘olha filho, embora você tenha um corpo masculino, você pode ser mulher’”, argumentou.

Para o vereador Professor Samuel (PHS), a ideologia de gênero não deve ser tratada com crianças. “Eu, como professor, sou contra influência externa na sexualidade em crianças, acho que, na infância, essas coisas devem acontecer de forma natural. Não se pode dizer para uma criança que ela pode escolher ser homem, mulher ou outra tendência sexual”, disse.

A conselheira para a Região Norte do Conselho Nacional de Psicologia, Iolete Ribeiro da Silva, acredita que a lei  é “um retrocesso”. “Na sociedade, há muita violência contra a mulher e a escola não discutir gênero é reforçar esta produção de violência. Geralmente, quem é contra a ideologia de gênero se fixa só na homossexualidade, mas, na realidade, é importante que as pessoas entendam, desde cedo, que as relações entre os gêneros devem ser igualitárias e respeitosas, para que tenhamos uma sociedade mais fraterna”, afirmou.

O presidente do Sindicato dos Trabalhadores em Educação do Amazonas (Sinteam), Marcus Libório, afirmou que a medida é equivocada. “Temos um machismo impregnado na nossa sociedade e, discutir gênero, é para  com os alunos a valorização das mulheres. Quem é contra está levando em conta apenas as suas crenças”, afirmou.

A polêmica sobre a ideologia de gênero nas escolas vem desde 2014, quando, durante a tramitação no Congresso Nacional do PNE, que dita as diretrizes e metas da educação para os próximos dez anos, a questão  foi retirada do texto. Na ocasião, as bancadas religiosas afirmaram que essas expressões valorizavam uma “ideologia de gênero”, corrente que deturparia os conceitos de homem e mulher, destruindo o modelo tradicional de família.

Projeto de 2015, do vereador Marcel  Alexandre, foi aprovado no plenário da Câmara Municipal de Manaus.
Foto: Thiago Correa/CMM.

Mais de um milhão de professores preparam greve contra a reforma da Previdência


A Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE) espera a adesão de mais de um milhão de professores e profissionais da rede pública de ensino na greve nacional que será deflagrada na quarta-feira (15). A paralisação, que vai atingir todos os estados do país, inaugura um calendário intenso de mobilizações envolvendo centrais sindicais e movimentos populares contra a aprovação da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) nº 287/2016, que muda as regras da aposentadoria no país.



Brasil de Fato - Apresentada ao Congresso Nacional pelo governo Temer, a medida estabelece idade mínima de 65 anos para homens e mulheres poderem se aposentar e ainda exige contribuição de 49 anos para que o trabalhador possa receber o valor integral do salário. Alguns benefícios também poderão ser desvinculados do salário mínimo, diminuindo o valor da aposentadoria ao longo do tempo.

Todas as 48 entidades filiadas à CNTE, que incluem sindicatos municipais e estaduais de professores, aprovaram a convocação da greve geral da categoria. A paralisação vai durar inicialmente 10 dias e, no dia 25 de março, o movimento vai avaliar a continuidade das mobilizações.

Segundo Heleno Araújo, presidente da confederação, o movimento sindical e social como um todo, incluindo as maiores centrais e as frentes Brasil Popular (FBP) e Povo Sem Medo (FPSM), também promoverão atos contra a reforma da Previdência no dia 15.

A meta é barrar essa reforma. Existe escola pública em cada bairro de cada município desse país. Vamos dialogar diretamente com a comunidade explicando a gravidade das mudanças que estão sendo propostas. Não tem final de semana nem feriado, estamos em uma verdadeira campanha, mas, dessa vez, para evitar um grave retrocesso”, explica.

Uma das principais ações locais durante a greve é pressionar as bases eleitorais de deputados que são a favor da reforma. A tática já tem surtido efeito, explica Heleno Araújo. Na semana passada, uma liminar obtida pelo deputado federal Heitor Schuch (PSB-RS) chegou a proibir a CUT do Rio Grande do Sul de distribuir um jornal especial sobre a reforma da Previdência. Uma das matérias estampava fotos de parlamentares do estado que apoiavam a medida. A censura acabou sendo derrubada posteriormente na Justiça.

Esse caso mostra que os deputados, quando têm sua posição política contra o povo exposta na mídia, entram em pânico. Nós vamos expor todos eles”, promete Heleno Araújo, que acredita que o governo não terá os 308 votos necessários na Câmara dos Deputados para aprovar a PEC. A proposta, se passar na Câmara, ainda depende do voto de 49 senadores, em dois turnos. O governo Temer sonha em ver a medida aprovada até julho.

Aposentadoria improvável

Para a CNTE, a PEC 287 torna as regras para a aposentadoria tão difíceis de serem alcançadas que os trabalhadores se sentirão obrigados a contratar planos privados de Previdência, caso tenham condições financeiras para isso. Ao mesmo tempo, com a expectativa média de vida no país girando em torno de 75 anos, as pessoas vão trabalhar quase até a morte. Em alguns estados, como Maranhão e Alagoas, por exemplo, a expectativa de vida chega a ser menor do que a idade mínima que o governo está propondo para a aposentadoria.

No caso dos trabalhadores em educação, explica Heleno Araújo, o impacto da reforma da Previdência será “brutal”.

Uma professora que atualmente se aposenta após 25 anos de contribuição vai ter que trabalhar um total de 49 anos para receber o salário integral, ou seja, querem elevar em mais de 400% o tempo que essa docente teria que trabalhar para se aposentar”, exemplifica.

Além disso, o presidente da CNTE lembra que mais de um terço da categoria já sofre com doenças do trabalho. Se a reforma passar, Heleno Araújo prevê um cenário “terrível” para a educação pública no Brasil.

Vai aumentar e muito o número de doenças e afastamentos de professores, onerando as prefeituras ainda mais. Essa PEC só serve para desmontar ainda mais os serviços públicos no país, e vai afetar desde a creche até o ensino médio”, argumenta.

Previdência não tem déficit

O principal argumento do governo federal para propor uma reforma tão profunda na previdência seria o déficit do setor. No entanto, dados da Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal desmentem essa tese. As receitas da Previdência fazem parte do orçamento da Seguridade Social que, além dos benefícios previdenciários, inclui saúde e outros programas sociais, como o Bolsa Família. Em 2015, as receitas da Seguridade Social foram de R$ 694 bilhões, enquanto as despesas foram de R$ 683 bilhões, um saldo positivo de R$ 11 bilhões.

Além disso, os débitos previdenciários e a sonegação de impostos por empresas somaram, em 2015, mais de R$ 350 bilhões, o que representou 77% do total de despesas com aposentadoria no mesmo ano (R$ 436 bilhões), indicando que o combate às fraudes poderia sanar qualquer possibilidade de déficit na previdência. Para o governo, no entanto, a solução é restringir o acesso à aposentadoria.

'Perdemos o medo de por o dedo na ferida', diz Conceição Evaristo



Catraca Livre - Aos 70 anos, a escritora mineira denuncia a falta de representação da população negra na literatura brasileira.

O que me leva a escrever? Desde criança, é uma série de indagações que eu faço diante da vida. Essas indagações foram se aprofundando ao longo do tempo.”

Nascida em 1946 em uma favela da zona sul de Belo Horizonte (MG), a poetisa e romancista Conceição Evaristo, 70 anos, foi criada em meio a uma família de mulheres negras que trabalhava como cozinheiras, faxineiras e empregadas domésticas.

Em entrevistas, Evaristo costuma dizer que não cresceu rodeada de livros, mas sim de palavras. “Cresci ouvindo histórias sobre a escravidão. A memória oral foi muito cultivada.” Essas experiências, que depois foram transferidas à sua escrita, é o que batizou de "escrevivência".

Para ela, uma das indagações que mais marcaram sua trajetória foi a posição de subalternidade que sua família tinha diante de outras, geralmente ricas e brancas. “Essas indagações e outras me levaram para a escrita. Eu achava que os livros me trariam respostas”, diz.

Créditos: Marcello Casal Jr. /Agência Brasil.

A escritora Conceição Evaristo

Sua trajetória na condição de mulher negra e de origem pobre se faz presente em todos seus livros, incluindo “Olhos d’água”, vencedor do prêmio Jabuti na categoria Contos e Crônicas em 2015. “Fico feliz pelo prêmio, que eu chamo de ‘prêmio da solidão’. Porque a única cara preta que tinha lá era a minha.”

A mulher negra na literatura brasileira

Na última edição da Flip (Festa Literária Internacional de Paraty), em junho do ano passado, Evaristo foi aplaudida de pé em um encontro paralelo à programação oficial da festa, uma atitude simbólica e potente diante da ausência de autores negros nas mesas centrais deste que é o principal evento do ramo no país. Mais uma vez, foi reacesa a necessária discussão sobre racismo e a falta de representação da população negra na literatura brasileira.

Na ocasião, a escritora protestou: “O que se percebe é que sempre nos é dada uma cidadania lúdica. Dar visibilidade a cantores e atletas negros é estar no lugar comum. Queremos ver pessoas negras colocadas como intelectuais, professores, escritores. Essa cidadania lúdica não nos interessa.

Antes de se firmar como escritora, Evaristo seguiu o caminho das mulheres de sua família que tinham vindo antes dela. Segunda de nove irmãos, ela trabalhou como babá, vendedora de revistas e faxineira até concluir o curso Normal (equivalente ao atual magistério), em 1971, aos 25 anos.

Mudou-se para o Rio de Janeiro, tornando-se mais tarde poetisa, romancista e ensaísta. No final da década de 70, Evaristo cursou Letras na Universidade Federal do Rio de Janeiro, depois ganhou o título de mestre em Literatura Brasileira pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro e doutora em Literatura Comparada pela Universidade Federal Fluminense.

Em 1990, publicou seu primeiro poema no décimo terceiro volume dos Cadernos Negros, periódico do Grupo Quilombhoje, de São Paulo, referência em literatura afro-brasileira. Seu primeiro romance, o Ponciá Vicêncio, foi publicado em 2003, traduzido para o inglês e o francês. A obra atualmente está com tiragem esgotada.

Conceição Evaristo mediando mesa sobre literatura no Festival Latinidades

Foi no Rio, onde mora há mais de 40 anos, que ela considera ter consolidado sua trajetória profissional. "O meu ambiente de escrita é a minha casa. No meio do cotidiano. Por indisciplina, eu não sou aquela pessoa que reserva determinados momentos pra escrever. Alguns escritores vão para a cozinha porque é um hobby. A gente não. A gente cozinha, a gente escreve, a gente cuida da casa, a gente lava o terreiro", conta.

Embora seja reconhecida mundialmente pela excelência de seu trabalho, especialistas denunciam o racismo que impede mais pessoas de conhecerem o trabalho de Evaristo.

"Apesar de ser uma referência para nós, ela ainda é desconhecida dentro da literatura brasileira. O que nos barra é o racismo. Quando pensamos em literatura escrita de mulher negra, a gente tem que combater o machismo e o racismo. É bastante trabalho porque tem que romper com a estrutura”, disse Elizandra Souza, integrante do Sarau das Pretas e editora da publicação Agenda Cultural da Periferia, à Ponte.

Se depender de Conceição Evaristo, esse é um debate que não irá mais cessar. “A questão racial do Brasil não é para o negro resolver: é para o brasileiro. Talvez estejamos perdendo um pouco do nosso cinismo. Perdemos o medo de colocar o dedo na ferida.” E arremata: "A nossa 'escrevivência' não pode ser lida como histórias para 'ninar os da casa grande' e sim para incomodá-los em seus sonos injustos".

Temer vira piada internacional com seu discurso no Dia Internacional da Mulher


Revista Fórum - A infeliz fala do presidente Michel Temer no Dia Internacional da Mulher, de certa forma um tanto quando blindada pela mídia tradicional brasileira, não passou despercebida na imprensa mundial. Neste momento, Temer é motivo de chacota em várias regiões do mundo pois grandes jornais escancararam a falta de senso de seu discurso em “homenagem” às mulheres no dia 8 de março.

Tenho absoluta convicção, até por formação familiar e por estar ao lado da Marcela [Temer], do quanto a mulher faz pela casa, pelo lar. Do que faz pelos filhos. E, se a sociedade de alguma maneira vai bem e os filhos crescem, é porque tiveram uma adequada formação em suas casas e, seguramente, isso quem faz não é o homem, é a mulher”, afirmou o peemedebista. Como se já não bastasse, ainda disse que a mulher tem uma grande participação na economia do país porque é “capaz de indicar os desajustes de preços em supermercados” e “identificar flutuações econômicas no orçamento doméstico”.
A norte-americana CNN, por exemplo, destacou as críticas que as mulheres brasileiras fizeram após o discurso. “Presidente brasileiro é criticado ao elogiar as habilidades das mulheres no supermercado”.

Já o espanhol El País foi mais direto: “O presidente do Brasil reduz o papel da mulher à casa e ao supermercado”.

O inglês The Independent, por sua vez, classificou a fala de Temer como “sexista”.

O jornal alemão Frankfurter Allgemeine também não perdoou: “Especialistas em trabalho doméstico, crianças, compras: Michel Temer só quis fazer um cumprimento às brasileiras no Dia das Mulheres. Mas a tentativa do presidente brasileiro saiu pela culatra”, diz a manchete.


Direitos roubados. Temer desenterra Projeto de Lei enviado à Câmara por FHC que autoriza a terceirização ilimitada



Carta Capital - Diz o ditado que o ano no Brasil só inicia após o carnaval, mas em 2017, mesmo antes da folia, o governo federal já começou a dar andamento a seu pacote de maldades, prosseguindo com a sanha iniciada pelo golpe.

Enquanto nas ruas o Bloco Fora Temer demonstrou sua força nos quatro cantos do País, em um Congresso Nacional de costas para o povo, se articula mais um ataque aos direitos dos trabalhadores e trabalhadoras. Temer e sua turma desenterram um Projeto de Lei (PL) enviado à Câmara por FHC, que desregulamenta o trabalho temporário e autoriza a terceirização ilimitada.

O projeto só depende da aprovação da Câmara e seguirá para sanção de Michel Temer.

O PL 4.302/98, que prevê a subcontratação de empregados em caráter permanente para qualquer atividade, urbana ou rural, pública ou privada, e inclusive para área fim, é uma forma de eximir as empresas de encargos sociais com seus trabalhadores.

Busca reduzir o custo da mão-de-obra por meio da contratação de empresas terceirizadas, conhecidas por seus baixos salários, rotinas laborais desiguais, maiores índices de acidente de trabalho e pela costumeira ausência de recolhimentos do FGTS e da Previdência Social, mesmo com o desconto de sua parcela nos salários mensais.

No que tange ao trabalho temporário, o PL amplia de três para nove meses o limite desse tipo de contrato, permitindo ainda que tal prazo possa ser alongado mediante acordo ou convenção coletiva. Mesmo a jornada de trabalho, que hoje consiste em oito horas, sendo remuneradas as horas extras, poderá ser alterada, pois o substitutivo do Senado prevê apenas: “jornada de trabalho equivalente à dos empregados que trabalham na mesma função ou cargo da tomadora”, não estabelecendo qualquer dispositivo que assegure que os trabalhadores não terão jornadas exaustivas.

Estabelece ainda uma desigualdade desumana entre os terceirizados e os demais trabalhadores, ao alterar o dispositivo que previa que a contratante deveria estender ao trabalhador da empresa de prestação de serviços o mesmo atendimento médico, ambulatorial e de refeição, destinado aos seus empregados.

É o PL da impunidade, pois exime a empresa tomadora dos serviços do descumprimento de cláusula contratual e da responsabilidade pelo não-pagamento das contribuições previdenciárias e/ou trabalhista. Ao mesmo tempo, anistia os débitos, das penalidades e das multas, às empresas que vinham desrespeitando a lei e contratando irregularmente os trabalhadores.

Em sua conclusão, o projeto coloca a cereja no bolo ao afirmar que “os contratos em vigência, se as partes assim acordarem, poderão ser adequados aos termos desta lei”. Estamos falando do famoso negociado sob o legislado.

Um verdadeiro absurdo que transforma a letra da lei em mera recomendação e não mais em norma a ser seguida. A proposta ainda busca fragilizar a organização sindical, revogando o recolhimento da contribuição devida ao sindicato por parte da empresa de terceirização.

Para virar lei, este projeto que por um lado aniquila concursos e o serviço público, e por outro rasga a Consolidação das Leis do Trabalho e a Constituição Federal, só depende de uma votação em maioria simples para seguir para sanção presidencial. E essa votação pode acontecer a qualquer momento.

Para quem viu na última década o País se desenvolver reduzindo a desigualdade social e respeitando direitos, aceitar esse ataque não é uma opção. Vamos resistir para que essas conquistas não nos sejam roubadas.