Está
circulando na internet um vídeo com uma entrevista do jornalista Ricardo
Boechat na qual ele faz um desabafo, sem papas na língua, que bem poderia ser
uma espécie de manifesto contra o jornalismo “faz de conta” que nos é servido
diariamente pela maioria dos jornais, revistas e emissoras de rádio ou
televisão do país.
Sobre desabafos e o jornalismo do
‘faz de conta’
“Faz de conta” porque tem muito pouca coisa a
ver com a realidade e procura nos passar a imagem de que se trata de informação
isenta e objetiva. Não sei se a minha experiência pode ser generalizada, mas a
cada dia que passa encontro mais pessoas que deixaram de ler jornais, viram a
cara para as capas de revistas semanais e evitam os telejornais tentando evitar
acessos de irritabilidade.
É
muito preocupante ver como as pessoas estão se afastando da imprensa depois de
terem sido contaminadas pelo vírus da dúvida sobre a fidedignidade e isenção
das notícias publicadas nos principais veículos de comunicação jornalística do
país. Mais preocupante ainda é perceber que ainda é grande o número de
profissionais que não se deram conta do papel que lhes está sendo imposto pelas
empresas jornalísticas.
Boechat,
no auge de seu desabafo, diz que mudou sua maneira de ver a ética pública
depois de constatar que as redações checam a credibilidade de declarações de
cidadãos comuns, mas aceitam sem restrições afirmações de políticos que,
segundo o âncora do Jornal da Band, são quase sempre mentirosas porque defendem
algum interesse oculto.
A
docilidade com que a imprensa aceita o jogo dos participantes do poder político
no Brasil é provavelmente a maior responsável pelo desencanto da opinião
pública não só em relação aos jornais, mas em relação a quase tudo o que tem a
ver com governos.
O
jornalismo que nos é oferecido diariamente ganha cada vez mais ares de um
grande “faz de conta” em que a imprensa “faz de conta que informa” e nós, o
público, “fazemos de conta” que acreditamos no que nos é passado como verdade.
É cada vez maior o número de leitores e telespectadores que se preocupam mais
em tentar captar o que está nas entrelinhas do que aquilo que é impresso ou
dito por jornalistas profissionais.
É
claro que a complexidade dos fatos, dados e eventos dificulta enormemente o
desafio de informar o público, nos tempos pós-avalancha informativa. Há dezenas
de percepções, posicionamentos, vieses e interesses embutidos até mesmo nas
notícias mais corriqueiras. São poucos os leitores e telespectadores cientes
desta dificuldade. A grande massa do público culpa os jornalistas pelo “faz de
conta”.
Mas
em nome da preservação do emprego e do status social, a atitude mais comum nas
redações é também fazer de conta, agarrando-se ao discurso corporativo que
associa críticas e agressividade contra jornalistas à ameaças contra a
liberdade de imprensa. Na verdade, muitas pessoas querem dizer apenas que não
aguentam mais o jornalismo “faz de conta”.
A
saturação com a hipocrisia está dando origem a uma onda de desabafos de todo o
tipo de pessoas. Parece que nossa quota de tolerância chegou ao limite, como
mostram as explosões de descontentamento popular materializadas nos protestos
de rua desde junho. A sobrevivência de Ricardo Boechat na bancada do Jornal da
Band ainda é uma incógnita porque o desabafo de seu principal âncora coloca TV
Bandeirantes num dilema: se tolera as duras afirmações do jornalista, coloca-se
em rota de colisão com o establishment politico de Brasília; mas, se afastar
Boechat do seu posto, passa um recibo de autenticidade para tudo aquilo que ele
botou na boca do trombone.
Via
Observatório da Imprensa